domingo, 21 de julho de 2013

Colcha de Retalhos A 26

                             
O Indiciamento de al-Bashir pelo T.P.I.

 
      Como um perseguido pelas Erínias da mitologia helênica, o general Omar al-Bashir, presidente do Sudão,  é um homem marcado. As suas viagens para o exterior têm de ser programadas por critérios ainda mais estritos do que os aplicados aos demais chefes de estado.  Com efeito, desde o seu indiciamento pelo Tribunal Penal Internacional, na Haia, por intermédio do promotor argentino Luis Moreno Ocampo, em 2009, por genocídio e crimes contra a Humanidade no Darfur, o ditador al-Bashir carece de tomar muito cuidado com os seus eventuais deslocamentos no exterior.
      A exemplo do caçador que persegue com afinco e paciência um animal perigoso e esquivo, e para tanto coloca armadilhas na floresta, o general-presidente do Sudão deve sopesar com muita atenção as viagens fora dos limites de seu país. Se cair por descuido em terra que reconheça a autoridade do TPI, corre o risco real de cair nas malhas da Haia, e para lá ser sumariamente extraditado.
     Mais uma vez, as Erínias do TPI quase o apanham, como acaba de ocorrer em Abuja, capital da Nigéria. Pensando representar Kartum em conferência da União Africana, Sua Excelência teve de partir às carreiras, por ameaçado que estava por ações de ativistas de direitos humanos junto a Alta Corte Federal, que instavam o tribunal de determinar-lhe a prisão e imediata extradição para o Tribunal da Haia.
     Embora a União Africana tenha ilegalmente comunicado a seus 53 estados-membros para desconhecerem as injunções do TPI, a Nigéria está a ele sujeita. Nesse sentido, o TPI determinou a imediata detenção do general Bashir, acrescentando, por oportuno, que poderia sinalizar ao Conselho de Segurança das Nações Unidas a sua falta na execução de determinação do TPI, do qual é membro.
     Por tais razões,  o  indiciado presidente do Sudão teve de encurtar sua estada em solo nigeriano, partindo às carreiras de Abuja, menos de 24 horas depois da chegada, e portanto em meio à conferência de dois dias da União Africana.
     Seria de maior interesse para o respeito dos direitos humanos e para a punição de seus violadores – de que é suspeito o ditador de Kartum – que a jurisdição do TPI fosse implementada com mais seriedade e eficácia.  Para tal situação, em que os indiciamentos do TPI não são muita vez obedecidos, David Scheffer – que foi o principal negociador estadunidense para a criação dos Tribunais Penais Internacionais – nos esclarece ser Washington o principal responsável pela falta de apoio jurisdicional de que carece o TPI e demais instâncias internacionais do gênero.
     No seu livro “All the Missing Souls” (Todas as Almas que faltam), Scheffer, a que já me referi neste blog, nos descreve o contraditório procedimento da superpotência, a um tempo impulsionando, por via multilateral, a criação da justiça internacional, e por outro, cuidando, com paranóica preocupação, de tecer teia de acordos bilaterais, com os países membros, para inviabilizar qualquer jurisdição do TPI sobre nacionais americanos
        A perplexidade de Scheffer é mais do que compreensível. Por um lado, o State Department e as demais agências americanas se moviam para criar uma teia de responsabilidade internacional dos infratores contra os direitos humanos, e por outro, motivados por preocupações nacionais, tratavam de inviabilizar a validade da norma internacional para os nacionais americanos (soldados, agentes, etc.), com o que debilitam a eficácia da maquinaria do tribunal, para o eventual ajuizamento dos indiciados.
        Em consequência, o TPI tem um número bastante restrito de réus trazidos a juízo. Para outros, funciona como uma espécie de incômodo, que pode aborrecê-los e até atrapalhá-los. Assim, o pobre Henry Kissinger dificilmente conseguirá assistir às partidas de futebol que desejaria; e o general al-Bashir, com todos os seus mais vinte anos de poder, não pode, coitado, viajar com a tranquilidade que desejaria.
         Será que algum dia – e com a participação do Brasil – teremos um Tribunal Penal Internacional  que realmente faça tremer os tiranos desta Terra ?

