segunda-feira, 30 de abril de 2012

Últimas e Penúltimas


                                     
Suu Kyi deve prestar juramento


      A líder da Liga Nacional para a Democracia, Aung San Suu Kyi disse hoje,  30 de abril, que prestará o juramento de investidura no Parlamento de Myanmar como deputada.
     Até o momento nenhum dos 43 deputados da Oposição havia jurado, por dificuldades com a linguagem do aludido compromisso. A direção partidária solicitara que se modificasse a redação para ‘pautar-se por’ (abide by) ao invés de ‘proteger’. Como o presidente Thein Sein não mostrou disposição de aceder, Suu Kyi afirmou que irá jurar amanhã.
     Em entrevista à imprensa, Suu Kyi declarou que ‘irá jurar pelo país e pelo povo’. Perguntada se não daria sinal de fraqueza pelo recuo na questão do juramento, ela disse  “Não me importo.”  Esclareceu, outrossim, que iria ao Parlamento na capital, Naypyidaw, na quarta-feira, dois de maio, para atender “um pedido (demand) da gente que votou por mim”.
    Assinale-se que o legislativo de Myanmar tem 664 assentos, dos quais agora 43 serão ocupados pela oposição.
    O Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon. se encontra em Myanmar, dentro da série de visitas de personalidades ocidentais, após o longo isolamento da antiga Birmânia. Antes da viagem, o Secretário-Geral definira o estágio de democratização como ‘recente e ainda frágil’.
    Thein Sein, um militar reformado, iniciou a abertura de um dos regimes mundiais mais fechados e corruptos, depois da longa ditadura do general Than Shwe. O governo ditatorial de Shwe chegara a recusar até donativos emergenciais para a população birmanesa. Em maio de 2008, o ciclone Nargis, de maio de 2008,  causou a morte  de cerca de cem mil pessoas, além da grande devastação para a economia de subsistência daquele país.
 


A CPI do Cachoeira


    Há pelo menos três governadores de estado (Marconi Perillo, Agnelo Queiroz e Sérgio Cabral) que estão ameaçados pelo que vier a ser exposto pela CPI que acaba de ser instalada.
   O impulso principal da referida CPI foi dado pelo ex-presidente Lula da Silva. A estranhável iniciativa, pouco usual se partindo de instâncias pró-governamentais, é explicada como um ‘acerto de contas’ de Lula com um desafeto seu, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB).
    Os rancores de Lula – que já provocaram estragos consideráveis na oposição, ao ensejo das últimas eleições – terão contrariado a sua pupila e Presidente Dilma Rousseff. Esse primeiro choque manifesto entre criador e criatura demandou uma longa reunião no Palácio do Planalto, para um acerto de ponteiros, entre o chefe máximo e a atual Presidente.
      Compreende-se as preocupação da Chefe do Governo com a presença disruptiva de uma CPI, cuja criação não está certamente dentre as suas prioridades.
      Procurou-se, assim, uma  chefia de CPI – presidente e relator – que seja mais manejável.  Esse tipo de comissão pode ser domesticada – e estão aí os arremedos controlados pelo finado Orestes Quercia para comprová-lo – mas dados os vazamentos e o clamor público, é jogo complicado, muita vez de resultados imprevistos.
      Na maioria, há dois governadores de difícil blindagem, i.e., Agnelo Queiroz Filho  (PT/DF) e Sérgio Cabral (PMDB/RJ). Se o primeiro está comprometido por  fraca administração  (além dos escândalos, é considerado o pior governador de Brasília),  o deputado Garotinho (PR/RJ) tem colaborado ativamente com a CPI através do seu blog, com divulgação de fotos das estreitas relações do governador Cabral com o dono da Delta, Fernando Cavendish. Há de tudo, inclusive um opíparo jantar em faustoso restaurante de Monaco,  de que participaram o governador viajante e o seu amigo e grande empreiteiro.
      Por falar em blindagem, a maioria esmagadora da CPI é do governo (41 parlamentares da ‘base’) contra 14 da oposição e 8 independentes. Se houver, no entanto, demasiado arrocho de parte dos representantes da Administração Rousseff, por exemplo, com negação de convocações de testemunhas (como já está acontecendo), a tentativa de sufocar as revelações da Comissão virão a público de qualquer maneira, com a consequente desmoralização da maioria.
      Ou será que o velho e tarimbado político Lula da Silva pensa ser politicamente sustentável que possa pretender vir a  fritar apenas integrantes da oposição – como o desafeto Marconi Perillo – enquanto livra os companheiros Queiroz e, por que não, o bom amigo Cabral ?



O Sudão ataca o Sudão do Sul


       O Sudão do general Omar Hassan al-Bashir – incriminado pelo T.P.I. – atacou o Sudão do Sul. Através de bombardeios aéreos e tropas militares, avançou sobre a área que contesta com o recentemente independizado Sudão do Sul. Essa região de Heglig, por ter depósitos petrolíferos, é reivindicada por Cartum.
      Sob a cortina de condenações verbais da parte do State Department – ‘o Sudão deve interromper de imediato o bombardeio aéreo e de artilharia contra o Sudão do Sul’ -  as forças do general Bashir se movimentam com aparente desenvoltura, diante da fraqueza do adversário e a certeza da proteção de Beijing, que estará pronta a vetar qualquer intervenção mais vigorosa das Nações Unidas.
      Pela suposta baixa prioridade internacional, o Sudão do Sul, recém-saído das festividades da independência, corre o risco de outra invasão pelo Norte. Para o general Bashir, o jeito seria expulsar os “insetos” do Sul do poder. Segundo o general-presidente, os sudaneses do sul “só entendem a linguagem do fuzil e das munições”.
      Por falar nisso, os sudaneses do norte têm também dificuldades com as sublevações com as populações das montanhas da Núbia e do Nilo Azul. Não será então que a realidade seria bem outra?  Dessa maneira, ao revés das palavras do general-ditador, as comunidades sob o domínio de Cartum aprenderam por experiência própria, que sómente por meio da resistência armada terão alguma esperança de livrar-se de seu sufocante abraço e  dos demais amigos de Cartum ?
 


