quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A Negação Americana do Aquecimento Global

                
        A posição americana em relação à influência humana no aquecimento global variou negativamente quanto à situação na eleição presidencial de 2008. Então, ambos os candidatos – John McCain e Barack Obama – advertiram sobre a responsabilidade do homem no incremento da temperatura média da Terra, e manifestaram  apoio à legislação para controlar as emissões de gás carbônico.
        Depois de eleito, Obama prometeu abrir ‘um novo capítulo na liderança americana sobre a mudança climática’ e tentou estruturar um pacto global na Conferência de Copenhague.
         Desde então, tanto a suposta liderança americana na questão climática, quanto a própria atitude da população declinou no que respeita a  preocupação acerca da gravidade da situação e da necessidade de se fazer algo para conter o processo.
        Se levarmos adiante a análise, veremos não só que o país está dividido, mas também que a Administração Obama passou, na prática, a recusar a assunção de  postura pró-ativa na questão ambiental.
        Que a União Americana esteja cindida politicamente não é novidade. A premeditada opção pela ala do Tea Party na Câmara de Representantes de utilizar a ocasião de revisão do teto da Dívida Pública – em operação política que teria sido urdida pelo líder da Maioria, Eric Cantor (R/Va) – configurou manobra irresponsável, em que o status creditício estadunidense foi instrumentalizado, visando o GOP alcançar ganhos sectários. Não demoveu Mr. Cantor de seu desígnio a circunstância de que a manobra envolvia questão de interesse nacional, com a agravante de que, excetuada tentativa malograda também republicana na presidência de Bill Clinton, a necessidade de alterar o teto nunca deixara de ser encarada pelo que realmente era - um pormenor burocrático, a ser atendido consensualmente pelas duas bancadas. Afinal, as anteriores representações democrática e republicana se pautavam pela plena consciência de que há temas cuja relevância os coloca fora do âmbito do natural antagonismo político entre situação e oposição. Tais temas não admitiriam, portanto, manobras de extorsão.
        Foi esse modus vivendi que o Presidente Barack Obama permitiu fosse quebrado. A indecisão  de Obama seria a coadjuvante ideal para o plano de Eric Cantor. Comprovada a impossibilidade de o Speaker John Boehner (R/OH) co-patrocinar  acordo bipartidário na matéria, Obama – que dispunha da instrumentália política para forçar um entendimento pela emenda constitucional nr. 14 – preferiu, como é seu hábito, recuar, a ponto de o ‘acordo’ sobre o novo teto da dívida assinalar um dos momentos mais patéticos na claudicante liderança de Obama.
       Antes de examinarmos a estranha negação de boa parte da opinião pública americana em admitir que a crise ambiental é um tema não-controverso, porque determinado cientificamente, seria importante perguntar-se por que um fato tão abstruso ocorre.
       Não é crível acreditar que o americano médio tenha cultura e sobretudo discernimento tão limitado a ponto de tornar-se joguete da poderosa indústria de combustíveis fósseis. Sabemos que os irmãos Koch, os notórios magnatas petroleiros com sede em Wichita, no Kansas, tudo fazem para solapar as informações dos expertos e cientistas ambientais – assim como por interpostas corporações e pessoas combatem as resoluções ecológicas e de controle das emissões votadas pelo estado da California. Mas semelha demasiado supor que a sua capacidade suasória seja suscetível de mascarar uma realidade que se tem imposto no território continental americano, com o incremento desmedido de violentos tornados, desastrosas inundações e  furacões com inusitada força.
         A obtusidade diante dos fatos só tende a prevalecer se há muitas muletas e biombos disponíveis para induzir segmentos da população americana a acreditar na premissa de que a questão ambiental é de índole política e não científica. Mesmo se abstrairmos da análise os grupos que têm interesses materiais em jogo e que, por falta de qualquer sentido ético, não refugam contraditar as provas científicas e adulterar os fatos do aquecimento global (e o consequente derretimento das calotas polares), continuarão desenvoltamente em cena percentuais inquietantes de alienação ecológica.
