domingo, 15 de abril de 2012

Colcha de Retalhos CXI

                     
A Cúpula Hemisférica de Cartagena


      Será a última reunião de cúpula do Hemisfério a não ter a presença de Cuba. O longo afastamento de Havana de tais encontros chega ao fim por um consenso de todos os líderes, com a única exceção de Washington. Quando lhe foi perguntado, se Obama seria consultado a respeito, com a sua habitual diplomacia Dilma Rousseff declarou que o propósito se cingia a comunicar-lhe o entendimento unânime dos demais chefes de governo das Américas.
      No segundo dia da conferência, do número de países representados no mais alto nível não constam  Venezuela,  Nicarágua e Equador – Hugo Chávez está em tratamento em Havana, Daniel Ortega faltou por motivos ideológicos previsíveis, e   Rafael Correa não compareceu em protesto contra a exclusão de Cuba.
     Os resultados de Cartagena pendem do segundo e último dia do encontro. A presença de Barack Obama se deve sobretudo às estreitas relações com a Colômbia do Presidente Juan Emanuel Santos.
      A tentativa de Correa de que também Raul Castro fosse convidado foi contornada pelo empenho colombiano, com contatos em alto nível de última hora. Já mais ou menos acertada a participação na conferência do ano próximo, a estouvada interveniência do discípulo de Chávez, Rafael Correa, objetivaria mais constranger a Obama, do que favorecer Cuba.
      É tautológico que uma tal mudança, ocorrida na undécima hora, decretaria o fim da participação do Presidente dos Estados Unidos, que decerto não desejaria cometer harakiri político comparecendo às vésperas da própria eleição a encontro hemisférico de que participasse  Raul Castro.
      O descontentamento brasileiro com a virada de mesa na concorrência que supostas razões documentais alijaram os aviões tucanos, foi externalizado de público pela Presidente Rousseff. Questionado se o crescimento brasileiro não se contrapunha a interesses estadunidenses, Obama observou: ‘Damos as boas-vindas à mudança.Se há crescimento da classe média, serão mais clientes para os nossos negócios. Se o Brasil cresce, oportunidades são criadas, eles comprarão mais iPads, Boeings...’
     Nesse ponto, se ouviu o aparte de Dilma, que disse ‘Embraer’. A óbvia referência à recente pendenga provocou risos entre os presentes.
    A tal propósito, semelha discutível  este procedimento, que traz para público uma disputa ainda formalmente não resolvida. Tais contestações em aberto muitas vezes tornam mais difíceis  eventuais composições  chegadas pelos discretos  condutos diplomáticos. Sobretudo porque nem todas as cartas sobre a mesa foram descobertas.
 

Os  Juros  e  os  Bancos Privados

      A Presidente Dilma Rousseff, em discurso de improviso para industriais, voltou a insistir na necessidade de que os bancos privados baixem os juros e o chamado ‘spread’ bancário. Nos níveis atuais representam um entrave ao crescimento do país.Nesse sentido, Dilma cobrou dos banqueiros que sigam padrões internacionais com vistas a permitir o aumento da produção.
     Na semana passada, o Banco do Brasil e a Caixa, obviamente seguindo determinações governamentais, reduziram as taxas de operações de crédito. Isto foi interpretado como pressão adicional para que a medida seja acompanhada pelo setor privado que ainda reluta em diminuir as taxas. Nesse sentido, o presidente da Febraban, Murilo Portugal, teria procurado condicionar a redução a medidas compensatórias pelo governo.
       A princípio, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega,  entabulara um diálogo, como se a sugestão da Febraban pudesse ser base para conversa. Em curtíssimo prazo, no entanto, a atitude de Mantega modificou-se da água para o vinho, o que assinala, sem qualquer dúvida, que recebeu instruções peremptórias da chefe do governo.
      O contra-ataque da Fazenda sublinha que os bancos têm margens elevadas de lucro, e por isso não precisam  de ações do governo para reduzir o custo dos financiamentos, aumentando assim a oferta de crédito no país. Nesse contexto, os polpudos lucros dos bancos falam por si: em 2011, os 25 maiores bancos brasileiros lucraram  R$ 49,4 bilhões, o melhor resultado dentre todos os setores econômicos.
       No início da semana, em reunião com a Federação Brasileira de Bancos, Mantega recebera de Murilo Portugal uma lista com 23 demandas do setor, e se comprometera a estudar algumas delas. Depois das instruções de Dilma, o discurso mudou radicalmente: ‘O Murilo Portugal esteve aqui outro dia e, em vez de trazer soluções anunciando aumento do crédito, ele veio aqui para fazer cobranças. Se os bancos estão tão lucrativos, eles têm margem sim para reduzir as taxas e aumentar o volume de crédito.’
       O Governo Dilma está preocupado com as taxas baixas de desenvolvimento industrial – hoje em torno de 2% - e  pensa ser possível atingir crescimento a níveis próximos de 4,5%. No entanto, em reunião recente com industriais, a proposta de estímulos governamentais decepcionou os empresários. O governo fala muito em incentivos para habilitara nossa indústria a enfrentar a concorrência estrangeira (leia-se China, entre outros). Sem embargo, não mostra disposição de baixar o custo da energia elétrica, hoje uma das mais caras do mundo, pela simples razão de que metade desta conta se deve a impostos. Enquanto não se decida proceder a necessária reforma fiscal, cortando na carne a praga dos tributos excessivos, os incentivos governamentais não produzirão o efeito necessário. Ou se pensa reanimar a economia e dar competitividade à indústria recorrendo a  sais e mezinhas em lugar de medidas para valer que a crise industrial requer ?


