segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Rescaldo da Semana

                                    
Ministério do Esporte

        Mais um que se foi – o quinto por causa de ‘malfeitos’. Além das respectivas, não creio que  muitas lágrimas serão vertidas. A nova escolha, segundo consta, não é  de sumo agrado de d.Dilma.
       No particular, sem exageros, peço vênia para discordar da Presidenta.
       Aldo Rebelo, malgrado a notória relatoria do projeto de Código Florestal, traz um perfil que pode não continuar a prática de apparatchik partidário.
      Nesse contexto, está entre revelador e inquietante a disposição do estatuto do PCdoB de que os seus filiados em cargos públicos estejam “a serviço do projeto político partidário”.
      Dada a utilização pregressa, no mínimo questionável, Aldo Rebelo diz que será ministro de estado e não do partido.
     Por outro lado, o presidente do PCdoB, Renato Rebelo, com fala macia alude, em seguidas inserções da propaganda partidária gratuita, que se revelaram mentirosas as insinuações de desvio de recursos.
    No capítulo, creio que, com o respeito devido à longa militância de R.Rebelo, seria mais oportuno aguardar o desenvolvimento da anunciada porfia do ex-ministro Orlando Silva em defesa de sua honra.
    Como a C.G.U. questiona a lisura de muitas transferências para ONGs, será importante aguardar que todas as dúvidas sejam sanadas, para que então se dê o necessário realce à feliz confirmação do vaticínio do presidente do PCdoB.


As muitas faces do Enem   
 
     A disposição do público do Enem – aquele que enfrenta os exames e as exigências regulamentares, por vezes de assustador burocratismo – se tem comprovado mais do que animadora. Com efeito, grandes são as levas de estudantes secundários que acorrem confiantes a esse enorme sucedâneo de vestibular nacional.
     Sem embargo, seria de esperar que houvesse de parte das autoridades do Ministério da Educação uma contrapartida à altura de tão jovem e meritório esforço.
     Infelizmente, não é o que se vê.  A confirmação do sempre loução ministro Fernando Haddad  esteve algo claudicante com a sucessora do Presidente Lula.
     No penúltimo episódio dos erros que infestam a aplicação do Enem, a par do puxão de orelhas, o Ministro Haddad teve as férias interrompidas, para que melhor cuidasse da questão.
     Pelo visto, o dever de casa continua a ser feito de forma insatisfatória, com novo vazamento de quesitos, agora em colégio do Ceará.
    Seria como, após tanto denodado estudo, o esforço estudantil tivesse uma dúbia e injusta paga. Pairam ameaças de cancelamento do exame, em função de ações do Ministério Público.
    Apesar dos iterados escândalos e da consequente incerteza, não  provém do alto paço do Senhor Haddad resposta condizente com a situação. Ao invés dessa benévola e simpática negligência, Sua Excelência não pretende mudar seu programa de pré-candidato à Prefeitura, e por isso deixa o trato do assunto entregue aos subordinados em Brasília.
    Aliás, pululam as evidências ao longo dos últimos anos que a atenção do Ministro Haddad não semelha excessivamente dedicada aos recorrentes problemas do Enem, que não logra desvencilhar-se de sucessão de mazelas.
    A despeito, assim, do seu proclamado brilho acadêmico, ele não parece ainda em condições de assegurar burocrática e serena realização dos ritos de passagem do estudo secundário ao universitário.
    Tudo indica que é mais do que tempo de abandonar essa dúbia via dos remendos, e repensar a aplicação da prova ideada por Paulo Renato Souza, de modo a que enfim logre adentrar no remanso de eficiência e discrição profissional.
    Outra coisa não desejam os seus milhões de inscritos.



( Fontes:  O Estado de São Paulo, O Globo )  

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A Negação Americana do Aquecimento Global

