domingo, 3 de março de 2013

Colcha de Retalhos A 9

                                         

 A Crise na Casa Real Espanhola
   

    A antiga popularidade e respeito devido pela nação espanhola ao Rei João Carlos I, se nos é permitida mais uma citação de Carlos Drummond de Andrade, há de parecer nos dias que correm apenas um retrato na parede.
        Se tal lembrança há de doer ao soberano de Bourbon, pensando bem, ele não terá senão a si próprio que inculpar. A esse propósito, a viagem a Botsuana pela sua falta de sentido crítico – e de respeito aos tempos difíceis que enfrentam os seus súditos –foi o erro principal, que serviu para catalisar uma nova situação.
        No século XX  , década de trinta, um antepassado seu, da casa de Bourbon, Alfonso XIII  foi forçado a exilar-se – jamais abdicou formalmente – por força da rejeição contra a monarquia, acirrada pela renúncia do ditador Primo de Rivera, e a ulterior proclamação da República a catorze de abril de 1931.
       Com a ditadura do general Francisco Franco, a Espanha atravessou uma longa noite (1939-1975). Formalmente, regente do Reino de Espanha, pensou assegurar a continuação do regime através da elevação de Juan Carlos ao trono. Para tanto, acertou com o pai, Juan de Bourbon,  herdeiro presuntivo à coroa, a transferência do filho para a Espanha e a longa preparação para sucedê-lo.
       Havia, a princípio, muito ceticismo quanto à durabilidade do reinado de Juan Carlos, cujo apelido em certas rodas era de Juanito el Breve. O assassínio do então Primeiro Ministro, Almirante Carrero Blanco, pelo ETA, a 20 de dezembro de 1973, terá contribuído para mudar o quadro político, dada a força de que dispunha Carrero Blanco. 
       Juan Carlos I granjeou o respeito do estamento político e dos principais partidos, pela sua participação determinante nos albores do novo regime, assegurando pela própria intervenção a consolidação da democracia.
       No entanto, a viagem a Botsuana, a par de evidenciar abismal falta de critério político,  marcaria o início de um processo na opinião pública que está longe de ter a página virada. Estarrece, a princípio, que, em pleno século XXI, Juan Carlos gaste soma considerável – em meio à crise da economia espanhola – para transladar-se a uma anacrônica e altamente reprovável caçada a elefantes. O castigo que sofreu – que o forçou a mais uma operação cirúrgica – não o ajudou a recuperar-se perante a opinião pública,sobretudo pela companhia da bela e dileta amiga, a princesa Corinna zu Sayn  Wittgenstein.
      Tampouco o pedido de desculpas à nação espanhola terá revertido a queda na popularidade do Rei de Espanha.
       Os males contra a Casa Real não se cingem a isto. O antes plebeu Iñaki Urdagarin, hoje genro do Rei (por casar com a Infanta Cristina virou Duque de Palma), vem enfrentando um processo judicial por supostas fraudes e irregularidades em uma fundação por ele dirigida. O atual duque, em depoimento ao juiz responsável, inocenta o monarca de qualquer participação nas contestadas movimentações de fundos.
       Por outro lado, a Rainha Sofia compareceu a culto de Jesus Cristo, a que não ia desde 2006. Um popular, informado da presença da rainha, comentou: ‘Pobre! Pelo que está acontecendo com a Casa Real, ela tem mesmo muito que rezar’.             
       No cenário político, a despeito do apoio prestado ao Rei pelos principais partidos – o Partido Popular (PP) e o Partido Socialista (PSOE) – há manifestações contrastantes. Assim, o líder socialista catalão Pere Navarro pediu a 20 de janeiro a abdicação de Juan Carlos. Já Carme Chacón, ex-Ministra, declarou ‘entender’ a Pere Navarro, quando fala da abdicação do Rei, mas não a comparte. Tal apoio, no entanto, semelha assaz dúbio, eis que complementa: “A coroa não está apresentando espetáculo edificante. Ela será transparente ou será difícil que continue.”
       Juan Carlos I submeteu-se ontem, dois de março, a mais outra operação cirúrgica (esta foi de hérnia discal). Durou três horas e segundo asseguram os médicos, teve pleno êxito. São doze, pelo menos, as principais intervenções a que se submeteu, muitas delas provocadas por atividades desportivas (ski, squash, caça em Botsuana).
 