As Mulheres Turcas


      Com a crescente afirmação do Partido Justiça e Desenvolvimento, do Primeiro Ministro Recep Tayyip Erdogan, o verniz democrático se  vai gradualmente adelgaçando. No poder desde 2002, o pendão islâmico se foi reforçando com o passar dos anos.
      Havia no início a preocupação de não tropeçar como movimentos anteriores, de influência muçulmana. Atualmente, após um predomínio de dez anos, os escrúpulos de Erdogan de parecer um democrata liberal vão esmaecendo, como se observa em diversos fronts, em que o autoritarismo islâmico se vai despojando dos  acenos e disfarces passados.
     O piedoso Recep Erdogan, cuja mulher tem sempre os cabelos cobertos, a princípio fez dos direitos femininos prioridade de governo. No contexto da tentativa de entrar para a União Europeia, ele privilegiou tais direitos, revogando leis discriminatórias, criminalizando o estupro no casamento, e introduzindo a cadeia perpétua para familiares que praticassem os chamados assassinatos de honra.
     Com o passar do tempo, no entanto, o esmaecimento da tentativa de tornar-se membro da U.E. e o recrudescer do regime islâmico, a posição da mulher na Turquia se tem visto bastante debilitada.
     Se a adjetivação da democracia implica necessariamente no seu desvirtuamento – e o tema se afigura demasiado amplo para ser aqui versado -, o seu avanço se insinua igualmente no campo dos direitos da mulher.
     Assim, na avaliação dos analistas, os direitos das mulheres vem regredindo na Turquia. Se a educação obrigatória das mulheres deve abranger doze anos – para colocá-la nos parâmetros da OCDE – a lei marotamente permite que, após os oito anos iniciais, a escolaridade seja doméstica, o que permite aos pais conservadores manter as filhas fora do colégio, confiná-las em casa ou casá-las.
      Também na área da violência doméstica, o progresso pode ser em muitos casos aparente. Ao lado de leis que ‘não pegam’, as mulheres são submetidas à mentalidade patriarcal. Assim, muitas vezes na delegacia de polícia elas são persuadidas a voltarem para a casa onde sofreram abusos e violência do marido.
      Semelha simbólico que Arzu Yildirim foi alvejada oito vezes por seu companheiro, morrendo em rua de grande movimento em Istambul. Isso ocorreu apesar de que tivesse dado entrada de queixa-crime ao promotor público, a quem pedia proteção. A documentação correspondente foi encontrada na sua bolsa manchada de sangue.
      Outro exemplo desse estado de coisas é a existência de Gokce, mulher de 37 anos foragida (do marido) há quinze anos, desde o dia em que este arrombou a porta e lhe deu seis tiros nas pernas por causa da recusa em ficar a seu lado. Desde então, o esposo raptou a  mãe e apunhalou o irmão dela, no intento de arrancar-lhes a localização da cônjuge. As idas à polícia de Gokce são inúteis, porque a par de censurá-la, os funcionários tentam convencê-la a retornar ao lar.
      Gokce - que não revela o sobrenome por óbvios motivos – assevera que o Estado turco é o inimigo número um das mulheres. ‘Tinha catorze anos quando o meu marido principiou a me bater, e agora tenho 37, e ainda vivo temendo por minha vida, malgrado todos os meus gritos de socorro.’    


( Fontes:  CNN, International Herald Tribune, O Globo, Folha de S. Paulo )

  

domingo, 29 de abril de 2012

Reforma da Saúde. Constitucionalidade do Mandato

                           
            