                
        A posição americana em relação à influência humana no aquecimento global variou negativamente quanto à situação na eleição presidencial de 2008. Então, ambos os candidatos – John McCain e Barack Obama – advertiram sobre a responsabilidade do homem no incremento da temperatura média da Terra, e manifestaram  apoio à legislação para controlar as emissões de gás carbônico.
        Depois de eleito, Obama prometeu abrir ‘um novo capítulo na liderança americana sobre a mudança climática’ e tentou estruturar um pacto global na Conferência de Copenhague.
         Desde então, tanto a suposta liderança americana na questão climática, quanto a própria atitude da população declinou no que respeita a  preocupação acerca da gravidade da situação e da necessidade de se fazer algo para conter o processo.
        Se levarmos adiante a análise, veremos não só que o país está dividido, mas também que a Administração Obama passou, na prática, a recusar a assunção de  postura pró-ativa na questão ambiental.
        Que a União Americana esteja cindida politicamente não é novidade. A premeditada opção pela ala do Tea Party na Câmara de Representantes de utilizar a ocasião de revisão do teto da Dívida Pública – em operação política que teria sido urdida pelo líder da Maioria, Eric Cantor (R/Va) – configurou manobra irresponsável, em que o status creditício estadunidense foi instrumentalizado, visando o GOP alcançar ganhos sectários. Não demoveu Mr. Cantor de seu desígnio a circunstância de que a manobra envolvia questão de interesse nacional, com a agravante de que, excetuada tentativa malograda também republicana na presidência de Bill Clinton, a necessidade de alterar o teto nunca deixara de ser encarada pelo que realmente era - um pormenor burocrático, a ser atendido consensualmente pelas duas bancadas. Afinal, as anteriores representações democrática e republicana se pautavam pela plena consciência de que há temas cuja relevância os coloca fora do âmbito do natural antagonismo político entre situação e oposição. Tais temas não admitiriam, portanto, manobras de extorsão.
        Foi esse modus vivendi que o Presidente Barack Obama permitiu fosse quebrado. A indecisão  de Obama seria a coadjuvante ideal para o plano de Eric Cantor. Comprovada a impossibilidade de o Speaker John Boehner (R/OH) co-patrocinar  acordo bipartidário na matéria, Obama – que dispunha da instrumentália política para forçar um entendimento pela emenda constitucional nr. 14 – preferiu, como é seu hábito, recuar, a ponto de o ‘acordo’ sobre o novo teto da dívida assinalar um dos momentos mais patéticos na claudicante liderança de Obama.
       Antes de examinarmos a estranha negação de boa parte da opinião pública americana em admitir que a crise ambiental é um tema não-controverso, porque determinado cientificamente, seria importante perguntar-se por que um fato tão abstruso ocorre.
       Não é crível acreditar que o americano médio tenha cultura e sobretudo discernimento tão limitado a ponto de tornar-se joguete da poderosa indústria de combustíveis fósseis. Sabemos que os irmãos Koch, os notórios magnatas petroleiros com sede em Wichita, no Kansas, tudo fazem para solapar as informações dos expertos e cientistas ambientais – assim como por interpostas corporações e pessoas combatem as resoluções ecológicas e de controle das emissões votadas pelo estado da California. Mas semelha demasiado supor que a sua capacidade suasória seja suscetível de mascarar uma realidade que se tem imposto no território continental americano, com o incremento desmedido de violentos tornados, desastrosas inundações e  furacões com inusitada força.
         A obtusidade diante dos fatos só tende a prevalecer se há muitas muletas e biombos disponíveis para induzir segmentos da população americana a acreditar na premissa de que a questão ambiental é de índole política e não científica. Mesmo se abstrairmos da análise os grupos que têm interesses materiais em jogo e que, por falta de qualquer sentido ético, não refugam contraditar as provas científicas e adulterar os fatos do aquecimento global (e o consequente derretimento das calotas polares), continuarão desenvoltamente em cena percentuais inquietantes de alienação ecológica.
         O primeiro absurdo americano é que lá  o ambientalismo está consignado entre os tópicos políticos. Tal despautério não se repete em nenhum outro país desenvolvido.  Dessarte, 75%[1] dos conservadores de quatro costados (staunch conservatives), 63% dos chamados libertários (conservadores que propugnam um estado mínimo) e 55% dos republicanos tipo Main Street (a visão conservadora usual, com menos impostos e menos ajuda a desempregados e pobres) não acreditam na existência de provas de que haja aquecimento global.
        Por sua vez, 75% dos democratas pensam que sim, há evidências sólidas quanto à realidade do aquecimento global.
       Como se vê, a politização do ambientalismo é um dado decerto preocupante quanto à capacidade mental do americano médio de lidar com a realidade. Em décadas precedentes, o diferenciamento estadunidense, com as suas idiossincrasias, era explicado como motivado por considerações de índole imperial.
       No entanto,  assertiva desse gênero dificilmente se coaduna com a atual situação nos Estados Unidos, em que têm livre trânsito considerações sobre o declínio da América. A esse respeito, em blog[2] anterior, me ocupei deste tema que é o objeto de diversos artigos, e que versam igualmente a crise econômica a refletir-se mais intensamente no interior americano, com o desemprego e a falta de perspectivas, em matérias dedicadas à chamada América profunda.
       Não será, portanto, devido a  altaneria fora de contexto que se explica tal esdrúxula negação. Essa tendência a negar uma realidade que poderá provocar alterações no respectivo ethos – v.g., não utilizar carros de alta cilindrada, e contribuir para reduzir a poluição, privilegiar outras energias que não as de origem fóssil, etc. – e implicar em mais dispêndios (não importa se para um mundo melhor), tudo isso traz à baila a condicionante política da oposição à causa ambiental. O míope egoismo desses segmentos populacionais torna-se de adoção mais fácil se escantearmos a sua principal motivação, mascarada convenientemente por uma posição dita de princípio: a negação científica do ambientalismo.
           Como se verifica, a posição do cidadão comum republicano – nas suas várias regressivas correntes – não difere tanto assim, em termos éticos, dos princípios defendidos pelos bilionários irmãos David H. Koch e Charles G.Koch, seja nos seminários fechados no deserto da Califórnia (de que participam juízes conservadores da Suprema Corte), seja nas iteradas tentativas de derrubar resoluções ambientalistas sufragadas pela Califórnia.
           Há, contudo, um outro elemento importante cujo efeito infelizmente não pode ser subestimado. Reporto-me à circunstância – verificável tanto em republicanos, quanto democratas – em termos de renúncia a papel de liderança no particular.
         No GOP – e tal decerto surpreende menos – existe um verdadeiro deserto de líderes que se proponham – como John McCain o fez em 2008 – a aventar e discutir o desafio colocado pela questão. No capítulo, a afirmativa do governador do Texas Rick Perry, um dos principais pré-candidatos, de  que não está determinado pela ciência” se a atividade humana causa aquecimento global, não mereceu qualquer opinião discrepante do punhado de outros concorrentes, com a única exceção do quase desconhecido Jon M.Huntsman Jr. (com 2% de preferências) que ousou asseverar que confia na opinião dos cientistas de que o problema é real.
          Em não desejando contrariar quer os preconceitos, quer os interesses egoísticos de seus simpatizantes, os políticos republicanos estão engrossando o coro de o que devem saber é uma farsa. Pode-se imaginar que Mitt Romney, o ex-governador do Massachusetts realmente acredite em tais baboseiras ? Talvez a própria pergunta não tenha razão de ser se tivermos presente que ele denegou a reforma federal da saúde aprovada em 2010, posto que seja muito similar a que fora aprovada durante o seu governo estadual – que também renegou, curvando-se à geral rejeição pelo GOP da primeira reforma geral de saúde pública nos Estados Unidos, desde a década de sessenta (por eles pejorativamente designada como Obamacare).
         Gostaria de deter-me por aqui, mas serei relembrado haver dito existirem democratas que se abstêm de liderar movimentos de maior conscientização ambiental.
         Creio que basta no capítulo referir-me ao Presidente Barack H. Obama. Na matéria, assinale-se que permitiu, por considerações de oportunidade política, que nada fosse aprovado em termos de medidas de proteção ambiental pelo Congresso americano por força dos parâmetros acordados na Conferência de Copenhague.
         Mas as faltas da Administração Obama em matéria ambientalista são tanto por omissão, quanto por comissão. Na coluna da omissão, anote-se o lamentável silêncio presidencial no último discurso sobre o estado da União. Nenhuma palavra sobre meio ambiente passa uma falsa mensagem ao povo americano, como se fora assunto que não merecesse sequer inclusão na sua fala anual perante as Casas do Congresso.
         A omissão de Obama também se nota penosamente com a não-utilização do bully-pulpit de que se serviu o primeiro Roosevelt[3], para difundir assuntos de relevo e que devam ser objeto de consideração pelos concidadãos. Ao invés, temendo talvez desagradar a eleitores, Obama, somente em função do argumento de o assunto haver ficado controverso, cede uma vez mais, e o que era importante deixa de sê-lo.
         O presidente Obama tem sido acoimado por mais de uma vez por sua negação em liderar o povo americano. Se corroborada,  é inquietante característica. Será possível admitir que um presidente  eluda a missão de ser líder, no caso de questões por ele avaliadas como suscetíveis de dissenso ?
         Por fim, cabe registrar os atos por comissão da Administração Obama nesse domínio. Assim,  o governo americano envida esforços e gestões para que se isentem as companhias aéreas americanas do projeto da União Europeia de cobrar pelas emissões de dióxido de carbono ao aterrissarem nos aeroportos europeus. 
         As providências não necessariamente ecológicas não param por aí.  Parece iminente a aprovação de  oleoduto de cerca de três mil e duzentos quilômetros através do Canadá até os Estados Unidos, para transportar uma espécie de petróleo cuja extração lançará níveis relativamente altos de emissão de gases na atmosfera.
         São atos e medidas na contramão do empenho ambientalista, que pela sua natureza carece de ser implementado em comum e de forma solidária. Quem desrespeita a norma, trabalha não só contra si próprio, senão contra a Humanidade.
          Para quem almejava liderar a campanha por uma atmosfera melhor para esta e futuras gerações...



