terça-feira, 10 de abril de 2012

A Presidente do Brasil no Salão Oval

                          
       Na hierarquia da Casa Branca, não foi dado  formalmente à visita, pela Administração Obama, o grau mais elevado no seu cerimonial de dignitários estrangeiros, tradicionalmente simbolizado pelas visitas de estado com discursos no jardim de rosas.
       Sem embargo, a audiência a Dilma Rousseff por Barack Obama no Salão Oval marca de forma indelével nova fase no longo relacionamento entre a superpotência e o maior país da América Latina.
      A graduação da importância do encontro será bem diversa de passadas reuniões, muito festejadas aqui, e em Washington, de pouco objetivo relevo no quadro geral do império americano.
     Muitos presidentes brasileiros cumpriram o ritual da visita. Da solenidade da ocasião foi tomada devida nota em registros fotográficos e no noticiário, posto que com destinações diversas. Lá, consignada nos arquivos do poder mundial, aqui difundidas com a superficial alacridade da honraria ínsita na própria realização do encontro.
      Dentre os momentos, para nós históricos, desse protocolo, a imprensa daqui exibiu, entre outras, a foto de Herbert Hoover e Washington Luís no Salão Oval, na série de visitas presidenciais. Se os dois presidentes seriam em futuro relativamente próximo varridos por forças superiores, com que não souberam lidar, o retrato se afigura duplamente emblemático. De um lado, da importância relativa atribuída ao encontro pelas duas partes; de outro, do aspecto simbólico que reveste a reunião, que ainda persiste.
      Não foi do dia para a noite que tais visitas perderam  a sua conotação primacial, do presidente do país do futuro mas carente de recursos e empréstimos, a bater na porta do líder da potência hegemônica, colhendo por vezes inesperadas benesses, como o elogio de Richard Nixon ao ditador Garrastazu Médici acerca da relevância do Brasil no contexto continental.
      Dilma Rousseff, a primeira mulher presidente, adentrou o gabinete presidencial – em que Obama tentará permanecer pelas eleições de seis de novembro p.f. – representando realidade nacional que, sem as tintas do ufanismo, passou por nada kafkiana metamorfose.
     Se não chegamos ainda ao topo, já nos afastamos da planície. Caminhamos por fase bem diversa do estágio atual da superpotência, que retém ainda a primazia, mas vê avançar o gigante chinês, afinal desperto da longa letargia em que Napoleão, com sua visão geopolítica, recomendara fosse deixado ficar.
     Os próprios americanos principiam a conscientizar-se da presença do declínio, este insidioso fenômeno que, monotonamente, envolve, muita vez com traiçoeira lentidão, o fastígio das superpotências da História.
    Por nosso lado, se integramos esse acrônimo dos BRICS, se participamos do sentimento eufórico do progresso, se não mais temos o FMI nos nossos calcanhares, e se chegamos ao requinte lulesco de ser credores dessa instituição que tanto atazanou os presidentes brasileiros, de Juscelino até Fernando Henrique, bem sabemos que a nossa chegada ao sexto lugar na classificação das nações inclui ainda muitas verrugas.
      Nessa jornada, os  brasileiros têm muitos fardos a superar, a começar pela hidra da corrupção que, pelos seus inúmeros ralos, desfigura o retorno da carga tributária. Se não torna írrito o sacrifício do contribuinte brasileiro, as inúmeras perdas, com a sua quota maldita como nas promessas não-cumpridas tanto de auxílio, quanto de prevenção nos desastres climáticos naturais, apontam para trabalho longo, que tem muito a  ver com a rediscussão das bases constitucionais, e uma nova mentalidade, em que muitos ismos, notadamente o corporativismo e a chamada lei de Gerson sejam por fim revogadas pelo mais alto tribunal, que é o da sociedade civil.
    Mas, por um instante, voltemos à reunião de Obama e de Dilma. A minha longa usança profissional se, me tornou cético quanto à pauta das reuniões de cúpula, não me permite não ter presente o simbolismo do encontro, e sua atual configuração. Com a brutal sutileza da história, eis-nos diante de novo quadro. Difere a repercussão na mídia, e não me reporto decerto àquela local, no passado com a vazia veemência de eventos rotineiros.
    Entramos em nova fase. Por quanto tempo ela vai durar, quais serão os seus resultados, isto é outra estória. Se não carecemos do cafona relaxar e gozar, como recomendou com alguma inoportunidade Martha Suplicy, o momento é relevante e pode ser simbólico no contexto da nova fase.
    Com Dilma assistimos ao Brasil na Casa Branca não mais como o eterno país do futuro. Esta fase está superada. Resta determinar em qual futuro estamos.



( Fonte: Folha de S. Paulo )

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