sábado, 20 de outubro de 2012

Dilma e a Inflação

      Como os meus leitores se terão dado conta, a filosofia de governo de Dilma Rousseff, no que tange ao controle da inflação, difere da administração do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Embora no segundo mandato de Lula, a política financeira não tenha sido tão estrita quanto à do primeiro mandato, notadamente por causa da saída de Antonio Palocci da Fazenda, e a assunção de Guido Mantega, a direção do Banco Central permaneceu aos cuidados de Henrique Meirelles.
      Apesar das notórias capitalizações do BNDES - a ´mágica´ introduzida por Mantega, para proporcionar recursos heterodoxos para os projetos do Presidente - o viés anti-inflacionário, com as metas respectivas, continuou a ser obedecido por um BC com uma certa autonomia.
      Com a assunção de Dilma, as coisas mudaram e muito. Meirelles foi afastado do Banco Central. Em verdade, a antiga autonomia nunca havia sido implementada em Pindorama nos moldes legais, como preconizado pelo exemplo de outros países, em que a autoridade financeira é autônoma (o exemplo clássico é o Federal Reserve Bank dos Estados Unidos).
       Isto posto, se a autonomia do B.C. tinha  limitações, eis que dependia de aprovação presidencial, dentro de certas coordenadas, ela era uma realidade, ainda que não absoluta como em outros países.
       Sob dona Dilma, as coisas mudaram e muito. A meta anti-inflacionária, estabelecida pela autoridade monetária, passou a ser uma aspiração e não uma condicionante. Por outro lado, o B.C. e notadamente o Copom ( Comitê de Política Monetária) se tornou, na prática, dependente do Palácio do Planalto.
       Nesse sentido, a Presidenta adotou uma orientação que, sob certos aspectos, semelha reminiscente da postura dos Primeiros Mandatários antes da introdução do Plano Real, com a sua exitosa estabilização monetária. Preocupada em facilitar o crédito, a Presidente Dilma manteve para o Copom uma marcha batida no sentido da redução da taxa Selic, que fornece a base para o estabelecimento das taxas de juros no mercado.
       Guardadas as aparências, as reuniões do Copom passaram a chancelar orientações já acertadas no paço, a ponto de que a presidenta tenha julgado oportuno puxar as orelhas de assessor direto seu. Considerando pro-forma as sinalizações do Copom - o que correspondia aos fatos, mas não às conveniências de D. Dilma - se chegara assim a sinalizar para a imprensa a nova taxa, antes que ela fosse formalmente votada pelos conselheiros.
      Com efeito, e trocada em miúdos, qual é a realidade financeira de Dilma Rousseff ? A par de um discurso enérgico, que promete combate decidido contra a inflação, aí está a política anti-inflacionária do governo atual. Por isso, ela nos recorda os bombásticos propósitos dos presidentes de turno contra o dragão da inflação. Ao invés da manutenção dos instrumentos anti-inflacionários, a começar pela meta, com a sua média, e as previsões minima e máxima, o que se experimenta ?
       A meta da inflação não é levada a serio, na medida em que não condiciona a aplicação eventual de  recursos para um efetivo controle. Assinale-se, v.g., que o Copom não está mais tão dócil quanto antes. A última baixa da taxa - saudada pelos palacianos como o menor nível de juros, se deduzida a inflação - teve votação contrária de três conselheiros. A inquietação é com o incremento da carestia, que agora aponta índice de alta de 5,56% em doze meses. No corrente ano de 2012, a inflação acumulada é de 4,49%. Esse claro viés inflacionário não deveria pressupor uma política de crédito mais fácil, o que parece querer combater a alça (e a crescente dança dos índices, outro fator que só tende a realimentar as fornalhas do dragão) não com a água dos bombeiros, mas com os combustíveis da abertura creditícia.
        Desfazer a obra do Plano Real - que foi estupidamente combatido pelo P.T. de então - não é um resultado de que qualquer governo, até mesmo o mais irresponsável e demagógico, queira assumir no futuro. Sem embargo, a Administração de D. Dilma e de seu ágil Ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem multiplicado mecanismos que alimentam aqueles velhos fornos de que tanto os governos tucano e petista se orgulharam de haver, senão apagado, pelo menos substancialmente contido.
        Além dos mecanismos heterodoxos reintroduzidos - e não me reporto apenas às famigeradas capitalizações que endividam o Tesouro, e aumentam a dívida pública - a contabilidade estatal (e basta ler a coluna de Miriam Leitão para disso dar-se conta) volta a conviver com artifícios que se acreditavam proscritos - a inflação tem sido uma presença constante no dílmico governo.
       Não é só a sopa amarga da pletora dos índices - este mecanismo de retro-alimentação da carestia de que outros países estão livres - mas também a dança anual do salário mínimo, que a demagogia petelha tem aumentado com talagadas de sal da cozinha das centrais sindicais, que na verdade representa uma maneira de quebrar as barreiras para a progressão da inflação.
      Enquanto as autoridades - com os juízes do Supremo à frente, na sua ânsia de atualizar o astronômico teto que estabelecem para os privilegiados da Administração Federal - se digladiam nessa luta anual e inglória, que cada vez mais recorda o banquete inflacionário de que todos sabemos quem são os perdedores, a sociedade vê inquieta o ressurgimento de um cenário em que não há ganhadores líquidos.
     É uma responsabilidade muito séria a de - seja por incompetência, seja por hubris - reestabelecer a falsa cultura da inflação em nosso país. Basta olhar em torno - a Argentina de Cristina Kirchner e a Venezuela de Hugo Chávez - para que se refresque a memória dos cúpidos e estúpidos que acreditam poder conviver com a sua nefasta companhia,  o que significa na realidade reatiçar a inflação.
    Na frase famosa, seria mais do que um crime, mas um enorme e fatídico erro trazê-la de volta.

( Fonte subsidiária:  O Globo )




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