 ( Fonte: International Herald Tribune )



[1] Os dados fornecidos a seguir foram coligidos pelo Centro Pew de pesquisa.
[2] O Futuro dos Estados Unidos, de 18 de outubro corrente.
[3] Theodore Roosevelt, presidente de 1901 a 1909 (Rep.).

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O Homem Doente no Governo

                                 
        O PCdoB se tem valido de forma questionável da oportunidade de sua vez na propaganda política obrigatória na tevê para tentar rebater acusações contra militantes seus –  em especial, o Ministro do Esporte, Orlando Silva – envolvidos em suspeitas de desvio de recursos públicos para fins privados ou pertinentes à sua indevida utilização pelo caixa partidário.
        Não se pejam de ignorar, pelo menos considerações éticas, ao se valerem desse espaço de publicidade na mídia em horário nobre. As assertivas, vindas da direção gremial e do próprio ilustre acusado, navegam em negações genéricas e referências apaixonadas ao que acreditam seja a reputação da agremiação.  Não é crível de resto que a legislação em tela seja consentânea a tal instrumentalização, eis que o escopo precípuo da lei será o de apresentar o programa do partido, e não o da defesa contra increpadas falcatruas (para tanto existem meios apropriados, que abrangem inclusive o contraditório processual).
       Por falar em utilização indevida, Anita Leocádia, filha de Luis Carlos Prestes e Olga Benário, verberou em carta a utilização indevida na propaganda partidária do PCdoB  do nome de seus pais. Que uma associação cismática a que nunca pertenceram seja o Cavaleiro da Esperança, seja a heróica vítima do nazismo (com a abominável cumplicidade do Estado Novo) se haja prevalecido de suas imagens sequer carece de ulterior condenação, por bem espelhar o caráter antiético desse gritante desrespeito à inteligência e ao respeito públicos.
      Quanto à permanência de Orlando Silva no gabinete,ela é um desserviço não só aos supostos princípios éticos da faxina da Presidente Dilma Rousseff, como ao próprio partido a que pertence.
      Aceita a denúncia pelo Supremo Tribunal Federal, e aberto o processo que lhe é movido pelo Ministério Público, grita aos céus que Orlando Silva não tem mais condições políticas de responder pela pasta do Esporte, fragilizado como está, em momento da importância do presente, com as difíceis negociações em curso com a FIFA (cujos ávidos representantes  agem como se fossem agentes de potência imperial, com prerrogativas acima da soberania do país anfitrião).
      É mais do que hora de terminar com essa opera buffa. Velhas gratidões não devem ser pagas com o público prejuízo. Ou o Ministro Silva se capacita de que a sua hora de ministrança já se esvaíu em termos do interesse do governo de dona Dilma – que é pensado servir à coisa pública – ou a Presidenta se arma da coragem que deveria ser atributo de quem está na mais alta curul pela vontade da Nação, e convoca para sucedê-lo alguém que esteja em condições de assumir tal responsabilidade.


(Fonte:  O Globo )

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Os últimos dias de Kaddafi

      
          No dia em que Trípoli caiu – domingo, 21 de agosto – Muammar Kaddafi teve de iniciar a sua fuga. Permanecer na capital se tornara impossível, com a tomada de Bab al-Aziziya, o fortificado centro residencial aonde se homiziara. Os vastos salões daquele singular complexo refletiam os hábitos e o nível sócio-intelectual do coronel e de sua família. Ali, a riqueza e a opulência próprias  de seu círculo não podiam comparar-se aos palácios de antigas dinastias, mas sim constituíam o espelho de sua inerente vulgaridade, descambando mesmo para a cafonice,considerando o gosto ocidental dos mais sofisticados.
       Como que traumatizado pelo infortúnio, Kaddafi daria poucas ordens. Fugir para Sirte, o seu berço natal, foi decisão do filho Muatassim. No entendimento deste último, por ser considerada reduto importante das forças legalistas, e por isso bombardeada com frequência pela  OTAN, Sirte seria avaliada pelo CNT como um muito pouco provável esconderijo do ditador.

A Estada em Sirte.

      O pequeno comboio do líder da Jamahiriya chegou em Sirte passando pelos bastiões legalistas de Tarhuma e Bani Walid. Por temer que o respectivo telefone de satélite já houvesse sido localizado pela OTAN, Muatassim adotou a que me parece sensata decisão de viajar em outro comboio separado. Acompanharam Kaddafi cerca de dez pessoas, entre assessores e guardas.
      Uma vez chegados a Sirte, o comando do destacamento de defesa ficou a cargo do filho Muatassim. Lá estava congregado o que se poderia chamar o núcleo duro da rede legalista. Pela dedicação das forças,  nível de treinamento bélico, assim como armamento e  quantidade de munição reunidas, ficam mais inteligíveis os cerca de dois meses de resistência.
      Assinale-se que, a princípio, os ataques dos rebeldes foram rechaçados com facilidade. Não estavam os combatentes do CNT, na verdade, preparados para o poder de fogo do reduto legalista. Pensando que se renderiam com a presteza de outras cidades, os agrupamentos rebeldes subestimaram o adversário. Tardou para que se dessem conta da necessidade de  barragem de fogo sustentada para desbaratar o núcleo, que resistia com a firmeza daqueles que não mais dispõem de opções de retirada. Após a queda de Bani Walid, o campo dos partidários de Kaddafi se estreitou  e com a diminuição progressiva dos recursos a sorte de Sirte passou a ser uma questão de dias.

O dia-a-dia de Kaddafi.

       Segundo o chefe da Guarda do Povo, Mansour Dhao Ibrahim, que seria primo de Kaddafi, o coronel não participou da luta (‘não deu sequer um tiro’), e vivia a mor parte do tempo ‘fora do mundo’. Não tinha computador – mesmo se o tivesse, em geral não havia eletricidade - e seus contatos externos se cingiam a pronunciamentos através de estação de tevê síria, que se transformaria em espécie de canal oficial seu.
      Consoante o testemunho de Dhao, Kaddafi gostava de apresentar a revolução como guerra religiosa entre muçulmanos devotos e os aliados ocidentais dos rebeldes. Assim, passava a maior parte do tempo lendo o Corão. Tanto o coronel, como seus filhos se recusaram a considerar a hipótese da fuga para o exterior, ou a renúncia ao poder. Sem embargo, de acordo com Dhao, o coronel parecia mais aberto à hipótese da renúncia ao mando, do que seus filhos.
         O coronel e seu círculo íntimo viviam sob o tiroteiro constante mas sem direção previsível (random) da artilharia rebelde, situada fora da cidade. Certo dia uma das casas em que se abrigara o coronel foi atingida, não se sabe se por morteiro, ou por um míssil. Três dos guardas ficaram feridos, bem como o cozinheiro (chef), o que forçou todos a começarem a cozer a própria comida.
        Por vezes, a atitude do líder da Jamahiriya denotava certa alienação. Ele perguntava então ‘por que não há eletricidade ?  e ‘por que não há água corrente aqui?’

A Quinzena Derradeira.  