     É sempre um prazer ler os artigos escritos por Ronald Dworkin. Vendo os presidentes republicanos a indicar para a Corte Suprema mediocridades conservadoras, um leitor enfronhado em assuntos jurídicos e, em especial, na composição da Corte Suprema estadunidense, há de perguntar-se se não haveria possibilidade de incluir entre os nove juízes personalidade que mostrasse notável saber, conhecimento aprofundado da evolução jurisprudencial na Corte, e real compreensão do momento presente na sociedade americana. 
       A relevância do papel da Corte como guardiã da Constituição e como o fiel da balança se reflete na atenção a ela dispensada.   Por difusa informação constitui um termômetro para que se julgue a capacidade de um candidato para pleitear a Casa Branca. Sarah Palin, a governadora do Alaska, de forma inesperada,foi apontada pelo candidato Senador John McCain como  companheira de chapa.
      Se o seu discurso na Convenção representou um instantâneo sucesso junto ao público conservador, a quem agradou sobremaneira o seu enfoque radical, pode-se afirmar que a sua inexorável descida em termos de prestígio político iniciou-se com a demonstrada incapacidade de enumerar, dentre as grandes sentenças da Suprema Corte, apenas uma, Roe v. Wade (1973), fundada no direito à privacidade da mulher assegurada pela 14ª Emenda, que permite o aborto, atendidos os direitos à proteção da vida pré-natal  e à saúde da mulher. Se Sarah Palin não logrou designar outra sentença marco do Supremo, tal implicou em comprometedor reconhecimento de séria limitação em suas aptitudes para assumir a presidência.
      No passado, presidentes republicanos podiam contribuir com grandes nomes para o Supremo, como, por exemplo, Earl Warren, indicado por Dwight Eisenhower para Juiz Presidente (Chief Justice). Sob  sua liderança,  seguiu-se  um período brilhante do direito americano, com sentenças notáveis, como, v.g., Brown v. Junta de Educação (1954), que dessegregou o ensino, e Miranda v. Arizona (1966), no campo da defesa dos direitos dos acusados. O próprio Presidente Richard Nixon, a despeito de Watergate, indicou em 1969 Warren Burger como Chief Justice, quando a Corte formulou outra sentença de grande importância como continua a ser Roe v. Wade (1973), já referida acima.
      Esse caráter de excelência, contudo, ficaria em segundo plano nas duas designações subsequentes, as de William Rehnquist (1986) e John G. Roberts Jr.  (2005), indicados, respectivamente, por Ronald Reagan e George W. Bush. Nos dois casos, a orientação conservadora do juiz constitui a razão preponderante, com as esperáveis consequências, traduzidas por sentenças que marcam retrocesso na contribuição da Corte em termos de normativa constitucional.
      Já me referi no blog de dezesseis de abril corrente à pesada ameaça que  paira sobre a mais assinalada iniciativa da Administração Barack Obama, que é a Lei da Assistência Sanitária Custeável (Affordable Healthcare Act). Há consenso entre os observadores que a derrubada desta lei, seja pela sua principal disposição – o mandato individual -, seja na totalidade do instrumento, implicaria em um golpe não só quanto à obra de seu primeiro mandato, senão o enfraquecimento de suas possibilidades de reeleição. Não há dúvida de que isto possa  ocorrer pelo voto dos quatro juízes conservadores, somado àquele do juiz-associado Anthony Kennedy, que assume em geral o swing vote (voto determinante) da Corte. Daí o interesse de Ronald Dworkin de tentar convencer através de brilhante argumentação o juiz Kennedy da falta de motivação jurídica para emitir tal veredito.
       Tentarei a seguir sumarizar o pensamento desse gigante da ciência jurídica, conforme seu artigo  que acaba de ser publicado por The New York Review ‘Porque o mandato é constitucional: o Argumento Real’.[1]   
       O desafio constitucional se dirige contra a determinação central da Lei.  Dentre outros benefícios a norma legal concede seguro de saúde para 16% da população que dele atualmente não dispõe. Proíbe, outrossim, as asseguradoras de negarem cobertura ou cobrarem prêmios mais elevados para aqueles que tenham doenças preexistentes ou apresentem eventuais riscos. Tais benefícios, no entanto, não poderiam ser disponibilizados, se todos os cidadãos – os jovens e saudáveis, assim como os idosos e os já enfermos – não participassem do seguro.  A razão é simple: se o seguro fosse circunscrito apenas àqueles que dele necessitam, as companhias de seguros teriam de cobrar prêmios astronômicos, que a maior parte daqueles que carecessem do serviço não teriam condição de pagar.
      A premissa básica de todos os planos de seguro social é a de que os inevitáveis riscos sejam partilhados por uma comunidade política entre aqueles com mais ou menos riscos. A Lei de Assistência Sanitária segue tal princípio: com poucas exceções, os americanos que não sejam assegurados por seus empregadores ou por outros programas governamentais devem adquirir o seguro ou, se não o fazem, pagar o que a lei denomina uma ‘penalidade’ com a sua declaração de imposto, correspondente a US$ 695 ou 2,5% de sua renda. Não está prevista nenhuma outra sanção pela omissão da compra da apólice.
      Este é o chamado ‘mandato’ que as partes contrárias à Lei – 26 estados, um grupo de negócios e alguns cidadãos – contestam como inconstitucional. Elas dizem que embora a Constituição atribua ao Congresso o poder de limitar ou proibir atividade comercial que tenha impacto significativo na economia nacional, a própria Constituição denega ao Congresso o poder de requisitar uma atividade comercial, como v.g. assistência sanitária,  mesmo se esta atividade seja crucial para a economia nacional.
     A distinção entre regulamento positivo e negativo – entre ditar os termos do seguro e requerer que as pessoas comprem o seguro – está no cerne da contestação constitucional da lei.
    Na verdade, a teoria política que subjaz à distribuição de poder entre o Congresso e os Estados não carece da distinção entre restringir e requisitar atividades. Os formuladores da Constituição americana foram guiados por um princípio que torna irrelevante esta distinção: é o princípio do subsidiário, no sentido de que o Congresso federal só se deve ocupar de poderes que não possam ser atribuídos aos Estados. Dessarte, a Constituição determina que a Corte limite o poder do Congresso à legislação que deva ser nacional para ser eficaz.
      Não se trata, portanto, de que o Congresso proíba ou requisite uma atividade econômica, desde que a regra congressual trate de um problema nacional.
       Os detratores da Lei de Assistência Sanitária procuram pôr no mesmo nível mandar comprar brócolis ou um carro elétrico, e o referido mandato. Nesses termos, requerer que os cidadãos comprem um determinado produto de companhias particulares pode ser considerado privá-los do procedimento legal que lhes é assegurado pela Constituição. Mas também proibi-los de adquirir um produto pode ser interpretado como limitação de sua liberdade, o que é amiúde realizado pela FDA, a agência estatal criada para velar sobre alimentos e remédios. Como se verifica, portanto, o respeito pela liberdade do consumidor não exige nem justifica uma distinção absoluta entre proibição e requisição.
        A ‘dúvida’ dos juízes conservadores quanto ao caráter do mandato legal recebeu do Solicitador-Mor do Governo, Donald B.Verrilli várias respostas quanto à distinção entre assistência sanitária e carros elétricos ou brócolis. Primo, ninguém precisa comprar carros ou brócolis, mas quase todo mundo, no fim de contas, carece de ter assistência sanitária.
       O segundo argumento é ainda mais forte. Todo americano já tem assistência sanitária, em um certo sentido. O mandato requer apenas que ele pague pelo seguro, ao invés de pedir carona àqueles que pagam. Um estatuto federal e diversos estatutos estaduais determinam que os hospitais forneçam atendimento médico de urgência para aqueles que não podem pagá-lo. Assim, na hora extrema hão de procurar o melhor atendimento possível. O Congresso verificou que em 2008 o custo de pacientes não-assegurados montou a 43 bilhões de dólares. Esses dispêndios foram pagos através de prêmios mais altos, cobrados dos adquirentes das apólices de seguro de saúde. Verifica-se, desse modo, que o Congresso deve ter o poder de fazer as pessoas pagarem pelo que atualmente é coberto pela decência e necessidade humana. Como é impossível prever os custo de acidentes e enfermidades, a saída é requerer a aquisição do seguro por antecipação, ou pagar uma taxa para atender as despesas supervenientes.
      Como demonstra Ronald Dworkin, estas são respostas bastantes para o único argumento conservador. Elas distinguem entre seguro de assistência médica, de um lado, e brócolis e carros elétricos, de outro e, por isso, ensejam um princípio de limitação do tipo exigido pelos juízes conservadores.
      Há, no entanto, uma objeção mais profunda e abrangente à argumentação desses juízes. O princípio de limitação não é necessário nem desejável. O raciocínio conservador mistura duas questões que devem ser mantidas distintas. Em primeiro lugar, que poder tem qualquer legislatura americana para obrigar alguém a adquirir algo que não se deseja ? Em segundo lugar, se este poder de coerção existe, como esse poder será distribuído entre os estado e o Legislativo nacional ?
     Uma vez que se distinga entre essas questões, veremos que a distinção  entre ditar os termos do seguro e fazer com que a gente adquira o seguro não tem nenhum sentido.
     A força retórica de seus exemplos – obrigar a gente a comprar brócolis – se baseia em premissa popular mas confusa : que seria tirânico o governo obrigar os cidadãos a adquirir algo que eles não querem. Na verdade, as administrações federal e estadual coagem o povo a fazer isso pela tributação: são obrigados a custearem a proteção policial e contra incêndios, assim como por guerras estrangeiras, quer queiram,quer não. Não há nenhuma razão em limitar o governo quanto a obrigar os cidadãos a pagar diretamente, através do seguro, ou indiretamente pelo mecanismo da taxação. É o que faz o estado de Massachusetts, obrigando a população a comprar a assistência sanitária. O mandato está no âmago do aparentemente bem-sucedido sistema de assistência sanitária. E quase ninguém sugere que o mandato de Massachusetts – em que se baseia a Lei Federal – seria inconstitucional.
     A argumentação do jurista Ronald Dworkin vai além, mas não creio seja o caso de estender o que parece óbvio. Conquanto não seja dito expressamente pelo articulista, mais se examine a questão, mais se pende para a explicação de que a motivação é política e oportunista, e não suporta uma análise jurídica mais aprofundada.
     Tendo isso presente,  Dworkin acrescenta, in fine,  as seguintes observações conclusivas, à sua magistral análise do problema:  “ Não podemos ignorar as dimensões políticas desta questão. O Partido Republicano e  seus candidatos presidenciais, de forma incessante, denunciam a lei, talvez porque seja uma das principais conquistas do Presidente Obama em seu primeiro mandato. Eles têm esperança de que os juízes conservadores vão declarar a inconstitucionalidade da Lei. Eles pensam que isto possa ajudá-los a derrotar o presidente em novembro. A lei, no entanto, é claramente constitucional e seria uma vergonha se, como tantos comentaristas agora antevêem, esses juízes façam justamente aquilo que os inimigos de Obama esperam deles.
       “Nossa história recente está marcada por algumas decisões da Suprema Corte muito mal arrazoadas, que tiveram, propositalmente ou não, um inequívoco sabor sectário: Citizens United  (Cidadãos Unidos), por exemplo, teve já um profundo e destruidor impacto em nosso processo democrático Essas decisões enodoam a reputação da Suprema Corte e causam dano à nação. Temos de esperar, talvez contra a própria evidência dos fatos, que a Corte não irá aumentar essa desafortunada lista.”



( Fonte: The New York Review of Books )



[1] V. in The New York Review of Books, nr. 8 (Vol. LIX), ‘Why the Mandate is Constitutional: The Real Argument.

sábado, 28 de abril de 2012

Justiça para Yulia Timoshenko


      Na Ucrânia do Presidente Viktor F. Yanukovytch, o processo político encomendado pelo poder contra a líder da oposição, Yulia Timoshenko avança a despeito da reação interna dos partidários da antiga Primeiro Ministro (de janeiro a setembro de 2005, e dezembro 2007  a março de 2010).
      Dadas as sevícias sofridas pela prisioneira Timoshenko por carcereiros ao transportá-la para uma clínica, a ex-Primeiro Ministro entrou em greve de fome.
      Malgrado as tentativas do governo ucraniano e de sua dócil justiça de negar o ocorrido, como se provas não houvessem para expor-lhe as contusões sofridas – que, de resto, a deixaram inconsciente – o Bureau do Ombudsman confirmou a assertiva da Timoshenko.
      Dessarte, a chefe da política exterior da União Europeia, Catherine Ashton divulgou declaração segundo a qual a líder da oposição fora “submetida a violência física durante a transferência da sua cela para o hospital a 20 de abril”.
      O comunicado de Ashton requer que a Ucrânia “examine com presteza e imparcialidade quaisquer queixas de tortura ou outras formas de tratamento cruel, inumano ou degradante.” Na sua declaração a ministra do exterior da U.E. afirma estar  seriamente preocupada” acerca da greve de fome de Yulia Timoshenko.  Nesse sentido, encarece à Ucrânia que permita ser a antiga Primeiro Ministro visitada na prisão pelo embaixador em Kiev da União Europeia, José Manuel Pinto Teixeira, e por especialistas médicos independentes.
      Antes das sevícias sofridas, Timoshenko informou que estava discutindo com funcionários  sua transferência para um hospital por razões médicas. Afastada do  local a companheira de cela, segundo declaração da ex-Primeiro Ministro, três homens fortes entraram, lançaram  lençol sobre ela, a arrancaram do catre e aplicaram uma “força brutal”.
       Desesperada e acometida de dores, principiei a defender-me como podia e então, através dos panos do lençol, recebi um forte golpe no meu estômago. Arrastada para a rua, pensei serem estes os últimos minutos da minha vida. Sob  insuportável dor e o medo, comecei a chorar e a gritar por socorro, mas nenhum socorro veio.
       Que se submeta um ser humano a tal ‘tratamento’ já mostra as condições de justiça naquele país. Que a tal se acrescente a circunstância de se tratar de deputada, líder da oposição, Primeiro Ministro por duas vezes, e que fora superada por estreitíssima margem na eleição para Presidente pelo mesmo Viktor Yanukovytch, atual Presidente, a quem se atribui o processo pelo qual ela foi condenada por um juiz singular, dentro de um esquema autoritário, sob as ordens do Palácio, completaria o quadro desse trágico arremedo de justiça, se a tal escárnio não se seguisse um outro golpe, sempre no figurino das tiranias orientais.
       Com efeito, depois de condená-la pelo alegado abuso de autoridade ao assinar contratos de fornecimento de gás com a Rússia com suposto sobre-preço, e sentenciá-la  a sete anos, o zeloso servidor do governo e promotor da causa impôs outrossim  carga adicional ao bíblico setênio, mandando que Yulia Timoshenko ‘restitua’ aos cofres públicos os cerca de U$ 190 milhões de diferença, consoante o cálculo sob a desvalorizada moeda ucraniana (l,5 bilhão de hryvnas).
         Se há um aspecto irônico nesta sentença – que se insere no ‘sistema judiciário’ além dos Urais – é que não mais se restringe a simples desafetos do poder, que em país vizinho são despojados de suas fortunas e condenados em penas sucessivas, de  forma a não incomodarem o detentor do poder absoluto, mas agora também aos que tenham ousado enfrentar – e por vezes arrebatado – o mando da parte que se considera agravada. Pouco importa para esta  última que tenha sido o Povo Soberano que haja determinado da sorte em ambos os casos.
         O seu desrespeito às regras da democracia se reflete no cinismo de instrumentalizá-las quando estão na planície, e delas escarnecer ao apossar-se de um império que almejam se torne permanente.
          Até o momento, a reação dos países democráticos – a União Europeia, os Estados Unidos, o Ocidente e porque não o Brasil – se tem mantido, quando existente, em decibéis de fraca audição.  Anuncia-se que o Presidente da Alemanha, Joachim Gauck não comparecerá à reunião de Chefes de Estado da Europa Central, promovida pelo governo de Yanukovytch.  Seria de todo interesse que outros países se associem a tal boicote, até que se extraia justiça – e não a das cortes-kanguru – para a corajosa líder ucraniana Yulia Timoshenko.
           Não será pela timidez, pelos anódinos press-releases, pela suposta Raison d’État[1], que se abrirão os cárceres desses déspotas orientais, e que se anulará o travestimento judiciário que ameaça a vida da Timoshenko.



( Fontes:  CNN, International Herald Tribune )  



[1] Razão de Estado, conceito que fundamentaria a atuação dos Governos, e que muita vez justifica procedimentos eticamente inaceitáveis.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O PMDB e a Base de Apoio

                           
        A derrota da Presidente Dilma Rousseff na votação de quarta-feira, 25 de  abril na Câmara de Deputados levanta questões importantes sobre o significado da chamada ‘base de apoio’ ao governo petista.
       Costurada por Lula da Silva, e com base na coligação que levou à vitória da candidata Dilma, assim como à eleição de uma frente pluripartidária, cuja esmagadora preponderância numérica nas votações das quartas-feiras em Câmara e Senado  se evidencia,v.g., no desequilíbrio entre as bancadas situacionista, oposicionista e independente, da CPI do Cachoeira, respectivamente 41,  
14 e 8. 
       No entanto, a ver-se pelo comportamento do PMDB do líder deputado Henrique Alves (RN), esse rolo compressor serve sobretudo para extrair benesses, reivindicar postos-chave no ministério e  nas mega-empresas estatais. Tal extremo zelo não se percebe com a mesma ênfase no propósito de através de grandes quadros técnicos contribuir para o desenvolvimento e o avanço do Brasil. Essa menção será talvez considerada ingênua, posto que representasse um dado assaz positivo. Todas as conquistas nesse plano reverteriam  igualmente para o partido, através de sua participação.
       Não é intenção dessa coluna, no entanto, provocar estranheza nos partidos da coalizão, porque esses numerosos quadros não se caracterizam por tais qualidades e se interessam por diferentes áreas de ação.
      Se bem que passados critérios afastariam essas indicações políticas de qualquer participação no governo, não é propósito deste blog tratar aqui desse especial viés perseguido pelos chefes e caciques dos partidos da base, com o PMDB à frente, por ser o mais numeroso.
      Há um outro aspecto, que rivaliza e quiçá supere em absurdo, o desequilíbrio entre o apetite participativo dos partidos da base de apoio (sempre com o PMDB do sr. Henrique Alves na vanguarda) e o seu aporte em momentos determinantes para a agenda programática do governo Dilma Rousseff.
     Em tais horas, alguém chegado de Marte ou alhures poderia pensar que o líder Alves é um deputado de aguerrida oposição à Administração. Vejam só como ele discursa em plenário, recordando, com arrogante brio, a votação histórica (em 2011) do código  florestal na Câmara. Não carece de frisar que S.Excia. se reporta à primeira derrota parlamentar de Dilma Rousseff.
     A par disso, engata a sua arenga com a observação de que dos 78 deputados do PMDB, 76 estão no plenário, e para votar a favor do texto do deputado Paulo Piau (PMDB-MG).  
      Afastando, de pronto, qualquer semelhança do PMDB hodierno com o MDB de Ulysses Guimarães, e tendo presente o que afirmou o Senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) na sua entrevista à revista VEJA, com relação ao PMDB – a que a direção do partido, com Michel Temer, preferiu responder com o silêncio dos cordeiros  -, qualquer pessoa com um mínimo de senso político há de perguntar-se não só o que significa essa inchada e imensa ‘base de apoio’, mas sobretudo e a fortiori como se insere o PMDB do senhor Alves no governo Dilma, a que tão óbvio gosto e mesmo prazer em referir-se com animus em geral reservado para partidos e administrações antagônicas.
       Não contente de votar contra o governo Dilma, o senhor Alves disso se jacta, em uma estranha relação de afeto (no sentido freudiano do termo) contra a mãe-gentil para a qual encaminha tantos quadros, pequenos e grandes, todos eles sedentos das oportunidades que o governo enseja.
      Assim, quando questões prioritárias se colocam para Dilma Rousseff e o seu amplo governo, como explicar – e já sequer me reporto aos votos porventura contrários – tanta envaidecida agressividade em jogar por terra o Governo de que, incessantes, reclamam atenções e sobretudo posições ?
      Não vou repetir a frase ‘que país é este ?’, mas sim perguntar o que me parece configurar o elefante na sala de visitas: que governo é este que convive com tais afrontosos absurdos ?  Foi pra isso que Lula coseu a grande, triunfante aliança, que levou à eleição de sua pupila ?



( Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo )


quinta-feira, 26 de abril de 2012

A Tropa Ruralista

                                       
       Com uma representação deformada, que transforma minorias em falsas maiorias, seria irrealista esperar outro resultado da votação de ontem  desse vergonhoso Código dito Florestal. O legislativo contraria a norma do aperfeiçoamento. Com esse Congresso, corporativista e alienado, não se poderia esperar que prevalecesse o bom senso e o sentir nacional.
       Em consequência, discordo do cabeçalho dos jornalãoes que proclamam a derrota de Dilma na votação. Senhores diretores de redação, não se iludam porque o derrotado em verdade foi o Brasil.
      Quando vejo estampadas as largas,  risonhas carantonhas desses senhores me pergunto de que esses pobres de espírito riem ? De berrarem a céu aberto a sua estulta discrepância com o avanço da ciência ?  
      Ao invés de adequar o código ambiental ao progresso do conhecimento e à experiência ambientalista, eles tratam de piorá-lo pensando agradar os burgos podres de onde saíram.
      Ao favorecerem o desmatamento e a perdoarem as multas das queimadas irresponsáveis, não estão dando apenas um mau exemplo, eis que abrem caminho para novas catástrofes naturais, ao aprovarem ulteriores devastações a par da margem dos rios.
      Quis Mãe-natureza proteger essas margens com as matas ciliares. Tais senhores são ainda mais culpados do que os agricultores que abatem a floresta. A maior parte desses últimos agem por ignorância, e desguarnecem as barreiras naturais movidos pela estúpida ganância dos que não sabem o que fazem.
     Ninguém vá pensar que seria também o caso desses líderes de trampa, na palavra de um presidente já falecido. Como o governador que arremeteu contra as áreas de proteção permanente não podia nem invocar a inexistência de inundações e outros desastres correlatos, dada a  trágica frequência a assolar o seu estado, tampouco tais deputados podem refugiar-se nas pias crenças de favorecer a produção.
     Como as cigarras da fábula, eles cuidam de viver o momento. Mas delas diferem quando as estações mudam. Dirão haver cumprido a sua parte. O que vier depois o atribuirão à fatalidade e deixarão por conta dos que no campo festejarem essa dúbia dádiva o que de mal lhes venha a ocorrer.
     Colhendo o que Lula da Silva demagogicamente plantou, com sua despejada série de suspensões de multa (a par da MP da Grilagem e quejandos), a Presidente Dilma Rousseff agita o veto a esse parecer do Deputado Piau, que está eivado de disposições anti-regimentais.
     Pergunto-me onde estava a bancada do P.T. que perdeu a energia de antanho, e se deixa dominar pelos ruralistas. Ignoram acaso os recursos regimentais ? Viraram carneiros, eles que na oposição defendiam com fervor as respectivas posições ?
     Ouvi que o Planalto na jornada de ontem – nesse Congresso das quartas-feiras – fez tal e tal apelo, buscando demover os senhores deputados de suas nefastas intenções. Permitam-me discordar da palavra apelo. Se os poderes são autônomos, o Palácio do Planalto não é o reduto de uma lider desprovida de influência, alguém que lá tenho ido parar por capricho da sorte. Além do Poder Executivo, dispõe da maior bancada na Câmara, e em torno dessa está cozida uma enorme base de apoio.
     Será que tudo isso só existe para indicar representantes e satisfazer as petições dos estados respectivos ?  Será que essa gente só ouve os chamados quando é do seu interesse imediato ?
    Há muitos meios ainda de desfazer esse atentado contra o nosso maior recurso natural. A inabalável resolução de uma luta sem peias é apenas um desses meios. Se a Presidente da República se conscientizar da real importância da questão ambientalista e agir em consequência, em campanha resoluta, verá em breve que essas carrancas sorridentes, essa falsa maioria de 274 votos em breve virariam nota-de-pé-de-página, dentro da saga ecológica.
    E não se esqueça, Senhora Presidente, que ameaças só se fazem quando se tem a intenção de cumpri-las.



( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Luta pela Justiça

                                    
Na Ucrânia

        
       Declarou greve de fome a corajosa líder da oposição ucrâniana, Yulia V. Timoshenko, que cumpre pena de prisão, decretada a mando do Presidente Viktor F. Yanukovich, no que foi interpretado como punição política instrumentalizada judicialmente. Por estreita margem de votos, Yanukovich em 2010 vencera a eleição presidencial contra a antiga Primeira Ministra.
        Semelha muito provável que a sentença de sete anos ditada por um dócil juiz seja a maneira encontrada pelo Presidente ucraniano – valendo-se das práticas usuais na região – para desvencilhar-se da determinada e popular rival.
        A greve de fome se deve aos maus tratos inflingidos por guardas carcerários, quando Yulia se recusou a deixar a sua cela na sexta-feira passada, para submeter-se a um check-up.
         O promotor da região de Kharkov, onde se localiza a prisão da ex-Primeiro Ministro, confirmou que os guardas a tinham retirado a força, mas que não havia prova de que tivesse sido batida.
          Na terça-feira, deputados do partido ‘Pátria’ realizaram um sit-in no Parlamento, exigindo que deputados com prática médica fossem autorizados a visitar a senhora Timoshenko, para avaliar o seu estado de saúde.
          Yulia se queixa, além de outros problemas de saúde,  de severas dores nas costas. Sob pressão, as autoridades deram permissão para  que receba tratamento médico em uma clínica de Kharkov (cidade industrial na Ucrânia oriental). A líder da oposição não indicou por quanto tempo pretende continuar a sua greve de fome, mas entende prosseguir “ com firmeza e com dignidade a despeito de tudo”.
          A União Europeia tem aplicado sanções e formulado protestos acerca dos procedimentos do governo ucraniano, que muito se vão assemelhando aos do ditador Alexandr Lukashenko, da Bielo-Rússia. Diante do escândalo do tratamento dispensado à Yulia Timoshenko, a U.E. e o Ocidente deveriam tomar medidas mais enérgicas que tornassem mais onerosas para Viktor Yanukovich as suas tropelias e o despejado emprego da Justiça com escopo autoritário.



‘Legalização’ de assentamentos de colonos


        O Gabinete Netanyahu tenta legalizar mais três assentamentos de colonos na Margem Ocidental, em novas invasões de terras palestinas. Como se sabe, o governo de Benjamin Netanyahu é uma coalizão multi-partidária, com um marcado viés de direita. Nessa aliança – a qual garante a sustentação política do ministerio no Knesset - está o partido dos colonos extremistas, que exigem de Netanyahu que atropele as ações legais contra as construções não-autorizadas em terras palestinas.
       Dentro dessa marcha insana que busca apoderar-se da maior extensão possível de terra destinada para um Estado palestino, o Primeiro Ministro sofre a acrescida pressão dos colonos, que, inclusive, ameaçam com crise ministerial. Dada a sua postura pró-colonos, até o presente a coalizão encabeçada por Bibi Netanyahu tem evidenciado  estabilidade pouco comum em Israel. O problema está nas repetidas concessões às invasões ilegais dos colonos, e a consequente deterioração nas relações com a Autoridade Palestina.
         As negociações de paz foram interrompidas há mais de três anos justamente por causa dos assentamentos ilegais. Netanyahu, com questionável boa fé, diz que a questão dos assentamentos será resolvida pelas negociações de paz. Sem embargo,  o que governo promete por um lado, inviabiliza por outro, eis que dá apoio por baixo do pano para que os colonos utilizem  as suas ‘posições avançadas’ para apoderar-se de mais terra da margem ocidental. Para tanto, os industriosos colonos utilizam formações (‘clusters’) de casas e de casas móveis para aumentar sua presença no território palestino (sem contar os existentes 120 assentamentos ditos autorizados).
        A ilegalidade da colonização israelense ignora as Convenções de Genebra, que proibem assentamentos de colonos em terras ocupadas (em função do conflito de l967). Atualmente, quinhentos mil judeus estão instalados nesse território.
       Uma eventual solução para a questão palestina só poderá vir com o apoio estadunidense. Em ano eleitoral, no qual Barack Obama luta para lograr a reeleição, não se há de esperar que ele cometa harakiri político, adotando uma posição mais firme em relação às partes em litígio, sobretudo quanto à implementação das Resoluções do Conselho de Segurança, que asseguram os direitos da Palestina. Como sempre, qualquer apoio dos Estados Unidos que viabilize solução equânime para esse anoso problema só é concebível politicamente durante o segundo mandato do Presidente americano.
        Se Obama souber negociar a travessia  entre o rochedo de Scylla e o redemoinho de Charybdis, uma vez resolvido favoravelmente o desafio dos comícios de terça-feira, seis de novembro, ele poderá dispor de condições políticas de afinal encaminhar  a Questão Palestina para uma solução aceitável para as Partes, e sobretudo para o sofrido Povo palestino. Muitos outros já tropeçaram neste caminho. Se Barack Hussein Obama enfim o conseguir, não será pequeno o passo, nem diminuto o seu papel histórico.



