quarta-feira, 31 de outubro de 2012

SANDY e Consciência Ambiental

     Pouco importa, em verdade, que Sandy seja  furacão ou  tempestade tropical.
     Nova York nunca havia arrostado um desastre similar em  passado que já é longo.
     Se não se pode quantificar o significado do sofrimento humano, quiçá a brusca irrupção de mãe-natureza na metrópole que é o símbolo da pujança de um próspero país possa afinal ajudar-nos a melhor entender o que é Sandy, esse desastre climático, burocraticamente designado na sequência alfabética. Ele, que não tem forma, nem semblante, parece em verdade, como epítome da surda, incompreensível destruição, trazer consigo as forças primevas de que se afugentavam nas cavernas da pré-história os nossos longinquos e esquecidos antepassados.
     Sem falar dos padecimentos do estado de New Jersey, tentemos deter-nos por um momento no dantesco quadro, nesse paradigmático símbolo da opulência do Ocidente, o que será no futuro, com as incessantes atualizações de regra, a memória de uma catástrofe. Hoje se anotam 22 mortes, 80 casas em Queens queimadas por incêndios, 6400 moradores levados para abrigos, 300 pacientes - inclusive dezenas de bebês prematuros - retirados às pressas de hospitais por falta de energia. A par disso, o metrô fechado até o fim desta semana, a falta geral de eletricidade (2,3 milhões de pessoas no estado de New York), com a infindável corrente de interrupções de serviços públicos como bombas de gasolina, supermercados e demais confortos da modernidade.
      Tampouco se deve olhar com as vistas cansadas da mídia de cada dia, a declaração do Prefeito de New York de que esta foi a mais grave tragédia natural que se abateu sobre a metrópole. Como se se desejasse frisar a relevância do desastre, o alagamento se estendeu ao marco zero, símbolo do magnicídio de onze de setembro de 2001.
       Por toda parte, a conjunção das águas marítimas e fluviais com a força bruta da enorme, mastodôntica tempestade, com  a cruel, mortífera pachorra das dimensões que vão muito além do poder e da empáfia dos homens, semelha comprazer-se em mostrar, aos ignorantes, aos tolos e aos presunçosos que existem forças capazes de escarnecer e tripudiar do engenho humano, ao ponto de dele se servirem para magnificar-lhe os efeitos e rasgar, com boçal risco, qualquer ilusão sobre segurança no domínio da natureza.
       Nunca tal comezinha verdade irrompeu com maior vigor do que nas explosões dos cabos e usinas da empresa que fornece energia para as fornalhas humanas de Nova York. Pela tevê, se sucediam os estrondos e os clarões, com a sua estranha, agressiva beleza que anuncia, para quem entender possa, longos apagões, com toda a xurumela de pequenas e grandes carências que, de imediato, alastrará através da metrópole e de seus bairros e suburbios.
      É uma lição, em verdade, singela, como toda a consequência de um fenômeno da Natureza.
      Sem embargo, o homem, por vários motivos, numa escala caprichosa em que atuam a inteligência, a soberba, a ignorância, a avidez e a má-fé, ou esquece depressa, ou se promete considerar mais adiante as lições, expressas com a eloquência sem palavras, das forças climáticas.
      Constitui um atributo humano de relevo a capacidade de superar os desastres, sejam pessoais, sejam coletivos.
      Não obstante, esse mergulho no rio do Letes, se dá a cada um meios de controlar os desafios tanto individuais, quanto comunais, não deveria servir para que se supere o problema eventual colocando simplesmente uma pedra em cima das imagens e dos efeitos sofridos.
      Na realidade, Sandy - como tantas outras catástrofes naturais - vem esfregar na consciência do povo e das autoridades envolvidas os perigos de uma atitude de desligamento quase total de o que significam as acrescidas incidência, repetição e violência desses fenômenos que muitos julgam poder compartimentalizar com frieza atuarial em humanóides como desvelam as listas de desastres naturais da entidade responsável.
     Como se sabe, o ambientalismo registra uma estranha categoria, aquela faixa de alegados cientistas que refutam a responsabilidade do homem no drama climático. Se são minoritários, não costuma faltar-lhes meios e apoio de círculos interessados, os quais pensam no aqui e agora, e se lixam para o futuro.
     O Ártico pode desfazer-se, com imagens eloquentes de ursos brancos em remanescentes de placas de gelo, as geleiras do Himalaia tampouco parecem colaborar com visão idílica dos alegres negadores, a Antártida se vai desnudando de gelo e pinguins, as nervosas Maldivas observam o avanço do nível do mar, e a temperatura média-global, diante da inação de muitos - há poucas exclusões neste clube - continua a alçar-se.
    No Brasil, os ambientalistas, se tem maioria na população (que não é burra) por caprichos legislativos são minoria diante da tropa ruralista. Estes pensam no presente e nas produtivas queimadas de matas ciliares (as inundações virão depois) e de enormes florestas convertidas em ricas plantações de soja e congêneres. Quando sobrevêm a savanização, as tempestades de poeira e as deficiências nos aquíferos, não será problema deles, mas de toda a comunidade. O egoismo da ganância cega e estúpida será sempre individual, mas não as consequências decorrentes dessa atitude, que os agentes cuidam de transferir para toda a comunidade.
    No drama do meio ambiente, o pior cego é aquele que não quer ver, ou admitir a mão humana na obra de devastação planetária.
    Nos Estados Unidos, por exemplo, as catástrofes naturais se sucedem. Os irmãos Koch, bilionários industriais do ramo dos combustíveis fósseis, se aferram, com o vigor de seus fundos ilimitados, na álacre negação de qualquer coisa que contribua para controlar a elevação da temperatura média planetária.
    Ainda hoje se dizem atos de Deus (acts of God), o que, traduzido em miúdos, não passa de consequência da irresponsabilidade humana.
    A fatídica conexão entre a elevação da temperatura média nada tem a ver com a presença de qualquer Deus, seja Júpiter, Jeová ou Alá.  Como não ignoram os verdadeiros crentes, tal figura não se ocupa dessas questões.
    Ignorando a conjunção entre as emissões de gás carbônico, o efeito estufa, e a alça progressiva no termômetro climático, a par de todas as outras desídias, pequenas e grandes que sinalizam esse triste caminho, se os governos, como o de Washington e o de Beijing, continuarem a tratarem de forma pós-factual os desastres de mãe-natureza, não carece de ser adivinho para desfiar cataclismas sempre mais graves e destrutivos, nos diversos rincões do planeta.
     Nos Estados Unidos, em breve a designação dos furacões e assemelhados terá de recorrer a outros critérios, porque o alfabético se mostrará ineficiente para cobrir anualmente o acúmulo de tais fenômenos.
     Por favor,  não me venham choramingar sobre  as circunstâncias sempre mais fortes e impiedosas de tais conjunturas climáticas. Elas são apenas a consequência da  monumental recusa, e consequente inação em encarar tais efeitos pelo que realmente representam.
     Sandy é, na verdade, apenas a face da incúria e do abandono com que é julgada a questão ambientalO Governo - seja o Executivo, seja o Legislativo - deixou a questão ambiental nas gavetas do atraso e da inércia. O povo americano ainda não reuniu a conscientização necessária para quebrar com essa paralisia.
     Em consequência, enquanto tal irresponsabilidade perdurar - e ela é, com poucas exceções, planetária - a única coisa que resta será aguardar pela vinda de outras calamidades cada vez mais fortes.

(Fonte:   O  Globo )

    

Nenhum comentário: