sexta-feira, 6 de abril de 2012

Estranho Plano de Paz

                                    
         O plano de paz para a Síria, costurado pelo ex-Secretário-Geral Kofi Annan, continua a fortiori a ser visto com ceticismo. Sancionado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas a 21 de março, por exigência russa teve alargado  o prazo de implementação até dez de abril p.f..
          Em outras palavras, o ditador Bashar al-Assad leu nas entrelinhas do plano a  licença para liquidar os bastiões dos insurretos por mais vinte dias. No contexto do projeto  desperta estranhável assombro que o documento de Kofi Annan, com a chancela das Nações Unidas, preveja implicitamente que a pacificação na Síria comece pela paz dos cemitérios.
          Que outro sentido pode ter uma extensão tão escandalosamente larga para que a divisão blindada de Maher al-Assad prossiga na sua campanha de destruição, com artilharia pesada, dos supostos núcleos de resistência da população e do chamado Exército de Libertação da Síria ?
          Nos últimos dias, aos apelos de Kofi Annan, o ditador Assad respondeu com o próprio afinco na sua torpe tarefa. Pela enorme janela que lhe foi aberta pela Federação Russa, ele se empenha em silenciar pelas armas a revolução do povo sírio. Dessarte, a má fé do regime alauíta, surda aos reclamos de Annan, está preparando uma paz  peculiar, que é aquela predileta dos tiranos.
         A instrumentalização do plano Annan é patente, e não prenuncia nada de bom para o porvir da população síria. Bashar pode estar ganhando a sua guerra particular contra os fantomáticos ‘grupos terroristas armados’ – o cínico chavão utilizado pelo regime para justificar toda e qualquer violência – mas perdeu toda credibilidade dentro (e fora) do país. Dessarte, qualquer avanço da ditadura corresponderá, na verdade, àquela fuite en avant  ( fuga para a frente ), que, em geral acaba mal para o fugitivo.
         Com efeito, de mentira em mentira, de massacre em massacre, Assad destrói qualquer possibilidade de manter-se no poder no médio prazo. Ao queimar as possibilidades do entendimento, esgarça ainda mais o tecido de sua frágil aliança, tornando cada vez menos provável o apoio da classe comerciante sunita e da minoria cristã. Será de pouca valia o apoio do Kremlin e de Teerã, porque há um limite, em embarcações que fazem água a bombordo e a estibordo, para a serventia do fuzil.
         Dentre os inúmeros erros de Bashar al-Assad, talvez este de pretender instrumentalizar o Plano das Nações Unidas tenha sido o mais grave. Annan lhe abriu uma senda, entre a composição in extremis e a saída honrosa. Atropelando o Plano, Bashar pode estar rasgando diante de si uma larga estrada, como aquela que presenciou a morte do decano dos ditadores, Muammar Kaddafi. Nesse contexto, a caricatura na qual Ali Ferzat associara al-Assad a Muammar Kaddafi – e que valeu ao cartunista ter os ossos da mão quebrados como ‘aviso’- poderá voltar a assombrar o déspota de Damasco. Dessa feita, porém, estará atado, e não mais de modo simbólico, à sorte do lider supremo da defunta Jamahiriya.   



( Fonte subsidiária: Folha de S. Paulo )

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