 
 A chegada do Papa Francisco e a ‘crise’ do catolicismo no Brasil  


          Pelo visto as boas novas têm de ser temperadas pela mídia com a água fria das más notícias. A estranha coincidência das reportagens sobre a queda percentual da religião católica no Brasil, alardeada ao ensejo da iminente vinda do Papa Francisco, será um vezo do jornalismo, que não é muito chegado às boas notícias, ou há algo mais no capítulo ?
          Tomemos de início a visita do Papa Francisco. Só um cego – ou um surdo – se animará a negar o benéfico efeito da chegada do cardeal argentino  Jorge Mario Bergoglio ao trono de Pedro. Depois da pasmaceira do papado de Bento XVI, que chegou a renunciar por sentir-se avassalado pela crise na Igreja e em especial na Cúria Romana, mais uma vez o colégio cardinalício atuou sob a direção do Espírito Santo.
           Não tardaram os benefícios trazidos por esse sangue novo ao Sólio Pontifício. Como de há muito – e Papa Giovanni semelha o único distante exemplo – nenhum Pontífice tem tido tão marcante presença e trajetória quanto o Papa Francisco. Não tardaram a calar-se as aleivosias ressentidas vindas de uns poucos de sua terra, e a assomar a própria personalidade que dispensa as regalias do Papa-rei, e se aproxima do respectivo rebanho de fiéis, que não é só romano, mas mundial. Se há riscos nesse mundo presente – e os atentados contra Paulo VI e João Paulo II são prova disto – compreende-se a atitude corajosa do bom Pastor. O Papa não pode refugiar-se em torres de marfim e nos palácios vaticanos. Bem haja o Santo Padre em descer à planície, como é seu hábito, para que maior venha a ser a sua influência, sob a benção de Nossa Senhora e dos Santos da Igreja, como o grande São Francisco, de sua particular devoção, e o novo Santo João XXIII. As freirinhas não mais carecem de retirar de sua tumba na cripta vaticana as flores aí depositadas pelo culto popular, que jamais será enganado ou detido.
           Salta aos olhos a benéfica influência que tem e continuará a ter o Papa Francisco sobre o catolicismo no Brasil. As aves de mau agouro – como em telejornal da Rede Globo , com um estudo sobre o avanço dos evangélicos e o recuo do catolicismo no Brasil, e, vejam que estranha coincidência !, a pesquisa encomendada pela Folha ao Datafolha para desvelar a suposta crise no catolicismo brasileiro.
         Desta questão da entrada em cena dos evangélicos me ocupo não de hoje, mas do tempo em que eram descritos como o ingresso das seitas em nosso país (além de muitos outros, como na América Central). Nesse sentido, o tema foi objeto de muita atenção dos órgãos vaticanos e de prelados, como o Cardeal Obando y Bravo, da Nicarágua. Não há duvida de que a vinda do credo evangélico se deve a um movimento concertado, oriundo do Norte, em uma ação contra a Igreja Católica, que crescera junto com as nacionalidades da América do Sul e Central, e portanto estreitamente integrada no ethos e no sentir latino-americano.
         A vinda do credo evangélico para a América Latina não aconteceu por acaso, e correspondeu a movimentos estimulados pelos evangélicos norte-americanos, com possível apoio governamental (especialmente, no governo de Ronald Reagan).
         Não anima aos católicos no Brasil uma postura adversarial contra as religiões evangélicas, mas com Papa Francisco, e dentro do espírito ecumênico, se deve reverter a tendência negativa da hierarquia dos períodos de Papa Wojtyla e Papa Ratzinger de não estimular os movimentos carismáticos e progressistas do credo católico, e ao contrário privilegiar outros, de cunho elitista e até retrógrado, como a Opus Dei.
         Devemos voltar a atuar de forma pró-ativa junto às comunidades carentes, dentro do espírito de Dom Helder Câmara, com as comunidades eclesiais de base. O desavisado combate realizado por Dom José  Cardoso Sobrinho, com o escopo de destruir a obra de Helder Câmara foi um triste episódio que se insere no chamado Inverno na Igreja, na lapidar expressão do teólogo do Concílio, Karl Rahner S.J. Esta página, que espero já tenha sido virada, deve levar a novos tempos, com a volta da hierarquia e dos órgãos eclesiais auxiliares para os bairros populares.
        A Igreja Católica é de todos, mas sobretudo dos pobres e carentes, e dessa circunstância ela só pode esquecer-se com grave detrimento seu.
        Vamos saudar a vinda de Papa Francisco para a Jornada Mundial da Juventude como um grande evento que pretende desdobrar-se no tempo, e não ser apenas uma comemoração para marcar uma visita, por mais oportuna e benfazeja que ela se nos apresente.
         Não será através do recuo no trabalho comunitário – como se viu na valorização de movimentos elitistas, em prejuízo de maior participação junto ao povo – que se dará a volta de página na progressão da Igreja de Cristo.
        Fundada nos precedentes da atuação de Papa Francisco, a sua presença entre nós será  um estímulo para uma grande mudança na Igreja Católica, que abraçará uma vez mais a sua vocação popular e carismática.    
        Que o êxito da Jornada Mundial da Juventude marque mais um elo no avanço desse pontificado para históricas conquistas na afirmação e consolidação da fé.

 

 

( Fontes: International Herald Tribune, Folha de S. Paulo, Rede Globo, Annuario Pontificio 1988 )

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