( Fonte: International Herald Tribune )

A Nova CPI e suas Interrogações

                              
      A gênese desta CPI, assim como o seu objetivo, podem torná-la   canhão solto em convés de  velha nave. A direção de seus tiros tenderá a ser imprevisível se não  lograrem controlar-lhe o objetivo.
     Muitas surpresas saíram de antigas CPIs, a despeito da intenção de seus autores, que pensavam estar em condições de mantê-las sob controle.
    O finado Orestes Quércia tinha, por vezes, esse condão. Possuir a maestria de conduzí-las à simbólica pizza não é coisa de somenos.
    O problema com a atual CPI Mista estaria na sua potencialidade autofágica. Parafraseando o saudoso Aporelli, no seu entorno pairam no ar muito mais coisas do que os aviões de carreira.
    A ideia inicial da CPI que investigará o bicheiro Carlinhos Cachoeira partiu do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fê-lo com a alegada intenção de colocar o próprio desafeto, o governador Marconi Perillo  (PSDB-GO) em dificuldade.
    Lula quer dar o troco da revelação de Perillo  que alertara o então Presidente da República da existência do mensalão. Falar nisso para Lula já é anátema, e ainda mais supostamente tirar-lhe o tapete da defesa de seu desconhecimento na matéria.
   As últimas eleições mostraram, se preciso fosse, que Nosso Guia cultiva rancores e sabe dar-lhes a respectiva paga.
  Em política, no entanto, nem sempre o ressentimento se afigura  bom conselheiro. Enevoa o raciocínio e leva quem o guarda dentro de si a tomar iniciativas de que talvez se arrependa no futuro.
  Tome-se, por exemplo, a presente CPI, de que o projeto terá partido de Lula da Silva. Segundo consta, colheu a pupila Dilma Rousseff de surpresa, pois manda o bom senso político que o poder imperante fuja do tão brasileiro fenômeno da CPI como o diabo da cruz.
   Acresce notar que ainda mais do que o comum das CPIs   sabe-se como começam, mas não como acabam – a presente CPMI, dita do Cachoeira, dá muitas aberturas de ataque, e por isso não semelha o instrumento mais aconselhável para ser manejado em público, eis que, como o canhão da estória, só tem uma característica, a da temível imprevisibilidade.
   Lançada assim pelo ex-presidente, vista com compreensível inquietude pela presidente em funções, ela tem sido definida por muitos como aquela em que todos são passíveis de ser atingidos, verdadeira briga de foice em quarto escuro.
   O Palácio do Planalto tomou as cabíveis providências, apontando para relator um deputado aliado (Odair Cunha PT-MG) enquanto o seu presidente deverá ser o senador Vital do Rego (PMDB-PB).
   Nos números, o quadro seria favorável para o governo, dada a disparidade entre situação (41) e oposição (14), com oito independentes. Para completar a ajuda, Renan Calheiros (PMDB- Al) escalou políticos suplentes e inexperientes, deixando para o PT a tarefa de blindar o Planalto. O Deputado Cunha é indicação do Planalto. Candido Vaccarezza (PT/SP), preferido de Lula, volta a ser escanteado por Dilma.
    O Presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), com a sua experiência, disse que o Congresso viverá  “algum tempo de muitas revelações e turbulências”.
   É justamente por isso – caracterizam as CPIs a imagem da retirada dos (maus) espiritos do frasco, e a circunstância de ser um processo (em outras palavras, muitas CPIs se assinalam pelo imprevisto e, sobretudo, pelo relativo descontrole) – que os governos costumam temer  sua aparição e tudo fazem para exorcizá-las.
    Terá sido por isso que a menos experiente em política, a Presidente Dilma Rousseff não apreciou sobremaneira a ideia do político calejado Luiz Inacio Lula da Silva.Ao mexer esta peça no tabuleiro, será que Lula se deixou mover pela paixão, ao invés de, como nos ensina Platão, manter firmes as rédeas para que prevaleça o corcel da razão?




( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )     

terça-feira, 24 de abril de 2012

Notícias do Oriente


Das  Prisões  da  Bielo-Rússia

      Ao ditador Alexandr G. Lukashenko hão de incomodar as pesadas sanções baixadas pela União Europeia. A motivação das penalidades se deve à falta de liberdade política nessa antiga república da ex-União Soviética. Lukashenko está no poder desde 1994.Para alguns seria o derradeiro déspota na Europa, embora ainda existam muitas repúblicas nesse continente em que a democracia, essa tenra plantinha, pode ser apenas um disfarce, como, v.g., na Ucrânia.
       Lukashenko, que deve ser nostálgico dos tempos da URSS, sufoca impiedoso qualquer tipo de oposição e crítica. A economia bielo-russa pouco mudou desde aqueles tempos, eis que oitenta por cento da indústria se acha sob controle estatal.
       Por outro lado, esse país de dez milhões de habitantes, feudo de Lukashenko, dificilmente se manteria em tal situação não fora o apoio dado por Moscou, sua antiga metrópole.
       Sem embargo, tal arrimo pode sair-lhe caro. O próprio ditador Lukashenko já acusou o Kremlin de intentar solapar a sagrada soberania da Bielo-Rússia.
       Com as novas sanções de Estados Unidos e U.E. – congelamento de depósitos de autoridades bielo-russas e denegação de vistos -  o tirano procura margem de negociação ao libertar dois proeminentes políticos oposicionistas, i.e. o antigo candidato à presidência Andrei Sannikov e seu chefe de campanha, Andrei Bondarenko.
       Os dois políticos – atividade de alto risco na terra de Lukashenko – tinham sido trancafiados nas masmorras da ditadura, junto com outros setecentos elementos, pelo crime de ter disputado a presidência com o Senhor da Rússia branca.  Desde 2010 eles  estavam presos, por protestarem contra a generalizada fraude nas eleições presidenciais. Essa característica do pleito – que infelizmente não se cinge à Bielo-Rússia – havia sido denunciada pelos observadores ocidentais,os quais pelo visto não entenderam o propósito do bom Lukashenko de preservar o poder a todo custo.
      Não se sabe o que foi feito dos setecentos outros infelizes agrilhoados pelo ditador.