         Por volta de cinco de outubro, após a tomada do centro da cidade pelos rebeldes, o coronel e seus filhos foram surpreendidos quando tentavam transferir-se de uma casa para outra na zona residencial denominada Distrito nr. 2. Eles ficaram cercados por centenas de rebeldes, que passaram a alvejar a área de forma indiscriminada com metralhadoras pesadas, mísseis e morteiros.
        Consoante reconheceu Dhao, não havia outra saída: ‘a única decisão era viver ou morrer’.
        O coronel Kaddafi decidiu, então, que era hora de abandonar o sítio. De acordo com seu plano, se fugiria para uma de suas casas nas vizinhanças, aonde ele tinha nascido.

A última  fuga.       

         Na quinta-feira, dia vinte de outubro, um comboio de mais de quarenta viaturas deveria partir ao redor das três horas da manhã.
        No entanto, por motivos não declinados, houve  considerável atraso. É de presumir-se que as articulações dos grupos legalistas, já claramente inferiorizados, não mais poderiam desenvolver-se de modo satisfatório. Por isso, a partida só ocorreu às oito da manhã.
        Kaddafi embarcou em jipão Toyota Land Cruiser, acompanhado pelo  chefe da segurança, um parente seu, o motorista e Dhao.
       O retardo na partida seria determinante para a rápida detecção de parte dos aviões da OTAN e dos destacamentos rebeldes. Cerca de meia hora no avanço do comboio, um caça-bombardeio francês lançou míssil que explodiu bastante próximo do Toyota. Pelo impacto, os air-bags foram acionados. Mesmo ferido por estilhaços (shrapnel), Dhao prosseguiu caminhando junto com Kaddafi e outras pessoas.
        Foram primeiro para uma fazenda, depois voltaram à estrada principal. Na sua margem, havia dois grandes canos de drenagem. Segundo Dhao, o tiroteio era constante. De novo, o chefe da guarda foi atingido por estilhaço, caindo inconsciente.
        Ele só recobraria os sentidos no hospital.

O  Epílogo.

       No descampado, sob a artilharia rebelde,   o único refúgio possível para Muammar Kaddafi terá sido meter-se no cano de drenagem. Em plena luz do dia, abandonado o jipão e dispersos ou abatidos os seus acompanhantes, o desespero terá levado o coronel a esconder-se no largo cano.
        Não obstante, a fuga dos passageiros do Toyota tinha sido vista pelo destacamento rebelde, que os alvejou repetidas vezes. Tendia, por conseguinte,  para zero a possibilidade de alguém porventura acoitado nos avantajados canos escapar de eventual descoberta e ulterior aprisionamento ou fuzilamento.
        Foi o que ocorreu com o fugitivo Muammar Kaddafi. Os combatentes do CNT cercaram a saída da tubulação de drenagem. Provavelmente  circundaram a improvisada toca sem saber de quem se tratava. Sabiam ser um inimigo, algum simpatizante ou combatente kadafista.
       Tudo leva a crer, todavia, que ignoravam a qualidade da presa que lhes caíra na rede até o instante em que o coronel, forçado pelas circunstâncias e provavelmente ferido de raspão por disparo de rebelde, se dispõe a deixar o abrigo improvisado.
      A partir desse momento, as coisas se precipitam para o deposto líder da defunta Jamahiriya. A rebelião de Benghazi se estendeu pelo país como rastilho de pólvora. Decerto os tempos estavam maduros para um movimento contra o errático, imprevisível, amiúde cruel e violento tirano.
      Ninguém se sustenta por mais de quarenta anos sob o ódio geral de uma população. Como a guerra civil o demonstraria, Kaddafi tinha partidários e gozava de apoio em áreas determinadas, sobretudo no oeste e na região de sua tribu e aliadas.
       Entretanto, a duração do conflito, os bombardeios da OTAN, o desgaste decorrente, e a evolução das hostilidades certamente não foram de molde a reforçar as posições do campo legalista.
       Na composição das forças rebeldes Kaddafi não poderia encontrar elementos que lhe fossem mais hostis do que os naturais de Misurata, cidade que sofrera duramente na primeira fase da guerra sob o tacão do exército legalista.
      Pela cercania topográfica, coube a destacamento desta cidade interceptar e deter Muammar Kaddafi.
      Os vídeos disponíveis mostram um Kaddafi preocupado, com mostras de golpes no rosto, mas de pé. Nesse momento, tratam-no com dureza, o chamam de cão (pesada ofensa em país muçulmano), o esbofeteiam, mas não apresenta no corpo nenhum ferimento que o coloque em perigo de vida.
      Se a sua existência física está ameaçada tal se deve unicamente ao ambiente que o cerca, e à disposição de seus captores.
      Há um intervalo neste vídeo. Quando  retoma a imagem de Muammar Kaddafi, se nos depara um cadáver, com ferimentos na cabeça e na barriga.
     As explicações intervenientes – morreu no caminho do hospital – não convencem. A própria autópsia, feita a mando do CNT, determinou como causa mortis um tiro na cabeça.
     Semelha inegável a execução. Resta estabelecer a mando de quem ela se realizou.



(Fonte: International Herald Tribune )   