A Revolução Síria Ameaça o Hezbollah


         No tabuleiro internacional, alguns dos partícipes do cenário da revolução síria, a par da grande maioria do povo – que obviamente se desembaraçaria de Bashar al-Assad, não fora os muitos fuzis de que dispõe – estão entre aqueles  que almejam colher objetivos derivados da possível queda do déspota alauíta. Assim, tanto a Arábia Saudita, quanto o Qatar não rompem relações com Damasco exatamente pela causa democrática que alegam. A heteróclita seita alauíta, uma não tão distante parente do xiismo, enseja  relacionamento mais estreito com o Irã dos Ayatollahs. Bashar, por outro lado, é o principal conduto para o apoio material dado aos movimentos do Hezbollah e do Hamas.
          Desse modo, a queda de al-Assad seria mais do que desastrosa não só para o Hezbollah, mas também para o Irã, que perderia precioso aliado. Já para os seus adversários sunitas da monarquia saudita e do emirado do Golfo, representaria ganho importante, pelo maior isolamento imposto ao adversário em Teerã.
         Compreende-se, portanto, o desconforto da liderança do Hezbollah, que estaria buscando uma nova sede territorial. Não obstante, semelha pouco provável que o rei Abdullah II assinta em dar-lhes guarida, atendidas não só as passadas diferenças, mas o próprio interesse do monarca.
         Se cortado o seu canal sírio, não há negar que os contatos de Teerã com o Hezbollah se tornariam mais difíceis. O próprio líder do movimento, Hassan Nasrallah, se descobre em situação bastante delicada. A princípio, ele ecoou as assertivas do ditador alauíta, declarando que os manifestantes sírios eram agentes estraangeiros. Em função de tal posição, a popularidade de Nasrallah e do Hezbollah na Síria caíu bastante.
         Agravando-se a situação do regime alauíta, Nasrallah, de forma sempre oblíqua, principiou a aludir à possibilidade de Bashar procurar um entendimento político com a resistência síria.
        As contradições do Hezbollah – um movimento que se diz pan-islamita, mas que se fundamenta no credo xiita, e que pretender ser reação nacionalista contra o poder israelense, mas cuja força militar provém do Irã – criam para ele uma verdadeira saia-justa, colocado diante de  confronto entre um movimento democrático com apoio predominantemente sunita, e os seus padrinhos do Irã xiita.
       Por outro lado, a posição preponderante do Hezbollah no Líbano pode ser fragilizada. Os seus muitos adversários naquele pluri-étnico país vislumbram essa possibilidade, que decerto encaram como uma luz de esperança.
       A par disso, o Hamas, movimento radical palestino, pode igualmente sofrer por eventuais tropeços de seu aliado Hezbollah, o que viria  a dar u’a mãozinha ao Al-Fattah, que tem mais trânsito junto aos países interessados em solução pacífica e igualitária para o conflito israelo-palestino.



A Reestruturação tributária nos Estados Unidos



       Como os democratas não controlam o poder legislativo – perderam a maioria na Casa de Representantes, pelo shellacking (tunda) de novembro de 2010 – a postura pela Administração Obama representa uma indicação para o futuro. Com base em ideia do bilionário investidor Warren E. Buffett, se pretende que os mais ricos paguem pelo menos trinta por cento de  sua renda em impostos federais.
        Os déficits do orçamento americano decorrem sobretudo das ‘bondades’ introduzidas por George W. Bush, com o seu drástico corte nos impostos devidos pelos milionários.
         Essa  proposta de aumento de impostos visa a trazer justiça para a esfera fiscal. Na sua plataforma para a eleição de seis de novembro p.f., ela é um dos carros principais da propaganda do partido democrata. Avalizada por uma personalidade respeitada, o multibilionário Warren Buffett, ela é a um tempo singela e justa, eis que se carece de fazer justiça no código fiscal. Nos últimos cinco anos a quota dos americanos mais ricos caiu abaixo do nível pago  pelos contribuintes de classe média.
       O que torna a situação mais embaraçosa para os milionários, é que a escala de aumento da renda nos níveis mais altos subiu de forma desproporcional em relação as demais faixas.
         Fator importante, a não ser negligenciado, é a circunstância de que o provável candidato republicano – Mitt Romney -  é um milionário que em função das vantagens asseguradas pela administração do segundo Bush paga sobre a sua renda de vinte e um milhões de dólares cerca de catorze por cento de imposto federal sobre a renda. Essa favorecida alíquota fiscal proporciona substancial economia a quem estaria devedor da mais alta taxa cobrada (35%), pelo  fato de que os seus rendimentos provêm de ganhos de capital e de dividendos, que estão na faixa dos quinze por cento.
         Não é por acaso que Barack Obama privilegia essa bandeira. Nas prévias eleitorais, Obama leva vantagem sobre Romney em vários ítens, notadamente na proteção da classe média, e na empatia com problemas econômicos enfrentados pelo povo.
         A campanha eleitoral ainda está na sua fase inicial. No entanto, o apoio de Romney à proposta de orçamento, aprovada pela Casa de Representantes,  e fundada em projeto de Paul Ryan (que utiliza a fórmula de tirar dos pobres para dar aos ricos) tenderá a colocá-lo em dificuldade em debates futuros. Por mais cambalhotas que dê Mitt Romney, ficará difícil explicar a razão, entre outras, de se tentar esvaziar o programa Medicaid (ajuda médica aos mais necessitados). 
 