A  Ditadura  Islâmica  de  Teerã   

      Devemos acaso apiedar-nos dos mullahs (sacerdotes xiitas) da República Teocrática Iraniana ? Segundo discorre um especialista nas questões dessas agitadas terras, seriam da própria essência do regime as repetidas crises por ele enfrentadas.
      Já no tempo da monarquia do Xá Rezha Pahlevi as coisas não eram muito diversas para o iraniano que se atrevesse a contestar o regime. A despeito da revolução de que foi  símbolo o Ayatollah Khomeini, a extrema liberalidade evidenciada na luta  para derrubar o Xá – em que todos, inclusive os comunistas do partido Tudeh eram bem-vindos -, tão logo o ayatollah chegou a Teerã e instalou a islâmica república, as coisas mudaram radicalmente para os elementos, dedicados sem dúvida à causa da derrubada da monarquia, mas suspeitos de visões divergentes das intenções do Imã.
       Esse processo tem continuado, eis que, para desagrado dos mullahs, hoje mais gordos e afluentes pelos anos no poder, a insatisfação subsiste, com o obstindado dissenso ressurgindo, apesar de tudo.
      A guerra contra a tirania é uma longa e sofrida campanha. Até o presente, os clérigos autoritários têm prevalecido, e o seu atual representante é o Supremo Lider, Ali Khamenei que tem sofrido contestações até de ayatollahs de Khom, a cidade sagrada da seita xiita. No entanto, com a assistência da malta conservadora (o termo utilizado para os adeptos do poder discricionário dos mullahs) várias tentativas de liberalização do regime tem sido rechaçadas. O Presidente moderado Mohammad Khatami não logrou avançar no seu escopo democrático. Mais tarde, em protesto contra o esbulho das eleições fraudulentas de 2008, em que se ‘reelegeu’ Mahmoud Ahmadinejad, então aliado de Khamenei, despontou o Movimento Verde, liderado pelos dois candidatos prejudicados, i.e. Mir Hossein Mousavi e Ali Karroubi.
       Com a ajuda das milícias e dos Guardiães Revolucionários (além de tribunais kanguru), a insurreição civil foi abafada. Os expurgos se sucedem, na faina incessante dos truculentos defensores da ordem islâmica. Para tanto, as listas de candidatos costumam ser diligentemente escoimadas de indivíduos suspeitos de democratismo. Até que surja mais uma contestação, prossegue a ingente faina dos zelosos bedéis (e carrascos) da ordem personificada pelo Ayatollah Ali Khamenei.
       Se abstrairmos a dúbia motivação dos diligentes mullahs, se pode até sentir algo vizinho da comiseração por tal denodado esforço, que está na natureza da respectiva dominação, como nos ensina o artigo de Ray Takeyh,  especialista sênior no Conselho de Relações Estrangeiras.



O Atoleiro Sírio    


     Aumentam os observadores das Nações Unidas na conflagrada nação síria. Apesar da atual unanimidade no Conselho de Segurança, os resultados da anuência de gospodin Putin, o atual Primeiro Ministro e próximo Presidente da Federação Russa, com o incremento da presença da ONU na terra de Bashar, não têm, em verdade, muito contribuído para que o escopo do plano Annan, i.e., um armistício na Síria entre regime alauíta e o chamado exército livre da Síria possa ter alguma parecença com o almejado por Ocidente, Turquia e  Liga Árabe.
    O próprio, em geral cauteloso, Secretário-Geral Ban Kimoon não deixou de exprobar a Bashar al-Assad pelos contínuos bombardeios que alvejam os seus infelizes compatriotas em Homs e alhures.
    Malgrado muitos digam a boca-pequena do fracasso do plano das Nações Unidas, por falta de alternativa, ele continua de pé, não fora a presença de centenas de observadores sob a bandeira azul  da ONU, uma forma de constrangimento e de moderada pressão para conter uns tantos abusos do déspota sírio.
    Por carecer de persuasão mais forte e armada, a intervenção dos capacetes azuis em veste de observação exclusiva, não haverá de criar óbices maiores  aos desígnios do presidente Assad que, como se tem amplamente visto ao longo dessa comprida sublevação – que se acerca da marca dos dez mil mortos -  é bom de promessa, mas não de traduzi-las em efetiva realidade.
    O que tem, por ora,  salvo Assad de entrar na barca de Muammar Kaddafi são as circunstâncias de ainda dispor de exército bem municiado e fiel a seus comandos e o comovente apoio prestado pela Rússia (que impede a aprovação de qualquer intervenção internacional pelo Conselho).
    O único detalhe discrepante dessa teia de sustentação do ditador Bashar é a sua rejeição pela grande maioria da população síria. Queira gospodin Vladimir ou não, a dinâmica demográfica é contrária no seu incoercível curso aos veementes votos de al-Assad e sua base, que está em processo de encolhimento.
    Por quanto tempo isso irá perdurar, é uma outra estória.




( Fonte: International Herald Tribune )   


segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Eleição Francesa (I)

                                     
        As agências haviam dado vantagem maior para François Hollande (PS), no primeiro turno, chegando até quatro pontos percentuais. Por sua vez, prognosticaram que o candidato da extrema-esquerda, Jean Luc Mélenchon (P.E.) estaria colado à Marine Le Pen, do Front National, o que tampouco ocorreu.
         É de entender-se, portanto, que a maior animação esteve na sede de campanha de Nicolas Sarkozy (UMP). Com uma diferença de apenas 1,5% para o dianteiro Hollande, tudo está por decidir no segundo turno.
        As pesquisas indicavam uma vantagem do socialista sobre o Presidente no segundo turno (domingo, seis de maio) que atingia margem de dois dígitos.
        Com os totais do primeiro turno – a abstenção foi de 20% - semelha difícil que François Hollande possa manter uma tal distância do presidente.
       A popularidade de Sarkozy, muito alta ao ensejo de sua eleição de 2007, caíu bastante no curso de seu mandato, por um conjunto de fatores, em que o aumento da idade de aposentadoria terá sido o mais forte.
       Os dois candidatos que passaram para o segundo turno tem a mesma idade (57 anos), mas as semelhanças não vão muito além.  O triunfo de François Hollande sinalizaria mudança de rumo para a França, com a sua promessa de impostos mais altos sobre os ricos, e a ênfase no crescimento, ao invés da auteridade fiscal, o que há de provocar tensões com o principal parceiro, a Alemanha de Angela Merkel, assim como turbar os mercados que já veem com inquietação o alto índice de endividamento da França.
      Conforme  sua personalidade, Hollande não desenvolve campanha até agora que se assinale pela inventiva e pela capacidade de mobilizar o seu substancial eleitorado. No segundo turno, terá por certo a maior parte dos votos da extrema esquerda (11,1%), atribuídos a Mélenchon. Note-se que tal parcela efetiva encolheu bastante em relação às pesquisas, que chegaram a vaticinar-lhe a superação dos sufrágios de Marine Le Pen.
      O candidato do centro, François Bayrou, regrediu em relação  a 2007. Então tivera  18% dos votos, agora a metade, 9%. A transferência prevista dos sufrágios centristas tenderá a dividir-se entre  socialista e o presidente, não devendo ser, portanto, um fator determinante para a vitória de qualquer um dos dois.
      O que poderá decidir a eleição seria um afluxo maior do que o previsto de parte do Front National. Além de sua posição, estimada mais enérgica, no que tange aos tópicos da imigração e da segurança – e que podem ajudar Sarkozy a captar mais votos da extrema direita – que o presidente logre sustar que porção considerável da votação dada à Marine Le Pen engrosse as abstenções e lhe diminua, em consequência, o apoio da extrema direita.
       Dado o estigma que ainda persiste na posição do Front National – malgrado a maior habilidade da filha Marine em relação a seu pai, o proto-líder da extrema direita francesa, Jean-Marie Le Pen, na cosmetização do programa partidário, por muitos ainda considerado como na faixa externa do arco constitucional – Nicolas Sarkozy que sempre vincou, em momentos importantes, os respectivos pendores para posições de direita[1], terá, nesta fase decisiva, de navegar com cuidado redobrado, porque qualquer exagero nas aberturas para a extrema direita poderá redundar em sangria de votos de centro e daqueles eleitores da UMP – e não são poucos – que se sentem pouco confortáveis na companhia dos partidários da ultra-direita.
       De uma coisa se pode estar certo. As perspectivas de vitória do candidato socialista seriam muito maiores, na hipótese de que o PS fosse representado por Dominique Strauss-Kahn (DSK). No ano passado, no entanto, por uma conjunção desfavorável, em que de uma parte a velha luxúria, e de outra,  nunca foi bem esclarecido  quem realmente estava por trás da operação, protagonizada pela camareira Nafissatou Diallo,  guineense, o então Diretor-Geral do FMI, e pré-candidato putativo ao Elysée, viu vaporizar-se sua pretensão. Pouco importa que, por inexistência de provas convincentes, todas as acusações ao trêfego DSK hajam sido retiradas pela promotor distrital de New York, Cyrus R.Vance Jr. Os prazos de inscrição de candidatura já tinham vencido, dúvidas subsistiam, e a Nicolas Sarkozy – que, em trinta anos, é o primeiro presidente francês ameaçado de não-reeleição – se deparam, de repente, melhoradas as próprias possibilidades, diante da intrínseca falta de brilho do candidato socialista François Hollande.




