domingo, 31 de março de 2013

Colcha de Retalhos A 13

                         

 Primeiro Lava-pés de Papa Francisco

        Duas inovações importantes no lava-pés da Quinta-feira Santa de Papa Francisco. Ao invés de realizar a cerimônia em basílica romana, o Santo Padre  celebrou a última ceia de Cristo e os apóstolos no cárcere para menores de Casal de Marmo. Em atenção ao público de cinquenta detentos, a cerimônia não foi televisada ao vivo.
        Dentro da tradição, em que se selecionam pessoas humildes ou em dificuldade,    foram escolhidos menores infratores daquele cárcere romano, em  representação dos doze apóstolos.
        O toque do novo papa se refletiu em muitas formas. Francisco fez questão de sublinhar que se trata tanto de símbolo quanto de gesto : ‘ Lavar os pés quer dizer que estou a seu serviço.’ Com a seleção de muçulmanos e de mulheres, outras inovações de não pequena monta foram introduzidas.
        Com efeito, e por primeira vez, o pontífice incluiu pessoas de outra religião, em gesto de inegável sentido ecumênico. Já vai longe o estudo de Bento XVI sobre um imperador do ocaso do Império Bizantino, em que este fazia pesada carga contra o Islã, que adentrara a Anatólia e se acercava das muralhas da antiga capital do império romano do oriente. A disquisição de Papa Ratzinger criaria problemas com o mundo islâmico.
        A par disso, e parcialmente ainda no contexto ecumênico, semelha igualmente relevante a simbólica inserção de duas adolescentes entre os infratores cujos pés Papa Francisco lavou na quinta-feira santa.  Foram duas jovens, uma católica e outra muçulmana.
        A singularização da mulher tampouco é fenômeno comum nas cerimônias vaticanas presididas pelo Sumo Pontífice. João Paulo I, na fugaz memória de seus trinta e três dias, fizera célebre menção ao lado feminino da divindade, o que então provocara muitas dúvidas e ilações, a que o longo inverno subsequente cuidaria de silenciar.
        Marco Politi, vaticanista de nomeada, considera Francisco “um papa incômodo”. E aduz: ‘Por enquanto no Vaticano, ele é visto com apreço, mas se continuar se comportando como um “bispo pobre” vai começar a irritar a prelados mais conservadores.’
        Há dois outros aspectos que me parecem oportuno sublinhar. Crescem  os pontos de contato de Papa Francisco e seu antecessor beato João XXIII. O novo também surgiu na inesperada visita de Papa Roncalli à  Prisão de Regina Coeli. Depois do hierático antecessor Pio XII, a ida do novo Papa à cadeia romana punha ênfase no seu papel de Pastor.
        Por outro lado, o caráter singelo de Papa Francisco, com sua preferência pelas coisas comuns – enjeita o Palácio Pontifício pelos aposentos na Casa de Santa Marta, e a cruz que leva no peito está de acordo com a pobreza de São Francisco. Nesse contexto, não pode deixar de ser recordada a figura carismática de D. Helder Câmara, com a sua cruz de madeira e o seu abandono dos palácios pelas residências de um pastor que quer estar mais próximo de seu rebanho. D. Helder Câmara é um modelo e sob muitos aspectos um predecessor.

 
A  Missa  Pascal  de  Papa  Francisco

          Em uma praça São Pedro lotada de fiéis, Papa Francisco oficiou a sua primeira missa pascal como Pontífice, com as alvas vestes sacerdotais que têm caracterizado a sua nova missão.
          O enorme logradouro estava lotado de gente, vinda de vários lugares e continentes. Sem qualquer proteção, na tradicional mensagem urbi et orbi, Francisco formulou votos de paz e reconciliação, com especial atenção para regiões e países, em que o dissenso, o litígio e o aberto conflito persistem.
           Reportou-se, assim, ao Oriente Médio, assolado pela desinteligência entre israelitas e palestinos, pediu pela volta da Paz à Síria, assim como na África, pela harmonia no Mali e na República Centro-Africana.
           Por fim, pediu para que a paz e a compreensão mútua voltem à península da Coréia, que ultimamente tem assistido a uma inquietante turbação na anterior atmosfera de convivência.

