Notas sobre Dilma e o Concílio

                        

    Comitiva de Dilma em Roma

             Os séquitos presidenciais costumam ser grandes e, em geral, não têm muita correlação com o prazo da viagem. Assim, as informações obtidas pela Folha de que a visita protocolar de Dilma Rousseff ao Papa Francisco, ao ensejo de sua entronização, ‘envolveu o aluguel de 52 quartos de hotel e 17 veículos’.

             A minha experiência no capítulo me mostrou outro particular das visitas de altas autoridades. Delegações de países do Terceiro Mundo, encabeçadas por presidente ou primeiro-ministro se alojavam em hotéis de cinco estrelas, e a sua conta de despesas parecia ordenar-se por supostos padrões de primeiro mundo.
             O mais engraçado é que, com exceção dos mais importantes, havia muitos países com esta classificação que se enquadravam em padrão bastante modesto e discreto.
             Em fim de contas, o que mais chocava era o desperdício dos que tinham pouco, e a parcimônia dos abastados.

      Ainda sobre a Estada Romana

       Como a Santa Sé é um mini-estado, incrustado na colina vaticana, o Papa que antes residia no Palácio do Quirinal (hoje moradia do Presidente italiano) dispõe, em virtude dos Acordos de Latrão, celebrados em 1929, apenas de uma fração do seu domínio temporal antes de 1870.

       De qualquer forma, o território pontifício que ocupava boa parcela da bota italiana, se viu limitado desde então, na prática, aos terrenos circundados pelos muros leoninos. Por isso, os chefes de estado e de governo que visitam o Sumo Pontífice  têm de ficar hospedados na cidade de Roma, capital do estado leigo italiano.
       Segundo consta, a Presidente Dilma preferiu não alojar-se na residência da Embaixada – que fica no chamado Palazzo Caetani, na via delle  Boteghe Oscure. A explicação é que, no momento, não há embaixador, sendo a missão dirigida por um encarregado de negócios.
       Trata-se de desculpa, eis que a residência se acha à disposição da Chefe de Estado, e a obrigação do substituto do Embaixador – que é denominado Encarregado de Negócios, não importa qual seja a sua hierarquia – é a de receber condignamente a Presidenta.
        O mais provável, portanto, será que Sua Excelência  tem alguma implicância com embaixadas, e se sente mais à vontade em grandes hotéis.
         Quem tudo pode, tem o direito de escolher aonde queira ficar. Deveria, sem embargo, servir-se das dependências da Missão para hospedar-se, eis que para tanto o Estado brasileiro despende somas relevantes, justamente para atender à representação da República Federativa do Brasil. E haverá autoridade mais alta para esse republicano alojamento do que a da Presidente da República ?

 

O Concílio Vaticano II é um mito ? 

         A Folha de S. Paulo, em página dedicada em boa parte ao Papa Francisco, acolhe  coluna de Mateus Soares de Azevedo, mestre em História das Religiões pela USP, com o provocativo título  ‘Papa terá de enfrentar mito do Vaticano 2º’.

         Peço vênia para discordar. O Concílio convocado por João XXIII – em cujo pontificado se realizou a sua primeira sessão -  seria concluído por Paulo VI.
        No famoso discurso de onze de outubro de 1962, o Papa expressou o gáudio da Igreja na solene abertura conciliar e relembrou suas palavras a 25 de janeiro de 1959, na Basílica de São Paulo fuori le mura, quando por primeira vez pronunciou a proposta da dúplice celebração de um Sínodo diocesano e de um Concílio Ecumênico.
        O papa do Concílio não viveria para concluí-lo. Concluiria o primeiro período conciliar a oito de dezembro. A três de junho de 1963, a sua morte pontifical deixaria em suspenso a obra da conclusão que seria levada a termo por Paulo VI, em mais três períodos (29.IX.1963; 4.XII.1963; 14.IX.1964). No solene encerramento conciliar, também em oito de dezembro, no ano de 1965, as palavras de Papa Montini, a que se seguem as mensagens conciliares aos governantes, aos intelectuais e cientistas, às mulheres, aos trabalhadores, aos pobres, enfermos e a todos os que sofrem, e aos jovens.
      O Enchiridion Vaticanum publica em seguida as constituições conciliares: sobre a sagrada Liturgia; Decreto sobre os Meios de Comunicação Social; Constituição Dogmática sobre a Igreja (Lumen Gentium); Decreto sobre as Igrejas Católicas Orientais; Decreto sobre o Ecumenismo; Decreto sobre o ofício pastoral dos Bispos na Igreja; Decreto sobre a renovação da Vida Religiosa; Decreto sobre a Formação Sacerdotal; Declaração sobre a Educação Cristã; Declaração sobre as Relações da Igreja com as religiões não-cristã; Constituição Dogmática sobre a Divina Revelação; Decreto sobre o Apostolado dos Leigos; Declaração sobre a Liberdade Religiosa; Decreto sobre a Atividade Missionária da Igreja; Decreto sobre o Ministério e a Vida Sacerdotal;e Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo (Gaudium et Spes).
      Com o Concílio Vaticano II se cumpriu a promessa joanina de abrir as janelas do Vaticano para o mundo moderno. A visão de Papa Roncalli foi complementada e integrada pelo laborioso auxílio de seu sucessor, a quem incumbiu divulgar ao mundo a mensagem do Concílio. 
      Dentre os teólogos que se distinguiram nessa assembleia, cabe assinalar notadamente a Karl Rahner S.J.
      Infelizmente, a obra conciliar, e notadamente a sua atmosfera de abertura e diálogo, com a publicação da Humanae Vitae pelo Papa Paulo VI anotaria um dos primeiros escolhos no caminho aberto pelo Concílio.
      Com o Papa João Paulo II – eis que João Paulo I, o papa do sorriso, constituiu apenas uma promessa – a Igreja adentraria em um compasso conservador, tão característico da igreja polonesa. Nesse sentido, o teólogo do Concílio, Karl Rahner cunharia a expressão o inverno da Igreja.
      No entanto, a mensagem do Papa  Buono, João XXIII, e de Paulo VI, nos primeiros anos de seu pontificado, permanece. É por isso que o Concílio Vaticano II não é um mito. Além de suas inúmeras realizações e conquistas, a própria surpreendente eleição de Papa Francisco constitui um fanal de esperança na fé, com toda a obra de renovação e de abertura que o novo papa latino-americano se propõe trazer para a Igreja.
      Estamos nos primeiros dias de o que pode transformar-se em um grande pontificado, sob a égide do Beato João XXIII. Em muitos aspectos, os propósitos e palavras de Papa Bergoglio nos evocam e relembram os seus grandes antecessores, Papa Roncalli e Papa Luciani, com a sua afabilidade e abertura para as gentes, e, em especial,  aos mais humildes.
     Por isso não me atreveria a qualificar de mito a obra do Concílio Vaticano II.  

 

  (Fontes: Folha de S. Paulo; Enchiridion Vaticanum)