A Eleição presidencial na França


         Daqui a uma semana, no domingo 22 de abril, se realizará o primeiro turno da eleição presidencial francesa. De acordo com as regras não-escritas da contenda, nenhum dos candidatos deverá alcançar a maioria absoluta, que o dispensaria de um segundo turno que está marcado para as regulamentares duas semanas após os comícios de abril, i.e., a seis de maio de 2012.
        No momento, três e no máximo quatro candidatos semelham com possibilidades concretas de chegarem ao segundo turno. São François Hollande, o representante socialista, que é o primeiro nas pesquisas; o presidente Nicolas Sarkozy, que postula a reeleição, e cuja posição melhorou depois da tragédia de Toulouse; Jean-Luc Mélenchon, co-presidente do Partido de Esquerda, e que desalojou o Front National do terceiro lugar; e, por fim, Marine Le Pen, a representante da extrema direita.
         O mais provável é que os dois rivais do segundo turno sejam Hollande e Sarkozy. No passado recente (2002), o candidato socialista Lionel Jospin conseguiu não chegar ao segundo turno por uma inepta estratégia de primeiro turno, na qual ele incentivara o voto na Gauche Plurielle (Esquerda Plural). O eleitor obedeceu a diretiva do então Primeiro Ministro, e deu o segundo lugar a Jean-Marie Le Pen, do Front National.
         Quanto ao extremista Mélenchon, a sua retórica o catapultou para a terceira colocação nas pesquisas, ultrapassando Marine Le Pen. No entanto, embora surpresas não possam ser afastadas, as perspectivas de que a extrema-esquerda chegue ao segundo turno são bastante tênues.
          No que concerne aos demais candidatos, há François Bayrou, do Partido de Centro.  Dominique de Villepin, de centro-direita (e desafeto de Sarkozy) não conseguiu preencher os requisitos legais. Bayrou teve desempenho apagado na campanha.
          Se falta uma personalidade mais afirmativa a François Hollande (a sua ex-companheira Ségolène Royal foi a candidata socialista no pleito passado, perdendo no segundo turno para Sarkozy), ele tem procurado reportar-se à grande figura socialista do final do século vinte, François Mitterrand, que no seu entender não aparentava ser um ganhador, até conquistar dois septenatos seguidos (hoje o mandato é de cinco anos). Hollande, será ele um candidato com credibilidade para tempos difíceis como se anunciam os próximos ? Neste primeiro turno, parece muito provável que a dianteira pertença ao representante socialista. O segundo dependerá da impressão deixada pelos debates e pelas eventuais alianças costuradas pelos dois protagonistas.
          Nicolas Sarkozy, pela sua personalidade, não há de desdenhar o papel de underdog (rival menos favorecido) perante o eleitorado gaulês. Depois das mortes de Toulouse, e da ressurgência do terrorismo, a vantagem fruída por Hollande diminuíu deveras diante de Sarkozy, chegando este mesmo a superá-lo. O que há de decidir o pleito serão as prioridades do eleitor francês. Se votar pela ordem, o beneficiário será Sarkozy. Também em termos dos desafios da crise na União Europeia, a vantagem pende para o atual presidente. Já se der mais importância à flexibilidade no front social, o sufrágio irá para François Hollande. Assinale-se que este último nunca exerceu cargo ministerial, tendo presidido o partido socialista de 1997 a 2008. Na verdade, o principal título de que é depositário  Hollande será o fato de representar  visão de um passado que se acreditava estável e ora se afigura achar-se ameaçado. Relembra um tipo de presidente como Jacques Chirac – que é gaullista – vale dizer, presidente confiável, com jeitão de Primeiro Mandatário,  sem os arroubos e irritações de Sarkozy. A sua aura seria a de uma passada respeitabilidade.
           De qualquer maneira, o primeiro turno servirá apenas para designar a dupla que disputará o Elysée.   

        

(Fontes:CNN, Folha de S. Paulo, O Globo, International Herald Tribune))

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