( Fontes:  International Herald Tribune, O Globo )       



[1] como a promessa de combater  ‘la racaille’ (a ralé), quando da onda de incêndios de protesto nos subúrbios de Paris e outras cidades francesas.

Notícias do Front (16)

                                     
        Fraqueza Diplomática ?

        Há limites para a inação em tudo, inclusive na diplomacia. O fato de o país em que um agente diplomático esteja acreditado ambicione manter boas relações com o país acreditante não interfere com a atitude a ser tomada caso este diplomata proceda de modo inconveniente.
       A maneira com que o senhor Hekmatolla Ghorbani procedeu em um clube de Brasília no sábado catorze de abril está fora de qualquer marco de bom comportamento social. Definir isto como  ‘mal-entendido’ é o cúmulo do cinismo, ainda mais partindo de  cultura em que os diplomatas evitam o cumprimento do aperto do mão com as esposas dos agentes diplomáticos.
       Aqui não se trata de pedir explicações sobre procedimentos inaceitáveis, testemunhados por um bom número de pessoas. O Brasil, sendo país soberano, signatário de Convenção de Viena, deve saber que há duas soluções factíveis para esse caso. Ou a missão iraniana é, de forma voluntária, convencida quanto à conveniência da imediata partida do diplomata, ou, na hipótese de recusa, tê-lo declarado pela Chancelaria brasileira persona non-grata, o que implica na sua imediata remoção de nosso território.


A Votação do Código Ruralista


        Concordo plenamente com o artigo publicado pela Folha a 21 do corrente, de  autoria de Leão Serva, sob o título : ‘O novo Código Florestal é um avanço ? NÃO  - Uma proposta indecente (e vingativa)’.
       Na verdade, o que ora assistimos é a continuação da longa tramitação desse arremedo de Código, que tenho chamado de Ruralista. Na legislatura passada, presenciamos a obra regressiva perpetrada pelo Senhor Aldo Rebelo (PCdoB-SP), conduzindo o seu alegado relatório por cerca de setenta audiências, às quais teve o nímio cuidado de não convidar qualquer especialista em meio-ambiente digno desse nome. Decerto, não lhe aproveitaria o parecer e os contributos de cientistas, técnicos e pessoas inteiradas dos avanços da ecologia e de maneiras inteligentes e atualizadas de estabelecer  convivência sustentável com mãe-Natureza.
       Ontem foi o Dia de Gaia, que aqui pelo visto não se comemora.
       Não poderia concordar mais com o que aponta o jornalista Serva, acerca da distorção na representatividade eleitoral. De resto, a leitura do meu blog demonstra que também para mim aí está a causa precípua desse apoio por inchadas maiorias a proposições que são rechaçadas pela sociedade civil.
       É relevante que se exponha o autismo das autoridades brasileiras com relação a esta proposta indecente, costurada por um outro deputado, o senhor Paulo Piau (PMDB-MG), que na sua nefária obra é um  seguidor de Rebelo. Somos os anfitriões do Rio + 20, e, no particular, o governo exibe estranho comportamento para honrar tal evento.
      Ao invés de assumirmos os progressos da ciência no campo do ambientalismo, parece que nos associamos ao melancólico amálgama dos inimigos do meio-ambiente, que seguem a política de Esaú – o prato de lentilhas da devastação e da alienação seria preferível à sensata escolha de Jacó !
     Não me reporto àquela curiosidade fajuta, feita para simular possível espírito aberto ao ambientalismo. De que serve pretextar interesse em esquemas ecológicos em que a criação de gado e a agricultura podem coexistir com a preservação da floresta, como referiu o Presidente Lula da Silva a um especialista estrangeiro de renome ? A valia dessa abertura – pedir documentação para melhor informar-se – é  gesto hábil e esperto, mas nada aproveita se da formulação de tal pedido nenhuma sequência prática há de ocorrer. Pois esta matreirice tem fôlego curto. E todos sabemos para onde foi a profusa literatura que o especialista renomado terá enviado ao Palácio.
     Depois disso, alguém se surpreenderá se as multas aos devastadores continuaram a ser suspensas, e se MPs vergonhosas, como a da Grilagem continuaram a cevar a fome de desmatamento e desrespeito ?
    Se as falsas maiorias na Câmara refletem o descalabro do sistema representativo em nossa terra – voltamos, sobretudo por imposição do regime militar, à era dos burgos podres, derribados na Inglaterra, na terceira década do século XIX,e de forma pacífica, pelas reivindicações de eleitorado que não via a sua vontade refletida pelo Parlamento – nossos governantes, com a sra. Dilma Rousseff à frente, devem honrar seus compromissos com a democracia autêntica e com o interesse nacional.
   Salta aos olhos que não consulta ao  Brasil que dilapidemos o  patrimônio de recursos naturais, que é único no mundo, pela ganância de muitos e pela demagogia de uns poucos, que julgam aceitável desfazer   obra de gerações.
   Mostre ao Brasil, senhora Dilma Rousseff, que não foi em vão que assinou o compromisso ambiental, às vésperas do segundo turno de sua eleição.
    Haverá muitas maneiras legais de interromper esse infausto cometimento da caricatura de mau gosto de novo Código Florestal. A sua Ministra do Meio Ambiente, pesa-me dizê-lo, não tem a força nem a determinação que tal grave ameaça ao patrimônio do Brasil faria por merecer.
    Melhor do que vetar o aleijume do Código Ruralista, saído da alfaiataria Rebelo – Piau, será exibir interesse e empenho na questão, reações até o presente não detectadas. Se o Congresso está em descompasso com o sentir da Nação, a Presidente não pode ficar inerte diante deste lamentável estado de coisas. Se o ambientalismo lhe pareceu importante para conduzi-la à Presidência, no momento presente a senhora carece de mostrar autêntica liderança a respeito, fazendo as consultas imprescindíveis, e tentando incutir bom senso a quem, embriagado por falsas poções, se acredita senhor também da destruição e do insolente perdão às multas suspensas por Lula da Silva.
    Se a senhora é mesmo uma lutadora e líder engajada em justas causas, esta é uma delas. Não é do seu interesse lavar as mãos em bacia de prata. O impossível não existe na política. Há muitos meios legais de impedir que esse verdadeiro Frankenstein venha, para nosso opróbrio, transformar-se em vivo ultraje ao testemunho e ao legado de Chico Mendes.  




( Fontes: O Globo,  Folha de S. Paulo )