sábado, 13 de julho de 2013

Marina

                                                       
         Desde que na eleição de 2010, Marina Silva chegou em terceiro lugar no primeiro turno, com dezenove milhões e seiscentos e trinta e seis mil votos (equivalente a 19,33% dos válidos), a Senadora pelo Acre mais do que ascender um degrau, ganhou perfil próprio, como se tivesse ingresso em nível superior, aberto apenas a uns poucos nomes, com reais títulos a pretender à presidência da república.
        Não foram os obstáculos colocados pela legislação. Malgrado dispusesse tão só de pouco mais de minuto na propaganda eleitoral, Marina soube dar o seu recado e a própria mensagem, em muitos aspectos superior aos dois candidatos que foram para o segundo turno. Cobiçando o sufrágio por ela recebido, Dilma Rousseff, a candidata da algibeira de Lula, assinou documento em que se comprometeu a atender a compromisso com o meio ambiente, que estava no cerne da postulação da acreana.
        Talvez tenha sido um erro de Marina em prestar-se a esse jogo de faz de conta. O futuro diria da importância que D. Dilma empresta às teses ambientais. Tampouco a sua aliança com o Partido Verde foi proveitosa para a senadora. A chefia, que nada tem de carismática, soube manter o controle burocrático sobre a legenda. Se, junto com o símbolo a mediocridade,  a intenção destes verdes burocratas é de valer-se dos diáfanos encantos do programa e o consequente férreo domínio do P.V. A promessa de  progressão substancial, suscetível de sobrepor-se às hordas oponentes, não lhes interessa, porque perderiam o único poder a eles acessível, i.e., o controle do partido.
        Por tais circunstâncias, Marina Silva quedou-se sem legenda em boa parte do primeiro mandato de Dilma. Ao contrário de certa imprensa, não semelha justo criticá-la pela contingente adversidade. Com a tenacidade e a discrição que a caracterizam, ela se pôs a coser uma nova aliança ambientalista, que não por acaso denomina de Rede Sustentabilidade. Se o título é longo, e mal se adapta aos usuais formulários – dentro de sufocante burocracia herdada dos colonizadores e ainda, por infortúnio, não superada -, o carisma da prócer fundadora inspira confiança – e, por conseguinte, receio e suspicácia – no meio político nacional.
         Marina enfrentou indene a embaraçosa vergonha nacional nessa terceiro-mundista superlotação de partidos. O ultraliberalismo, essa cultura desordenada e desatinada do direito das minorias e dos grêmios nanicos, que é a dúbia dádiva não da Constituição Cidadã, mas da então maioria do Supremo Tribunal Federal, que a interpreta com o cúmulo do exagero ao ponto de cortejar o ridículo (V., entre outros, a explosão da sopa dos partidos, um acinte à inteligência e ao bom senso, e a esquizofrênica tese da presunção de inocência, que assegura ultrajante liberdade até a assassinos confessos, desde que tenham bons advogados a conduzi-los até a distante última instância).
        Decerto pela qualidade da proposta, malgrado a selva de siglas de aluguel, o seu propósito pronto colheu o respeito que se atribui à sua personalidade. E a situação, muito provavelmente temerosa de sua mensagem, lhe concedeu aquela que é na política a maior honra, i.e., a tentativa parlamentar de casuisticamente sufocá-la, valendo-se dos pretextos já empregados por Armando Falcão, então a serviço da ditadura militar.
        Por sua vez, a imprensa sói conviver mal com o favor atribuído a outrem, máxime quando tal distinção se assinala pela espontaneidade e merecimento.
          Tenho lido referências do  conceito desfrutado por Marina Silva em meio aos jovens que sacudiram o Brasil do letargo do prevalente regime neopopulista. Quase ouço ranger de dentes quando deixam escapar o isolado respeito que Marina recebeu do movimento do passe livre.
          Em deserto de autênticas excelências, onde os pântanos e os atoleiros parecem terrenos mais consentâneos para as criaturas que não trepidam em apertar a mão do corrupto se traz promessa de apoio certo em eleição incerta, ela surge com o seu traje de honesta modéstia e seriedade. Não são andrajos que a fazem partir nas pesquisas do patamar de 20% das intenções de voto.
          Provocará, assim, estranheza, assombro e até desconforto. Mais uma razão para prosseguir na caminhada.

 

 
(Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )     

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