domingo, 9 de outubro de 2011

Colcha de Retalhos (XCIII)

                                   
Abertura em Mianmar

      Em março de 2011, o general Than Shwe, em decisão aparentemente voluntária, renunciou à chefia da junta militar. Assumiu o mando Thein Sein, após eleições contestadas pela oposição. No entanto, o novo presidente tem dado algumas demonstrações de que pretende introduzir reformas na economia, dada a situação de extrema pobreza da população birmanesa de 55 milhões de pessoas.
     Thein Sein semelha ter posição conforme com nova geração  de oficiais militares, que contestaria os excessos de política opressiva e paranóica da junta. O isolamento de Mianmar chegou ao absurdo de restringir a ajuda externa por ocasião de um ciclone que provocara a morte de mais de cem mil pessoas.
     O novo governo tem mantido frequentes contatos com a líder da oposição, Aung San Suu Kyi, que fora libertada, por decurso de pena, em novembro de 2010. Depois de anos de reiteradas negativas quanto à existência de prisioneiros políticos, o governo Thein Sein  examina,agora, a possibilidade de liberar cerca de seiscentas pessoas. Como o número de presos nesta categoria esteja em torno de dois mil, a Liga Nacional para a Democracia – que é o partido da senhora Aung San Suu Kyi – já comunicou à nova Administração que não pode aceitar tal lista.
     Malgrado os vezos ditatoriais, o novo governo difere bastante do anterior. Por isso a oposição mantém diálogo aberto com ele. Outra mudança substancial quanto ao regime de Than Shwe foi a decisão do novo presidente de suspender as obras na gigantesca barragem hidrelétrica no Rio Irrawaddy. Financiada pela República Popular da China, o abandono – mesmo temporário – da obra tem sido interpretado como prenúncio de novos rumos para a presente Administração, que não mais se associa aos da junta de Than Shwe (no poder por cerca de duas décadas).
     Se há alguma expectativa favorável de parte do Ocidente, com o início pelos Estados Unidos de  política de pequenos passos, assim como de organismos internacionais como Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial – com o levantamento de proibições para a assistência de instituições financeiras – existe a consciência de que se está atualmente no começo de um processo, cuja evolução ainda é imprevisível.
      Nesse sentido, o senhor Win Tin, membro fundador do partido de Aung San Suu Kyi, formula a seguinte advertência: ‘Todos esses países ocidentais tem ouvido acerca de algumas mudanças, e, por isso, estão muito felizes e ávidos de participar. A meu ver, tal atitude está equivocada. Eles devem, ao invés, auscultar com muito cuidado o que está sucedendo, e esperar para ver se o que este governo chama de mudança é real e genuíno.’
      De qualquer forma, a resposta à movimentação da administração de Thein Sein se afigura positiva. A falta de perspectiva do esclerosado e corrupto regime do general Than Shwe o levou a um beco sem saída, que lhe terá precipitado a queda. Cabe à oposição e ao Ocidente verificar dos limites do novo presidente e de seu reformismo. É de notar-se que, até o momento, os garantes econômicos da subsistência da junta são a República Popular da China e a União Indiana. Pode ser que, sem o saber, o regime  de Thein Sein siga a linha da reforma lenta e gradual de um outro regime militar. Uma das vantagens desses propósitos é o de alavancar processos que, pela sua própria força inercial, fogem ao controle dos militares reformistas.
     O que, como se comprovou em outras paragens, pode ser muito bom para as forças democráticas, como a da Prêmio Nobel Aung San Suu Kyi.