Da Trinca Faltam Dois

                       
        Desde agosto, com a queda de Trípoli, não mais foram vistas imagens do Coronel Muammar Kaddafi. Nos meses seguintes, até a fatídica jornada de quinta-feira, dia vinte de outubro, a voz do ditador ainda foi ouvida, em mensagens contra os ratos traidores, emanadas de comandante acuado e desesperado, cuja conexão com a realidade aparecia sempre mais esgarçada e patética.
         Não é o propósito deste blog, no entanto, versar esses últimos dias, embora a matéria seja de interesse para artigo posterior. Ao cair o líder da Jamahiriya, a opinião pública árabe se perguntou sobre dois outros déspotas árabes que se acham em tenaz luta para manter-se no poder.
        Com efeito, logo se estabelecera como  natural ligação  entre o coronel Kaddafi e dois congêneres seus, Bashar al-Assad e Ali Abdullah Saleh, presidentes, respectivamente, de Síria e Iemen. Além de ditadores, os três exibiam  longo período de mando. Kaddafi, quando foi abatido pelos rebeldes de Misurata, era o decano dos chefes de governo (com 42 anos). Da dupla restante, Saleh, o eterno presidente já passa das três décadas, e Bashar, é o junior, com onze anos.
       Tais laços, sem embargo, se reforçam pelas características dos regimes respectivos. Se as instituições líbicas não íam muito além de um disfarce do reino tirânico do coronel, tanto na Síria quanto no Iemen o absolutismo e o personalismo da dominação constituem traços inequívocos de governos que não trepidam em metralhar inermes manifestantes.    
        Esse caráter sanguinário os distingue de outros dois hierarcas, ambos constrangidos a renunciar a uma alentada presidência. O primeiro, Ben Ali, da Tunísia, tratou de fugir para a Arábia Saudita, com todo o ouro a que pensou ter direito;  Hosni Mubarak, o presidente de três décadas, foi deposto ao cabo de dezoito dias pela revolução da praça Tahrir, e hoje inerme assiste ao próprio juízo, sob as vistas do marechal-de-campo Mohamed Hussein Tantawi, antes  escarnecido como o poodle do mesmo Mubarak (era o ministro do exército).
        Não creio seja o caso de engrossar essa companhia com o rei do Bahrein, Hamad bin Isa al-Khalifa, a quem ora sustenta força expedicionária mandada pelo sultão Abdullah, da Arábia Saudita. Além de lhe faltarem os cruéis caprichos do senhor da Líbia,  suas maldades mais se inserem na dos régulos dos pequenos estados itálicos de que nos fala a Cartuxa de Parma de Stendhal.
       A associação temática  com o cambaleante Kaddafi o presidente Bashar al-Assad já o demonstrara aborrecer deveras. Prova bastante disto é o espancamento por seus esbirros do cartunista Ali Ferzat, pelo crime de colocá-lo no mesmo barco com o coronel líbico.
       A sumária execução de Kaddafi foi notícia que os fâmulos de Assad (e os menos numerosos de Saleh) terão hesitado sobremaneira em inteirar o respectivo amo (não é de esquecer o exemplo do tratamento [1]Saddam Hussein aos portadores de novas de mau agouro). E o motivo é o mesmo das covardes sevícias sobre Ferzat: a nação árabe os considera pássaros da mesma plumagem e, portanto, o que ocorreu a Kaddafi torna tal destino mais próximo do líder da Síria.
      A situação tanto no Iemen, quanto na Síria continua a apodrecer. A truculência de al-Assad e  seus partidários já ultrapassou as três mil mortes de manifestantes. Dada a precariedade de tais cômputos, feitos num território de que, segundo o provado modelo iraniano, se proibe o ingresso da mídia ocidental, há de intuir-se que as masmorras e os logradouros do regime alauíta teriam muito a agregar a essa esquálida numeração.
      Igualmente no Iemen, regido por este joão-teimoso que ressurge de longa internação no refúgio saudita, se exacerbam violentos  os métodos suasórios do ditador Ali Saleh contra os protestos dos sit-in e das manifestações pacíficas. Além das solitárias vítimas de snipers (atiradores isolados), houve metralhamento de marcha de protesto, com pelo menos cinco mortos.      
      O isolamento internacional da Síria – e o caso paralelo do pequeno Iêmen – continua a agravar-se, malgrado a mão amiga que lhe estendem os regimes autoritários da China e Rússia.
       Nesse campo, o Brasil persiste numa posição que pode causar estranhável assombro. Depois de aferrar-se ao moribundo regime do coronel Kaddafi por demasiado tempo, a Presidenta exprobou o povo líbico por comemorar o passamento de seu amado líder.
       Ignoro se dentro de nossa ferrenha e abrangente campanha pelo assento permanente no Conselho de Segurança temos missão diplomática em Sana. Sem embargo, seria talvez o caso de a instância competente atrever-se a submeter à enérgica Dilma Rousseff a possibilidade de que manifestemos, quem sabe através da retirada do embaixador, o nosso desagrado com o exercício de tanta violência pelo preclaro Presidente Bashar al-Assad.




( Fonte: International Herald Tribune ) 



[1] O colérico presidente matava esses mensageiros.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Mais um Escândalo Nacional

                           
         É uma vergonha o que vem ocorrendo em nossas ruas e estradas com motoristas embriagados.  Isso, no entanto, não é bordão, porque os bordões se gastam pelo uso e perdem a contundência.
        Digamos, então, para melhor descrever esse acintoso desrespeito à Constituição e ao espírito da Lei, o que sucede – e como sucede ! – nas vias e  logradouros públicos. Em geral, as vítimas de tais crimes são populares, operários, garis, jardineiros, desafortunados transeuntes que, por motivo de trabalho, ou por cruel peça da sorte,se encontravam na calçada ou no canteiro errado quando,um motorista desembestado pelo alcool-seja ele caminhoneiro,chofer amador e mesmo autoridade-invade brutalmente este espaço que se acreditava protegido.
       Essas viaturas sóem corre irresponsáveis, em desatinada velocidade,com alguém  que não tem nenhum controle sobre os mais elementares cuidados e cautelas a que deve respeitar toda pessoa habilitada a dirigir.
        O cenário acima, que se repete incrivelmente nos noticiários televisivos e nas páginas dos jornais, não termina por aí. Amiúde, a foto do sinistro é de carro ou caminhão danificado, sem condições de prosseguir na sua tresloucada trajetória, um chofer trôpego, com os sentidos claramente afetados,  que costuma sair ileso do acidente por ele causado.
       Mas tampouco pára por aí o registro. No seu rastro e à sua volta, há feridos e mortos, todos atropelados por um  irresponsável. Malgrado estar alcoolizado – e quem quer que o veja nesse estado não terá dúvida de que é mais um motorista a dirigir sem qualquer condição de fazê-lo – cambalear e mal articular palavras, como todos os demais autores de tais situações em um ponto específico ele não trepidará ‘em reclamar o seu direito de não submeter-se ao bafômetro’.
      Em qualquer outro país em que a vida de seus habitantes merecesse mais respeito, teriam sido tomadas providências para pôr um fecho a esse triste cenário, que é um produto de condenável negligência e de uma, digamos, hipocrisia jurídica.
     Por quê condenável negligência ?  Os acidentes com morte de transeuntes e trabalhadores se têm repetido com mais do que embaraçosa frequência. Será acidente a ocorrência causada pelo toldamento dos sentidos e a consequente falta de percepção da responsabilidade provocada pela ingestão da bebida em doses muito acima dos limites legais ?
     E, não obstante, os motoristas, ainda que embriagados ou afetados pelo alcool, não parecem perder a consciência de sua responsabilidade, no que tange à auto-proteção.Sem exceção, quase todos se recusam a passar pelo bafômetro, e o fazem decerto pela plena consciência do resultado de tal exame. Sem serem juristas, sabem que é um direito constitucional seu negar-se a testemunhar contra si próprio.
     Mas onde está a alegada negligência ?  Ela é mais do que visível, ela é patente na lista das vítimas desses bêbedos ao volante. Na sua grande maioria, é gente humilde, trabalhadores (garis, jardineiros) ou quem tem que esperar, na calçada, o ônibus ou a vã. O ex-coordenador da lei seca no Rio de Janeiro atropelou (e matou) populares, e depois retardou o exame de sangue, como se a evidência do delito a pudesse expungi-la  com a decorrência do prazo (não param por aí as estranhezas neste caso. Agora um tribunal de segunda instância lhe revoga a prisão – de que estava foragido). Em São Paulo, outro embriagado matou dois jardineiros e um outro luta pela vida. Na Paraíba, um ciclista foi atropelado por automóvel, cujo motorista cuidou de escapar, ao invés de prestar-lhe assistência.
     Os exemplos são tantos a ponto de configurarem o que o francês chama de ‘embarras du choix’. Que escolha embaraçante esta, que trata seres humanos indefesos, que estão em espaços supostamente protegidos, mas não fora do alcance desses bestializados indivíduos, que mal falam quando detidos, embora as névoas na sua mente não os impedem de valer-se de suas garantias constitucionais.

