terça-feira, 17 de abril de 2012

Paralelos Históricos ?

                                     
        Plutarco, filósofo e historiador grego, notabilizou-se por suas ‘Vidas Paralelas’, entre personagens gregos e romanos. Daí a expressão ‘varões de Plutarco’, em que  se designava personalidades com qualidades excepcionais, sobretudo em inteireza de caráter e austeridade.
        Decerto, não mais vivemos tempo em que tais comparações aflorem com facilidade. No entanto, se adotarmos critérios mais flexíveis, sem mais restrições de gênero – o que tão só reflete marcante e positiva tendência da pós-modernidade – quiçá seria possível transpor para os nossos dias tentativa de cotejo entre duas mulheres.
        Não será difícil antecipar de o que se trata. Reporto-me às duas presidentes de Brasil e Argentina. Tanto Dilma Rousseff, quanto Cristina de Kirchner são as primeiras a ascender, nos respectivos países, à primeira magistratura do Estado.
        Se a Princesa Isabel foi nossa regente e, por mais de uma vez, nas extensas viagens empreendidas por Pedro II nas duas últimas décadas de seu longo reinado, quiseram os fados que a única democracia sul-americana do século XIX[1] fosse interrompida por um golpe militar. Por isso, a Redentora – que antes até era partícipe de feriado nacional – teve empalidecida sua presença histórica. Por outro lado, a simultaneidade cronológica, sublinhada pela relevância no Continente dos dois países, aqui constitui o aspecto de maior nota.
       As semelhanças entre ambas não ressaltam a princípio. Sua formação intelectual e  seu passado político diferem. A primeira, na juventude, participou da ativa contestação ao regime militar, e por isso, foi presa, torturada e condenada. A segunda foi a esposa e companheira de Nestor Kirchner, sem militância política comparável à de sua contemporânea brasileira.
       No entanto, ambas como criaturas políticas foram guindadas às presentes alturas pela intervenção, seja direta, seja indireta, de homens políticos que, por diversos motivos, na impossibilidade constitucional de pleitearem novo mandato sucessivo, optaram por apontá-las para o eleitorado respectivo como suas sucessoras.
      O caso de Nestor Kirchner foi, na sua primeira versão, o da designação de Cristina como sua substituta-titular, na impossibilidade constitucional de nova reeleição. Nesse contexto, a esposa foi eleita, no tácito entendimento de que Nestor continuaria no governo virtual, dando a Cristina, a par de sua inconteste liderança, a necessária orientação para atender às exigências formais da chefia do Estado. Essa estreita ligação perante a opinião pública seria prematuramente interrompida pela morte do marido.
      Quanto à interação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a sua Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ela difere na sua causa, mas em termos políticos existe marcante similitude. Lula tirou Dilma de sua algibeira por suas qualidades de gestora político-administrativa (no que substitui a José Dirceu, inviabilizado pelo escândalo do mensalão), com vistas a manter no Estado o predomínio petista. Não foi tarefa fácil para Nosso Guia, mas, por conta de sua grande popularidade, e a despeito da falta de experiência política de sua candidata, a sua eleição, descontado o tropeço no primeiro turno, não foi tão difícil, para o que muito contribuíu a inepta campanha de seu principal adversário.
       Já foi recordado – e mais de uma vez – o exemplo mexicano do chamado Maximato, pelo qual Plutarco Elias Calles, depois de cumprir o mandato presidencial, pensou eludir a proibição constitucional (e revolucionária) da não-reeleição, através dos ditos presidentes-peleles (títeres). Durou por algum tempo essa farsa, mas, por infortúnio de Elias Calles, o terceiro pelele da série foi Lázaro Cardenas que, ao cabo de dois anos, logrou livrar-se da incômoda tutela para tornar-se um dos maiores presidentes da história mexicana.
       A relação entre criatura e criador tem sido mantida, malgrado os inúmeros precedentes históricos. Essa presença de Lula, posto que discreta, foi sensível no primeiro ano de governo de Dilma. No entanto, a inesperada grave enfermidade que acometeu o ex-presidente teria, obviamente, suas consequências na intensidade do relacionamento.
       Duas iniciativas recentes de um convalescente Lula apontam para o eventual retorno de maior influência na administração. São a indicação de Fernando Haddad como candidato do PT à prefeitura de São Paulo, e a incitação à constituição de CPI, para investigar o bicheiro Cachoeira e o Senador Demóstenes Torres. No primeiro caso, o seu empenho em levar adiante um candidato politicamente fraco foi contrariado por uma reação do próprio organismo,diante de extemporâneos e pouco sensatos esforços na oratória; e o segundo colocou Dilma em uma saia-justa, eis que as CPIs são em geral um estorvo para os governos. Lula, ao estimular a CPI, terá sido movido pelo rancor contra Marconi Perillo, o governador tucano de Goiás, culpado de o ter alertado da existência do mensalão (e de haver dado conhecimento público desse gesto).
        Quanto à Cristina, viúva de Kirchner,  seu comportamento só enfatiza a  perene ligação com Nestor. Até hoje, mantém o luto. Relembra o exemplo do marido falecido a cada passo, como o evidencia a reestatização da petroleira Repsol. Seguindo  Hugo Chávez, em comportamento que decerto não lhe favorece a imagem externa (e o afluxo de capitais estrangeiros), Cristina abre crise diplomática com a Espanha, enquanto, saudosa, alude a quanto desejara Nestor recuperar o controle da antiga YPF, privatizada, nos anos noventa, por ordem de Carlos Menem.   
       A outra iniciativa diplomática de Cristina de Kirchner volta a frisar o caráter irredento das ilhas Malvinas.  Passados  trinta anos  da guerra, semelha de questionável oportunismo esse súbito requentamento de antiga quizilia. Foi  pensando no reforço do poder militar e na sobrevida presidencial que  general Gualtieri se lançou na aventura, que  o desmoralizou perante a opinião pública, com a subsequente vinda do presidente eleito Raul Alfonsin, cuja coragem muito trabalhou pelo ajuizamento da ditadura castrense e a consolidação da democracia.  
        O Brasil sempre apoiou a Argentina, desde a tomada pelo então florescente império britânico do arquipélago das Malvinas. Não obstante a nossa posição, parece questionável a forma em que a reivindicação tem sido colocada. Dá a impressão de uma postura pró-forma, feita para reacender velhos diferendos e com pouca possibilidade de novas soluções.
        Se o escopo é anticolonialista, não será a melhor maneira de fazê-lo progredir   acirrar os ânimos e agitar vetustos espantalhos que, a par da exígua credibilidade, tendem a enrijecer e dificultar um relacionamento que as distâncias tudo fariam para reativar.
       Essas duas protagonistas da cena sul-americana estão, em consequência, estreitamente ligadas por laços políticos (derivados ou não de relacionamento civil) a dois líderes, que de alguma maneira ainda emprestam boa parte de sua base de sustentação.  
       Se as duas presidentes diferem pela capacidade intrínseca, em termos políticos a  dependência de seu modelo (e patrocinador) ainda persiste, seja na externalização de um culto de dependente viuvez, seja na permanência de uma relação de respeito e deferência.
       Como tal inter-relação irá evolver no futuro, é outra estória. Plutarco, ao esboçar os seus cotejos de gregos e romanos, costumava olhar para um passado distante.



( Fonte subsidiária:  O Globo )



[1] Segundo estadista argentino, ao ser inteirado da proclamação da República no Brasil.

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