O Dia em que o Renminbi sucederá ao Dólar

       O crescimento da República Popular da China torna um fato previsível a época em que a RPC se tornará a principal potência econômica mundial. Há relativamente pouco tempo a China superara o Japão que, desde o início do século, vinha crescendo de forma vegetativa, a sua economia não retomando o ritmo anterior à sobrevinda da estagnação.
    Beijing tem promovido o emprego do renminbi fora de suas fronteiras desde 2009, no que tange a transações comerciais. Por enquanto, contudo, as autoridades chinesas usarão de cautela, como de hábito. Manterão de pé os atuais controles sobre o fluxo de capitais, de modo a conservar o respectívo domínio sobre o câmbio e as taxas de juros, ao mesmo tempo, impedindo que o renminbi se torne uma autêntica moeda internacional (divisa).
    Há especialistas, todavia, que discordam sobre os prazos. Arvind Subramanian, do Instituto Peterson para a Economia Internacional, em Washington, tem uma visão um pouco mais pró-ativa, como se verifica por seu livro “Eclipse: vivendo à sombra do domínio econômico da China”.
    No seu entender, a dominação econômica chinesa se afigura mais iminente e com uma base mais sólida – produção, comércio e moeda – do que normalmente se antevê.
    Para tanto, Subramanian se serve de índices das parcelas respectivas dos países no Produto Bruto Mundial, a partir de 1870.
    De acordo com Subramanian, em torno de 2030 se terá um predomínio chinês similar ao dos Estados Unidos em 1970, e do Reino Unido, em 1870. Tal dominação econômica tenderá, consoante o especialista, a alçar o renminbi ao primeiro lugar no status de principal divisa de reserva, de forma muito mais acelerada do que se espera.
     Essa passagem da hegemonia econômica poderia vir dentro de uma década, se tivermos presentes os cálculos do historiador econômico Barren Eichengreen, que demonstrou haver o dólar estadunidense suplantado a libra esterlina como principal divisa internacional cerca de dez anos depois de que os EUA ultrapassassem a Grã-Bretanha como o maior poder econômico mundial.
      Sem embargo, a opinião de Subramanian é de que a ascensão do renminbi ainda não tem os respectivos prazos pré-determinados. Nesse sentido, a China carece de desvencilhar-se, por motivos simplesmente financeiros,  das atuais restrições ao acesso de estrangeiros à sua moeda. Precisa também ganhar a confiança dos investidores internacionais, ao tornar os próprios mercados domésticos mais amplos e mais transparentes.
     Até o presente, essas reformas ainda não foram aceitas, eis que Beijing continua a bancar um modelo pró-exportação, a que se deve a alavancagem de forte crescimento econômico, com o consequente ganho de prestígio do Partido Comunista Chinês (que renunciou ao seu dogma marxista, mas não à entrega dos controles).
    Subramanian aponta, não obstante, para os custos crescentes da manutenção do modelo mercantilista. Milhões de operários fabris chineses ficaram desempregados com a súbita queda nas exportações, provocada pela crise econômica mundial do segundo semestre de 2008. Outro epifenômeno relacionado com o modelo, está na elevação da inflação, eis que o valor do renminbi continua a ser rebaixado artificialmente.
    Ainda de acordo com Subramanian, haverá uma saída para esta aporia[1] criada pela manipulação financeira do valor cambial. Ao abrir a utilização do renminbi e eventualmente torná-lo conversível dará às autoridades chinesas uma solução dos problemas criados pelo corrente mercantilismo.
   Se o livro de Arvid Subramanian está recheado de advertências (caveats), ele conclui que o mundo econômico em 2030 terá um perfil bastante diverso do atual, na medida em que países mais pobres e mais populosos crescem mais rápido do que as economias mais avançadas do presente. A mensagem não seria de todo amarga para tais países: “O Ocidente dominante deverá começar a reajustar-se para uma nova realidade de relativo, mas não necessáriamente absoluto declínio.”  
    Na verdade, já preexistem diversos sinais que apontam nesse sentido. O surgimento do G-20 como a alternativa para um G-8 tornado crescentemente defasado. Tampouco  se excluem os contatos no mais alto nível do G-2, em que a superpotência atual e a sua desafiante tratam das questões que lhes dizem respeito mais diretamente.


O Prêmio Nobel da Paz para Três Mulheres

      O comitê norueguês, chefiado por Thorbjorn Jagland, ex-primeiro ministro, decidiu que o prêmio Nobel da Paz deste ano será dividido por três mulheres: a Presidente Ellen Johnson-Sirleaf, da Libéria, Leymah Gbowee também da Libéria, e Tawakkol Karman, do Iêmen.
      A Senhora Johnson-Sirleaf, de 72 anos, é a primeira mulher a ser eleita presidente de país africano, e está em meio da campanha pela reeleição. Tal coincidência gera alguma perplexidade na prestigiosa indicação. Por outro lado, a oposição à presidente acusa de corrupto o seu governo.
      À senhora Gbowee, de 39 anos, se credita o mérito pela união de mulheres cristãs e muçulmanas contra os senhores da guerra na Libéria. A Leymah Gbowee  se elogia pela mobilização das mulheres além das linhas divisórias étnicas e religiosas para alcançar o fim da guerra civil (em 2003),  a par de trabalhar para assegurar “a participação das mulheres nas eleições.”
       No Iêmen, a senhora Tawakkol Karman, de 32 anos, na tenda em que vive desde fevereiro de 2011, como parte de seu empenho no movimento pacífico (sit-in)  para forçar mudanças na sociedade.  Karman se opõe ao regime do Presidente Ali Abdullah Saleh desde 2007. A influência da respectiva oposição aumentou bastante no corrente ano, por causa do exemplo de Mohamed Bouazizi, na Tunísia, e a revolução da praça Tahrir no Egito. Dadas as características tribais da sociedade iemenita, a luta para derrubar Ali Saleh tem sido longa e, por enquanto, a capacidade do  tirano em apegar-se ao poder  continua inabalável, malgrado os esforços da revolução iemenita.
        Karman, ao ser brevemente detida em janeiro, catalizou muitos protestos, a ponto de ter sido chamada  Mãe da Revolução’. A sua posição ganhou em peso e influência desde então. Antes do recente regresso do presidente iemenita, Tawakkol Karman fez a seguinte apreciação da situação: “Depois de meses de protestos pacíficos que alcançaram   todas as vilas, vizinhanças e cidades, o Iêmen encara um total vácuo de autoridade. Estamos sem um presidente  e sem parlamento. O Sr. Saleh pode ter partido, mas a autoridade não foi passada para um conselho  de transição presidencial, apoiado pelo povo. Isso ocorre porque os Estados Unidos e a Arábia Saudita, que tem o poder de garantir uma transição pacífica para a democracia no Iêmen, vem utilizando a respectiva influência para assegurar que membros do antigo regime continuem no poder e o que o statu quo seja mantido.”


( Fonte: International Herald Tribune )



[1] Dificuldade.

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