     Hipocrísia jurídica.

     Permitam, senhores juristas, a liberdade que toma um bacharel em Direito pela então Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Não sei se esta suposta prerrogativa constitucional aplicável aos casos em tela – e de que se valeu, é bom lembrar, o Senador por Minas Gerais, Aécio Neves, quando flagrado em blitz policial no Rio de Janeiro, por ser igualmente portador de licença para dirigir, com prazo já vencido – decorre de algum voto do Supremo Tribunal Federal, sempre zeloso na extrema defesa das garantias individuais. Por vezes, é verdade, esse radicalismo na interpretação – como a de permitir que indivíduos condenados só possam ser presos por decurso de sentença[1] - tem suscitado não pouca perplexidade, e sobretudo por ensejar aos suspeitos com bons advogados (leia-se suspeitos com recursos) valer-se de tal condição para postergar a aplicação da pena.
     Mas evitemos as digressões. A utilização do bafômetro – que é aplicado sem mais cerimônias em outros países civilizados – visa a determinar o grau de ingestão alcoólica pelo indivíduo acusado de um delito (ou detido em sua simples blitz preventiva). Já implica em uma certa flexibilidade interpretar um exame que deveria ser de rotina – afinal quem não deve, não teme – como se fora forçar um indivíduo a depor contra si próprio. Será que determinar as condições físicas e mentais de alguém, e de aferir o seu quociente alcoólico no sangue é infrigência de norma constitucional?
     Vamos alvitrar, somente para continuar o raciocínio que, forçando um tanto a barra, possa interpretar-se como cobrar do suspeito uma prestação pela qual ele venha a demonstrar ter causado o acidente no pleno exercício de suas faculdades mentais. Em outras palavras, o bafômetro, para os motoristas, pode ser um fator atenuante, eis que corrobora a tese do suspeito de que não está alcoolizado. Para tanto, é lógico, semelha indispensável que ele se submeta a tal formalidade.
    Sem embargo, estamos nos esquecendo de que há outras cláusulas constitucionais em jogo. Contando com a compreensão dos senhores magistrados – e dos senhores legisladores – a cláusula a que me reporto é a de um direito que sobreleva a essas questiúnculas de que astutamente se sabem valer os motoristas incriminados.
      Será que o respeito à vida e à integridade do transeunte – atropelado, trucidado, esmagado, morto – por um motorista embriagado não configura acaso uma cláusula constitucional, por mais humildes que sejam as pessoas vitimadas?
     Afinal, o brasileiro, qual seja a sua condição, é ou não é igual perante a lei ?
     Francamente, meus senhores, é mais do que tempo para corrigir esta norma, e condicioná-la a um mínimo de respeito ao cidadão.
     Senão, pode-se ter a molesta e inadmissível impressão que tudo isso continua ocorrendo, com a acintosa permanência da impunidade dos bêbados ao volante,por uma simples condição de posição social e de recursos.
     Decerto, é uma falsa noção de minha parte. Só pediria que me confirmassem logo nesse equívoco, e providencie sem demora a reinstituição no caso de uma justiça digna deste nome, que respeite as vítimas ao invés de proteger os suspeitos, inclusive os detidos em flagrante delito.
 

(Fontes: Folha de S. Paulo, Rede Globo)



[1] para não cansar o leitor, tal significa ou a sentença passar em julgado nas instâncias inferiores, ou esperar a longa travessia através das três compulsórias instâncias (o juiz singular, o tribunal de alçada, o Superior Tribunal de Justiça e, em casos extremos, o próprio Supremo) para que o culpado venha a cumprir a pena (V. exemplo de Pimenta Bueno).

domingo, 23 de outubro de 2011

Colcha de Retalhos XCV

                               

Em torno da Corrupção

     Não há dúvida de que dona Corrupção está na moda, como a mídia sobejamente o demonstra. A edição dominical de O Globo tem como cabeçalho “Números oficiais – Corrupção desviou R$ 67 bi de cofres públicos em 8 anos – De cada R$ 100 roubados, governo federal só recupera R$ 2,34”.
    Por outro lado, a Veja desta semana traz como matéria de capa: “Dez Motivos para se indignar com a corrupção – Com os 85 bilhões de reais surrupiados pelos corruptos brasileiros no último ano seria possível ( e alinha a seguir dez alternativas para o desperdício, entre as quais erradicar a miséria, construir 241 km de metrô ou 36 mil km de rodovais).
    A prática evidencia que nos jornais as chamadas matérias de capa do domingo são reportagens adrede reservadas para tais edições. Elaboradas de antemão – já circulam no sábado – provêm de assuntos escolhidos a dedo, que estão fora dos critérios habituais. Embora os diários não sejam padarias, durante a semana as manchetes vêm quentes como as fornadas de pão. Já no dia do Senhor, os padrões semelham ser outros. Se as matérias têm interesse, elas pertencem no entanto aos assuntos que podem ficar nas gavetas por algum tempo.
    Exame perfunctório das duas reportagens indica a disparidade de medidas. Enquanto O Globo fala de sessenta e sete bi em oito anos, Veja aponta para 85 bi em 2010 e 720 bi nos últimos dez anos.
    Os totais, encolhidos ou não, assustam de qualquer maneira. Por maior que seja a desfaçatez dos corruptos, os presumíveis  métodos utilizados por tais gatunos, engravatados ou não, visarão em princípio escapar dos controles dos órgãos públicos, por mais aleatórios, burocráticos e ineficientes que sejam. Daí talvez a primeira razão pela discrepância nos totais, contrapondo o conservadorismo do jornalão O Globo ao sensacionalismo do semanário Veja.
     Ao ler esses totais, as reações de revolta do leitor podem diferir. Em tudo isso, existem dois aspectos que compreensivelmente tendem a provocar maior realce na atenção: o peso gravoso sobre as costas do contribuinte, em insolente desproporção com o percentual realmente empregado para o bem público (o pressuposto do impostômetro, que beira os 40%); e a perda pelos ralos da corrupção que nós deparamos na falta de saneamento básico, nas rodovias em petição de miséria, no drama da saúde pública, nos terminais dos principais aeroportos, verdadeiras vergonhas nacionais, e um vastíssimo, amazônico et cetera.
     É claro que  há outras facetas mais. Pelo caráter confrangedor, não é das coisas que nos agradem muito reportar. Talvez a ênfase dos últimos tempos seja consequência dos governos que nos cercam. Reação da sociedade civil com os padrões prevalentes que estão mais para Terceiro e Quarto Mundo, do que os supostos rarefeitos patamares dos países desenvolvidos. Por falar nisso e seja dito sem orgulho, também nos emergentes Brics a corrupção campeia em mais de uma inicial.
     Todos concordam – ou fingem concordar – em que o exemplo tem de vir de cima. Mas as reações mudam se nos ativermos somente ao discurso, sem dar tento à práxis.    
     Agora, as coisas pioram muito se não se encontra a postura ética nem mesmo no discurso. Aí, é que elas realmente ficam pretas...