A Guerra Civil Síria

         O  Exército Livre da Síria, que ora se empenha em um ataque contra a Academia de engenharia militar, está sob a direção do general Salim Idris (que abandonou as fileiras do exército de Assad em julho de 2012).  Idris , como o restante das forças rebeldes, não dispõe de armamento pesado e sabe da dificuldade de assenhorear-se de certos locais, dada a sua blindagem, destinada a resistir ataques do Tsahal de Israel.
         Os Estados Unidos se tem negado a fornecer esse tipo de armamento, tendo presente as possibilidades de que vá acabar em mãos dos jihadistas da al-Qaida, e outras forças extremistas. Essa posição é precipuamente da Casa Branca e de Barack Obama, como já se verificou, eis que a entrega de armamento pesado tinha sido recomendada, ao final do primeiro mandato, pelas principais autoridades responsáveis.
         Essa deficiência no equipamento do exército rebelde tem contribuído para prolongar o conflito, eis que os opositores de Bashar al-Assad – este, de resto, muito bem armado por Putin e o Irã dos ayatollahs – muita vez enfrentam obstáculos maiores por não terem o poderio de fogo indispensável.
         É o que está ocorrendo em Aleppo, a segunda cidade do país, no prolongado combate para assenhorear-ser dos principais núcleos de resistência das forças alauítas. Se,por vezes, remessas procedentes da Croácia, financiadas pela Arábia Saudita, colocaram armas de maior calibre e potência nas mãos dos rebeldes, tais fornecimentos ainda são raros.
         O domínio de Assad sobre a Síria não vai além de cinquenta por cento do território. A derrocada, contudo, de um regime que dispõe de um fluxo armamentista substancial – tanto a Rússia, quanto o Irã proverão Bashar das armas para resistência, enquanto este tiver condições militares para prosseguir. Teerã continuará a apoiar a ditadura alauíta enquanto tal for possível, pelo perda estratégica que sofreria com a queda do aliado (o que também afetaria as perspectivas de manutenção futura do Hezbollah no Líbano).
          Diante de o que está em jogo, é difícil entender a hesitação da Administração Obama em recusar ao Exército Rebelde da Síria os meios indispensáveis para ultimar a derrota de Bashar.  Será que apressar o fim do conflito não constitui um objetivo militar prioritário, seja para abreviar a guerra civil (e do número de baixas), seja de trabalhar para que os efeitos colaterais da revolução síria não continuem a pesar sobre os países vizinhos?

 

Democracia -  a  importância do testemunho

 
            Em O Globo de 27 de fevereiro, Zuenir Ventura nos recorda das mortes de Stuart Angel e de sua mãe, Zuzu Angel.
            Em dias difíceis – “naqueles tempos, todo cuidado era pouco  nos recorda Zuenir, houve gente que procurou difundir a notícia do sacríficio da mãe pelo filho.
            Depois de ter sido informada da brutal e covarde morte de Stuart“amarrado a um jipe, com a boca presa ao cano de descarga, passou a ser arrastado até que, com o corpo esfolado, morreu envenenado pelos gases tóxicos do carro”.  Isto, é bom que se frise, não ocorreu em um galpão interiorano, mas na Base Aérea do Galeão.
            Sua mãe, que não descansaria da faina da busca do corpo do filho e de informar personalidades do sucedido, por vezes pareceria cultivar a ironia (mesmo sem sabe-lo). Como qualificar a sua entrega ao Secretário de Estado Henry Kissinger, com as suas notórias preferências pelas ditaduras do Cone Sul, do dossiê elaborado pela mãe-coragem ?
            Zuzu Angel, depois de protagonizar o desfile-denúncia em pleno serviço comercial em New York (roupas estampadas com manchas vermelhas, pássaros engaiolados e motivos bélicos) seria ignobilmente assassinada em um acidente de carro, provocado pelos carrascos da ditadura. Ela não tinha dúvidas sobre o que a esperava: “se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho”.
 

 
( Fontes:  El Pais, International Herald Tribune, O Globo )      

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