 
O arrocho na Rússia de Putin

         O renome e a popularidade dos opositores do Presidente Vladimir V. Putin em geral não lhes pressagiam monótona existência. O que os regimes autoritários mais temem é o crescimento de um adversário no conceito da opinião pública.
         Se o favor e o respeito dispensados a esse opositor aumenta desmedidamente, haverá razão de sobejo para que breve reponte algum estranho processo que vise a neutralizar a suposta ameaça.
         O blogueiro Aleksei A. Navalny  se tornara a face emblemática dos protestos anti-governamentais de 2011.  O regime autoritário do ex-KGB Vladimir Putin convive dificilmente com personalidades de muito prestígio. A sua participação nas manifestações de 2011 já o singularizava para a cínica perseguição que os asseclas do governo dispensam àqueles que não só ousem afrontar o ditador, senão e sobretudo se tem carisma e recolhem o respeito do povo.
          Não há limite de absurdo e ridículo na faina dos prepostos oficiais de inventarem processos contra aqueles com têmpera e coragem de arrostar Putin, o atual senhor de todas as rússias. A causa da ação é de um suposto desfalque de 500 mil dólares de uma madeireira da governança de Kirov. Certamente essa causa encontrará  juiz similar àquele que, por ordens do Kremlin, duplicou a pena do desafeto de Putin, o ex-proprietário da Petrolífera Yukos Mikhail Khodorkovsky, e que aguentara calado a maldição da mãe do perseguido.
          Na verdade, desde o tempo dos tzares, a repressão não conhece limites, nem mesmo os do ridículo. No século XIX, Dostoievski nos legou ‘Recordações da Casa dos Mortos’, a memória de sua prisão por quatro anos em alguma masmorra siberiana. No século XX, muitos agradeceram aos céus a benesse de ser jogado em algum cárcere, dados os precedentes do psicopata Jozef Stalin (1879-1953). No atual, é com perplexidade que se depara a desfaçatez com que regime sem outra ideologia que a da venialidade dispõe da sorte daqueles que, para o seu nome e fama, se atrevam a enfrenta-lo.
         Embora o próprio animoso idealismo os faça repontar entre os anões do cotidiano, Aleksei Navalny corre o sério risco de ou apodrecer nos cárceres de gospodin Putin, ou de cair por força de algum imprevisto ou acidente.
         A crônica recente não nos dá motivos para otimismo. A jornalista investigativa Anna Politkovskaya (1958-2006) pagou muito caro as balas do sicário que a abateram no saguão de seu modesto prédio de residência. Sergei Magnitsky morreu em esquálida prisão, por negação absoluta de qualquer atendimento médico, e por haver denunciado o furto sistemático de funcionários russos. Por haver recebido post-mortem nos Estados Unidos a distinção de designar legislação sobre direitos humanos, o Estado de Putin resolveu ‘homenageá-lo’ com a sua transformação em réu depois de morto.   Khodorkovsky já está na segunda prorrogação de uma iniqua condenação.  
         Ser-me-ia prazerosa a oportunidade de saudar a A. Navalny por uma absolvição. Mas a Federação Russa sob Vladimir Putin não sói reservar tal prêmio a  opositores, sobretudo se corajosos e agraciados com o favor popular. Para a dócil mídia ele já tem o destino prefigurado ao ser ominosamente carimbado de dissidente, com a agravante de popularidade que chega a fazer sombra à do Senhor de todas as Rússias.

 
Coréia do Norte: ameaça ou patacoada ?

         As ameaças da Coréia do Norte, sob o novel dinasta comunista Kim-Jong-un, deveriam ser levadas a sério?
         A Coréia do Sul, forçada a compartilhar a península por um cruel capricho da Segunda Guerra Mundial, se viu diante de inusitada situação, que seria farsesca se não fosse alimentada por nação pobre, com população subnutrida, mas dispondo de armamento nuclear e de uns tantos rudimentares mísseis.
         Há algum tempo o Brasil, por um capricho do então Ministro das Relações Exteriores, houvera por bem mandar um embaixador para as largas e desérticas (de viaturas) avenidas de PyongYang. Se o proveito é discutível – tudo era feito para engordar a mítica votação da Assembléia Geral das Nações Unidas para a miragem de nosso assento permanente no Conselho de Segurança - e  da evolução nâo mais se ouviu falar, restam, todavia, poucas dúvidas que com a resistência burocrática (fenômeno que contraria até mesmo a razão) a missão  com o auri-verde pendão lá continua, nos gelados páramos, ad aeternitatem.  
          No mundo presente, a Coréia do Norte, no congresso das nações, semelha um resquício de antanho. Relembra, talvez, aquele parente que as grandes famílias no passado mantinham trancafiado em esquerdos aposentos, enfurnados em alas inacessíveis de suas residências. Cada sua aparição implicava em transtorno e em inúteis tensões, que a benigna crueldade dos maiores preferia relegar ou ao olvido, ou às hipócritas alusões de uma pouco crível melhoria.
          O irracionalismo do novo líder norte-coreano é visto com inquietação, tanto pela sua protetora RPC, quanto pelo Kremlin, nas palavras do Ministro Sergei Lavrov: ‘a situação pode escapar  do controle e cair na espiral de um círculo vicioso’.
           Os Estados Unidos se declarou ‘plenamente capacitado a se defender e a seus aliados’. A ordem do ditador Kim, transmitida às unidades missilísticas e de artilharia, para que observassem o ‘mais alto alerta’, prontos para golpear os Estados Unidos e a Coréia do Sul em retaliação contra os seus exercícios militares conjuntos.
           O porta-voz do Ministério da Defesa da Coréia do Sul referiu a propósito que as autoridades de inteligência americanas e coreanas têm dado particular atenção à movimentação estradeira dos mísseis norte-coreanos.
           O velho Scud já nosso conhecido dos tempos de Saddam Hussein, tem curto alcance, enquanto o Rodong é um míssil de  média-distância. Já o Musudam, exibido por primeira vez em 2010, é um míssil balístico de alcance intermediário (1900 milhas ou três mil km.  Por fim, os novos foguetes KN-08 são, na verdade ICBM  (mísseis balísticos inter-continentais). Sem embargo, a Coréia do Norte ainda não os testou, e, quem sabe, essa crise fabricada poderia constituir o pretexto para experimentá-los.

 

( Fontes: La Repubblica, Annuario Pontificio, International Herald Tribune )

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