terça-feira, 4 de outubro de 2011

E a Primavera Árabe ?

                                       

          Desde o início do corrente ano, com a imolação de Mohamed Bouazizi, na Tunísia, a revolução árabe democrática já se estendeu por terras longínquas, em que longas opressões pareciam inatingíveis. A sua colheita ainda se afigura incipiente, eis que se limita a países do Norte africano. Na Tunísia, há um primeiro ministro de transição, Beji Caid Essebsi, de 84 anos, que mantém boas relações com o movimento democrático.
           Estão em curso os preparativos para a eleição, a 23 de outubro corrente, de assembleia constituinte, que acumulará funções legislativas e de elaboração da nova Constituição. Tudo indica que o pleito será livre e aberto, o que é presságio favorável para a continuação na delicada tarefa de transição democrática e pacífica.
           Depois da fuga em fevereiro do ditador Zine al Abidine Ben Ali, a realização de tal evento nas condições de liberdade já constitui um êxito para o governo interino de Essebsi.
          No vizinho Egito, depois da rápida derrubada do ditador Hosni Mubarak, as perspectivas não se afiguram tão promissoras. Houve considerável aumento da violência, inclusive sectária, com atentados a igrejas e comunidades coptas. Os cristãos coptas são tão egípcios quanto a maioria muçulmana, mas o relativo controle das perseguições e vitimizações religiosas mantido durante a era Mubarak foi quebrado, com inquietante instabilidade no plano das relações e do respeito recíproco, o que tem atiçado temores de surgimento de um clima iraquiano.
          Com efeito, se a queda do ditador Saddam Hussein trouxe benefícios para o Iraque, contribuíu, no entanto, para o acirramento das perseguições às pequenas comunidades cristãs (caldaicas e outras), que antes viviam em clima de concórdia em meio aos irmãos islâmicos. Em função das mortes decorrentes da intolerância  e da destruição das igrejas , a antiga comunidade cristã tem dimininuído bastante, preferindo as incertezas do exílio à certeza de ambiente hostil e intolerante. A radicalização nas relações religiosas, dada a afirmação da maioria xiita antes reprimida, e a existência de uma forte minoria sunita tende a criar clima pouco favorável a outros credos, de longa tradição na região mas de reduzida representação numérica.
          A desestabilização consequente, e o recrudescimento de ânimos preconceituosos reminiscentes  da idade média, não favorecem, portanto,  mínimas condições de uma coexistência baseada no mútuo respeito e compreensão com diferentes caminhos de cultuar a divindade. Este lamentável fenômeno de vitimização das minorias pode ameaçar, no futuro, a viabilidade de uma forte minoria copta no Egito. Diante das perseguições e do ambiente de intolerância, os cristãos coptas, malgrado atinjam cerca de dez por cento da população egípcia - se tem mantido e agravado a presente atmosfera de incompreensão - não estão decerto isentos da possibilidade de que a sua presença naquela sociedade venha a ser enfraquecida pela emigração.     
          Por outro lado, os acontecimentos políticos no Egito, depois da queda de Mubarak, tem mostrado a preponderância do exército, com a chefia da junta militar pelo marechal-de-campo Mohamed HusseinTantawi, assim como as perspectivas de um reforço da Fraternidade Muçulmana, o partido político de mais forte implantação na antiga terra dos faraós. Nenhuma dessas realidades constituem bons augúrios para o caráter democrático do movimento da praça Tahrir.
          No vizinho Iemen, o presidente Abdullah Saleh, depois de três meses de asilo médico na Árabia Saudita, retornou ao seu conflagrado país. Dado o caráter tribal da sociedade iemenita, o apoio que Saleh – a despeito de sublevação de oito meses – ainda mantém,  no Iemen,  não deixa dúvidas quanto à larga rejeição a tão longo predomínio.No entanto,faltam certezas quanto a seu afastamento, dada a considerável resistência até agora evidenciada por esse presidente quase vitalício.
         Na Síria, se assiste a uma progressiva radicalização pela ditadura de Bashar al-Assad.  As sanções contra o regime alauíta, se não tem a universalização do Conselho de Segurança , em que os vetos da RPC e da Federação Russa bloqueiam qualquer medida mais enérgica,contem com  sua aplicação pelos Estados Unidos e pela União Europeia alvejando o poder econômico da ditadura síria.
        A rebelião síria se tem acirrado. Como na cidade de Homs onde, dada a violência da repressão, cresce a possibilidade de que as manifestações pacíficas pró-democracia sejam substituídas  por um conflito armado, a exemplo dos choques verificados naquela cidade.
        Na Líbia, torna-se mais precária a situação dos focos remanescentes dos partidários do coronel Gaddafi. Na cidade de Sirte, berço natal do ex-ditador, o cerco governamental, e os bombardeios da OTAN, semelham indicar o fim da resistência. Nessa região, persistem ainda os núcleos ‘legalistas’ de Bani Walid e Sabha. Há rumores de que Gaddafi estaria na área fronteiriça, com a possível fuga para o Níger,um dos países limítrofes da Líbia e  que até o presente tem na prática concedido asilo às ex-autoridades do regime anterior.   
         Por fim, no extremo oriental de sua propagação, no pequeno reino do Bahrein, que conta com a proteção de destacamento militar da Arábia Saudita, a perseguição aos revolucionários democratas (da reprimida maioria xiita sob o tacão da dinastia sunita dos al-Khalifa) chegou ao cúmulo da condenação de médicos por terem prestado cuidados hipocráticos a manifestantes feridos.
        Da capacidade de minúsculos estados atingirem respeitáveis níveis de crueldade, o Conde Mosca, do romance de Stendhal A Cartuxa de Parma, já nos havia mostrado a real possibilidade. Com o auxílio da força expedicionária saudita, os al-Khalifa semelham seguros quanto à manutenção do regime de virtual apartheid em que mantêm a maioria da ilhota no Golfo Pérsico, que, aliás, também serve de base naval para a esquadra americana naquela região. 



( Fonte: International Herald Tribune )

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