As preocupações do estamento judiciário paulista

     Dentre as notícias interessantes – no sentido chinês – desta semana, o caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo nos informa do seguinte:
     Tribunal de Justiça (de São Paulo) quer tratamento especial para juiz suspeito de infração.
     O Presidente do TJ-SP, Desembargador José Roberto Bedran disse, a propósito, que isso evitará que incidentes ‘cheguem aos jornais’.
     As declarações de Sua Excelência ocorreram durante sessão em que juiz suspeito de dirigir embriagado  recebeu promoção.”
     Com efeito, o presidente Bedran pediu oficialmente à Secretaria Estadual de Segurança Pública a criação da figura de um “delegado especial” para cuidar das ocorrências que envolvam juízes e desembargadores.
     O objetivo seria o de evitar que incidentes com juízes “cheguem ao conhecimento dos jornais, e possam até ser explorados”.
    A proposta em tela foi apresentada na sessão do TJ nesta última semana, durante a discussão sobre a promoção a desembargador do juiz Francisco Orlando de Souza,detido sob suspeita de dirigir embriagado e sem habilitação, no dia nove do corrente.
     Após a briga de trânsito, o juiz foi levado à delegacia e liberado no mesmo dia. Ele nega que estivesse bêbado.
     Assinale-se que em São Paulo, um magistrado não pode ser detido e a ocorrência tem de ser comunicada ao TJ. O tratamento especial,  com delegado exclusivo, não está, contudo, previsto em lei.
     Na sessão do TJ, houve versões discrepantes, mas todas, ao que parece, no que tange a elogios de magistrados ao colega, assim como suspeitas sobre a atitude do delegado. Ao cabo o juiz Francisco Orlando de Souza foi promovido a Desembargador, inda que por antiguidade.



( Fontes:  O Globo, Veja, Folha de S. Paulo )

sábado, 22 de outubro de 2011

A Hora da Verdade

                                     

       O presente episódio do seriado  que a opinião pública designara como ‘faxina’ parece encaminhar-se para  desfecho lamentável, cuja única qualidade seria a de afinal refletir não reais propósitos de uma gestão ética de governo mas a exposição de realidade  nua e crua.Tal estado de coisas constituiu a norma dos dois mandatos de Lula da Silva, e volta a impor-se à administração de Dilma Rousseff.
      Antes de chegar aos sórdidos detalhes de um desfecho que muitos desejavam pudesse não só ser evitado, mas também revertido nas próprias condicionantes, permita-me o leitor relembrar-lhe algumas incômodas verdades.
      Todas essas práticas - que ora a sociedade civil contempla consternada - só se tornaram possíveis na atual extensão, arrogância e descaramento graças ao nefasto [1]instituto da reeleição. Os governantes petistas que na oposição combateram a reforma não se enganavam. A iniciativa pro domo sua de Fernando Henrique Cardoso, aprovada com  votos espúrios como sabemos, não poderia ter piores consequências, sendo a mãe de toda a corrupção não só nos três níveis executivos da Federação, mas também pelo eventual favorecimento em outros poderes, muitas vezes com o desequilíbrio na isonomia.
       Nesse contexto, é apenas um tímido levantar de franja a frase do presidente Lula de que ‘Sarney não é um cidadão comum’, mas como dói nas suas implicações de frontal e afrontoso desrespeito  a uma das normas ditas pétreas da Constituição !
      Hoje em dia, no  terceiro mandato, o PT é uma caricatura da agremiação combativa e principista dos anos da planície. Nem todas as suas campanhas estavam certas – e a luta contra o Plano Real se inclui nos erros – mas não há negar que no presente cinismo e nas composições ao arrepio da sociedade o corrente Partido dos Trabalhadores não mais se distingue dos PMDBs, PRs e congêneres que deparamos a rolar felizes no chavascal do corporativismo legislativo.
       Durante a campanha eleitoral mencionei a perspectiva de repetirmos no Brasil a experiência mexicana do maximato. Como se sabe, o presidente Plutarco Elias Calles desejou continuar mandando além do respectivo mandato constitucional. Para contornar a única1 cláusula pétrea da Constituição Mexicana – a da não-reeleição -, ele se manteve na direção do partido situacionista e procedeu a eleições dos chamados presidentes peleles (fantoches), que foram três. Caberia a Lázaro Cardenas, após pacientar por dois anos, livrar o México do maximato, colocando a Plutarco em um avião em viagem sem volta para o exterior. Pôde assim governar autonomamente por quatro anos, em uma das melhores administrações desse grande país.       
     O fato de Dilma Rousseff haver sido eleita em segundo turno com 55 milhões de votos não apaga a circunstância de que deve  sua vitória ao patrocínio de seu criador, Luiz Inácio Lula da Silva. Ao invés do terceiro mandato consecutivo – no estilo de seu camarada Hugo Chávez – Lula preferiu designar sua eficiente gestora administrativa. Por mais que os áulicos falem da futura reeleição de Dilma, o que pensam – e prevêem – os hierarcas petistas é a provável candidatura do fundador do partido ao colimado terceiro período presidencial, com o que se completariam dezesseis anos no poder.
      A novela da faxina – esta limpeza ética começada diante do descalabro do DNIT – terá sido boa enquanto durou. A princípio assumida, mas logo acobertada pelos encabulados panos da hipocrisia, por causa dos amuos petistas pela exposição da óbvia corresponsabilidade do governo Lula na suposta corrupção.
     Surgiu então a época dos malfeitos, o malabarismo com que Dilma dava o dito por não dito, e fruía do aplauso da opinião pública agradecida.
     Entre criador e criatura só há duas relações possíveis – a de ruptura e a submissão.Posto que a primeira seja vista como mais comum, a subordinação é também corriqueira e, em geral, reflete a preexistência das condições anteriores. Quando este, mesmo sem  cargo público, mantém na prática os pré-requisitos do mando – como foi o caso de Plutarco Elías, pelo controle do PRI – a natureza da relação tende a ser quase compulsória.
      Talvez a influência de Lula sobre Dilma seja ainda mais complexa, mas não há negar o continuado grau de ascendência do ex-presidente sobre o seu partido. Outra condicionante do poder é a da probabilidade de sua expectativa. Basta olhar em torno para medir a extensão da ingerência de Lula no PT.
      Dessarte, a involução do alegado projeto ético da Presidente Dilma Rousseff não poderia ser mais evidente e desmoralizante.
      Depois de uma série de rumores – inclusive recados do Planalto ao PCdoB quanto à sua inelutável saída do gabinete – intervém a brutal marcha a ré hoje desvelada. Por um lado, Lula manda que o PCdoB resista e que Orlando Silva não submeta o consueto pedido de exoneração. Por outro, se desfaz o castelo de cartas da autoridade da presidenta, ela se curva à determinação do criador, e mantém o ministro mais do que comprometido por uma série de revelações, e por fontes as mais diversas (de um delator, das acusações do predecessor Agnelo Queiroz, das investigações da CGU, e agora de um pastor evangélico).
     A opinião pública queria acreditar na capacidade da administradora Dilma Rousseff de enfrentar o descalabro na gestão da coisa pública, e assim augurava melhor utilização da pesada carga tributária que recai sobre o brasileiro, e da qual não nos é dado ver retorno apropriado e comensurável. Às vésperas da Copa do Mundo e das Olimpíadas, é mais do que irresponsável, achando-se no limite do tresloucado  manter um partido que se vale, entre outras coisas, de imagens que não lhe pertencem – como Anita Prestes acaba de denunciar ao ensejo da publicidade do PCdoB – e de que se reclama uma substancial devolução de somas desviadas para ONGs.
     Afigura-se difícil apontar o que é aqui mais confrangedor e deplorável: se o melancólico recuo de uma presidenta que confessa não ter a última palavra sobre a nomeação de seus auxiliares diretos, ou se a determinação chocante e deprimente, na contramão do sentir da sociedade, de um ex-presidente que se acredita acima das regras e das disposições mais comezinhas em matéria de gestão da coisa pública ?


