quarta-feira, 12 de outubro de 2011

União Europeia e a Unanimidade

                    

         Certos erros só são explicáveis pelo otimismo que prevalece ao ensejo da criação de grandes corpos de associação. Tudo é feito sob a luz benfazeja da euforia que soi presidir a implementação desses projetos.
         Na pena de um grande filósofo esse comportamento seria descrito como humano, demasiado humano.
         A história e as fábulas trazem muitas advertências que, em geral, não são levadas a sério quando se formam as uniões.
         A União Europeia disso constitui exemplo relevante. Formada pela visão gradualista e prudente de seus prógonos – notadamente Jean Monnet, Robert Schuman e Konrad Adenauer – que, a partir da conjunção de fatores produtivos, visaram a costurar laços que impedissem novos e desastrosos conflitos. Essa política dos pequenos passos – iniciada pela comunidade do carvão e do aço – marcharia para o êxito da Comunidade Econômica Europeia, em 1958 (seis países fundadores), e, mais adiante, para a União Europeia, com os seus atuais 27 países-membros (desde 2007). Os últimos países a completarem o processo de adesão são a Romênia e a Bulgária.
         Na virada do século, com a instituição da zona do Euro, a U.E. criou moeda comum, com Banco Central Europeu, sediado em Frankfurt. O euro, a princípio como moeda escritural (1º de janeiro de 1999), e posteriormente, de forma efetiva (1º de janeiro de 2002), é adotado por dezessete países.
         Na sua implantação e posterior alargamento, a União Europeia se tornou presa do próprio sucesso que se baseia no conceito da união de estados soberanos.Surge daí, tanto o critério da unanimidade, quanto a falta de instrumentos fiscais pelo BCE.  
        Sem embargo, se os países partícipes da passagem da comunidade para a união tivessem atentado para as lições da  história, não teriam abraçado o princípio da unanimidade. Tal norma foi decerto escolhida pela preocupação com a soberania, estimando-se que o critério de decisões majoritárias, mesmo qualificadas, não se coadunaria com  união de países soberanos.
       Este terá sido o erro original, que tende a inviabilizar a tomada de medidas em momentos difíceis, pelas óbvias dificuldades de políticas baseadas na unanimidade. Surpreende que tal critério tenha sido imposto, mormente em terra europeia.
      A  propósito, o Parlamento polonês constitui exemplo significativo de o quanto a norma da unanimidade pode ser nefasta e mesmo deletéria para uma comunidade. Valendo-se do chamado direito de veto – que possuíam todos os membros do parlamento da antiga Polônia –  as potências hegemônicas circundantes (os Impérios da Rússia e da Aústria, e o Reino da Prússia) lograram instrumentalizar membros desta assembleia para inviabilizar reformas  que criassem condições para a defesa do Reino da Polônia. Este seria, em consequência, vítima de sucessivas partilhas que culminaram com seu desaparecimento.
       Outro exemplo – este positivo, porque aponta a solução – foi a passagem da confederação das antigas colonias inglesas para a federação, através da qual se tornou possível superar a bloqueadora regra da unanimidade. A Constituição Americana, de 1787 , que até hoje permanece em vigor, com as suas 27 emendas, é prova do acerto dos próceres de Filadelfia.
       O que acaba de ocorrer com a rejeição pelo parlamento da Eslováquia da ampliação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira evidencia a necessidade de que um conjunto formado por numerosos estados não se paute pela regra da unanimidade.
       Com efeito, as próprias características do processo tendem a sublinhar essa necessidade. Dos dezessete países da Zona do Euro, a Eslováquia, um pequeno país que se desmembrou da antiga Tcheco-eslováquia, a par de ser o segundo mais pobre da área do euro, foi o único que não aprovou a medida de socorro à República Helênica.
       A perdurar o veto, a insensatez e a ilogicidade do processo legislativo ficam mais do que expostas, pois um único país-membro com o peso econômico da Eslováquia inviabiliza a providência que tem por escopo evitar que a crise grega se propague pela Europa.
       Só os ingênuos podem imaginar que os países mais fortes economicamente – como a Alemanha e a França – não exerçam pressões para contrabalançar essa regra artificial, que em um conjunto de dezessete nações, torna não só lenta, mas dificultosa a implementação de medidas reclamadas pelo interesse da UE como um todo.
       Há indicações de que o parlamento da Eslováquia, passado o seu momento de glória ou de notoriedade, pela força daquilo que pretendeu deter venha a ser persuadido do despautério cometido, aprove em segunda votação a ampliação do citado Fundo de Estabilização.
       De qualquer forma, o árduo andamento do procedimento legislativo – pulverizado em dezessete congressos ditos soberanos – sublinha a lacuna do ato constitutivo de 1992, e a necessidade de adendos que o tornem mais consentâneo com as realidades de agrupamentos com o tamanho, e a possível inchação, da União Europeia.



( Fonte: Folha de S. Paulo )   

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