(Fontes:  O Globo e Folha de S.Paulo )



(1) A outra, que prescrevia o sufrágio efetivo, foi logo desmoralizada pela fraude generalizada no cômputo dos votos dos cidadãos.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Notícias do Front (XXI)

                                

O Fim revisto de Kaddafi

     As imagens da captura do ditador, machucado mas em pé e alerta, e as liberadas seguintes, com o corpo cercado das habituais testemunhas da ocorrência, levantam mais do que suspicácias de sua  execução.
     Não convence a versão de que, uma vez retirado do cano de drenagem[1], ele teria sido posto em veículo para transportá-lo ao hospital,  falecendo antes de chegar ao destino.  A pergunta que se impõe é  como se explica a súbita transformação de alguém que, cercado pela milícia rebelde, anda sem qualquer ajuda. Se parece sobressaltado, é a reação previsível de quem está cercado e em poder de seus inimigos jurados, aqueles que chamara de ‘ratos’ em suas arengas. E, não obstante, eis que no caminho do nosocômio ele morre.
    A estória semelha deveras estranha. Parece que os videos dos celulares cobrem a captura, depois a manipulação de um Kaddafi talvez ainda vivo mas com muitos feridas, e mais tarde a do cadáver exposto, com  rosto desfigurado e ensaguentado,  tórax e parte do abdomen desnudos, com marcas de várias feridas de bala, rodeado por um grupo de rebeldes.
    Há indícios bastantes de um corte provável neste macabro filme. A despeito das negativas do Conselho Nacional de Transição, paira a suspeita da execução sumária.


Sobrou para a seleção ?


     A tabela da Copa de 2014, consoante divulgada pela Fifa, não parece muito alvissareira, nem com a seleção nacional, nem com o Rio de Janeiro. Além de esquecer Porto Alegre dos locais dos jogos – a capital gaúcha já tinha sido cortada da Copa das Confederações – a programação obriga o scratch canarinho a partidas em sete capitais brasileiras (na hipótese de chegarmos à final)!
     Por outro lado, e de forma ainda mais estranha, o Maracanã só veria o nosso time na final !
    Não sei se o tratamento de Herr Blatter e asseclas à CBD de Ricardo Teixeira e ao enfraquecido ministério do esporte do Brasil seja picuínha pelos percalços da negociação com a presidenta. De qualquer forma, fica difícil de engulir a dose de mesquinharias, que nada têm a ver com  país da nossa projeção futebolística, e que vai submeter a seleção a sete viagens, inclusive a dois jogos em Fortaleza !
    Não é o procedimento usual reservado aos donos da casa. Ou será que é castigo pela demagogia lulista de espalhar a Copa por todo o Brasil ?

A novela do ministério do esporte       

       A Presidenta tem mandado demasiados recados sobre as consequências dos bate-bocas entre Orlando Silva e João Dias, e Orlando Silva e Agnelo Queiroz.
      Se não há provas contundentes, sobram as suspeitas e os indícios de que o ministério do esporte tem sido utilizado como caixa de partido, pela óbvia e sempre mais escandalosa porta das ditas Organizações Não-Governamentais (que, neste caso e no de outros, semelham existir apenas para coletar recursos públicos para dúbias destinações).
       A própria crônica da CGU tentar reaver a erva estatal é outro relato que se confunde sempre mais com a luta contra a corrupção. E o dinheiro do Erário, que se distribui nessas organizações de fachada com grande facilidade, não costuma voltar ao aprisco com a mesma presteza.
      Depois da duvidosa e questionável utilização da propaganda partidária obrigatória para a defesa in extremis do comportamento do PCdoB – com declarações dos hierarcas dessa entidade dissidente que busca engalonar-se dos feitos do Pecebão -, agora o governo Dilma Rousseff é confrontado com ameaças da impensável saída do partido do ministério.
     Talvez dona Dilma fale demais e pense que com tantos recados e contrastantes assertivas transmita impressão de autoridade.
     Na verdade, os indícios abundam a tornarem insustentável a permanência de Orlando Silva e do PCdoB no ministério.
     Há limite para tudo, e no que respeita ao ministro e a agremiação sobre que pesam tantos indícios de malfeitos, para que se possa admitir seja a continuação de um e de outro.
    Como conviver com estrutura e representante, com os recursos públicos saindo pelo ralo, e justamente e a fortiori quando assumimos a responsabilidade de realizar a Copa do Mundo de 2014 ?

O sermão intempestivo

    Ainda na África, a presidenta Dilma Rousseff julgou oportuno censurar o povo líbio pela sua comemoração da morte do ditador Kaddafi.
    Entrou em seara delicada, e se tivesse assessores na matéria com maior afirmação, teria preferido ser menos intempestiva.
    Depois da longa espera no reconhecimento do Conselho Nacional de Transição, apegando-se ao regime desmoralizado e repudiado do coronel, a administração Rousseff semelha nada haver entendido da revolta do povo líbio que ansiava livrar-se da tirania do caricato déspota, com a sua esteira de crimes, massacres, vilanias et al.
    Então não se pode comemorar a partida definitiva de um chefe de estado ?
    Na hubris do poder novo, a presidenta acredita que pode dizer o que bem entende. A diplomacia ensina, no entanto, que não se deve dispensar lições a outros povos, sobretudo nas circunstâncias presentes.
   Tudo isso tenderá a aumentar, entre outras coisas, a distância e o consequente chá de cadeira para as nossas eficientes empreiteiras, se no futuro aparecerem por Trípoli e adjacências. Se tivermos presentes os recursos dos herdeiros do defunto regime de Kaddafi tais atitudes deveriam ser mais refletidas.


( Fonte: O Globo )



[1] Aqui cabe uma correção. O blog de ontem comentara que o cenário de sua queda se diferençava das de outros líderes árabes. Hoje se descobre que se assemelha ao esconderijo de Saddam Hussein, embora as circunstâncias sejam bastante diversas, eis que, tangido pelos adversários, Kaddafi procurava evitar o aprisionamento.