         O primeiro absurdo americano é que lá  o ambientalismo está consignado entre os tópicos políticos. Tal despautério não se repete em nenhum outro país desenvolvido.  Dessarte, 75%[1] dos conservadores de quatro costados (staunch conservatives), 63% dos chamados libertários (conservadores que propugnam um estado mínimo) e 55% dos republicanos tipo Main Street (a visão conservadora usual, com menos impostos e menos ajuda a desempregados e pobres) não acreditam na existência de provas de que haja aquecimento global.
        Por sua vez, 75% dos democratas pensam que sim, há evidências sólidas quanto à realidade do aquecimento global.
       Como se vê, a politização do ambientalismo é um dado decerto preocupante quanto à capacidade mental do americano médio de lidar com a realidade. Em décadas precedentes, o diferenciamento estadunidense, com as suas idiossincrasias, era explicado como motivado por considerações de índole imperial.
       No entanto,  assertiva desse gênero dificilmente se coaduna com a atual situação nos Estados Unidos, em que têm livre trânsito considerações sobre o declínio da América. A esse respeito, em blog[2] anterior, me ocupei deste tema que é o objeto de diversos artigos, e que versam igualmente a crise econômica a refletir-se mais intensamente no interior americano, com o desemprego e a falta de perspectivas, em matérias dedicadas à chamada América profunda.
       Não será, portanto, devido a  altaneria fora de contexto que se explica tal esdrúxula negação. Essa tendência a negar uma realidade que poderá provocar alterações no respectivo ethos – v.g., não utilizar carros de alta cilindrada, e contribuir para reduzir a poluição, privilegiar outras energias que não as de origem fóssil, etc. – e implicar em mais dispêndios (não importa se para um mundo melhor), tudo isso traz à baila a condicionante política da oposição à causa ambiental. O míope egoismo desses segmentos populacionais torna-se de adoção mais fácil se escantearmos a sua principal motivação, mascarada convenientemente por uma posição dita de princípio: a negação científica do ambientalismo.
           Como se verifica, a posição do cidadão comum republicano – nas suas várias regressivas correntes – não difere tanto assim, em termos éticos, dos princípios defendidos pelos bilionários irmãos David H. Koch e Charles G.Koch, seja nos seminários fechados no deserto da Califórnia (de que participam juízes conservadores da Suprema Corte), seja nas iteradas tentativas de derrubar resoluções ambientalistas sufragadas pela Califórnia.
           Há, contudo, um outro elemento importante cujo efeito infelizmente não pode ser subestimado. Reporto-me à circunstância – verificável tanto em republicanos, quanto democratas – em termos de renúncia a papel de liderança no particular.
         No GOP – e tal decerto surpreende menos – existe um verdadeiro deserto de líderes que se proponham – como John McCain o fez em 2008 – a aventar e discutir o desafio colocado pela questão. No capítulo, a afirmativa do governador do Texas Rick Perry, um dos principais pré-candidatos, de  que não está determinado pela ciência” se a atividade humana causa aquecimento global, não mereceu qualquer opinião discrepante do punhado de outros concorrentes, com a única exceção do quase desconhecido Jon M.Huntsman Jr. (com 2% de preferências) que ousou asseverar que confia na opinião dos cientistas de que o problema é real.
          Em não desejando contrariar quer os preconceitos, quer os interesses egoísticos de seus simpatizantes, os políticos republicanos estão engrossando o coro de o que devem saber é uma farsa. Pode-se imaginar que Mitt Romney, o ex-governador do Massachusetts realmente acredite em tais baboseiras ? Talvez a própria pergunta não tenha razão de ser se tivermos presente que ele denegou a reforma federal da saúde aprovada em 2010, posto que seja muito similar a que fora aprovada durante o seu governo estadual – que também renegou, curvando-se à geral rejeição pelo GOP da primeira reforma geral de saúde pública nos Estados Unidos, desde a década de sessenta (por eles pejorativamente designada como Obamacare).
         Gostaria de deter-me por aqui, mas serei relembrado haver dito existirem democratas que se abstêm de liderar movimentos de maior conscientização ambiental.
         Creio que basta no capítulo referir-me ao Presidente Barack H. Obama. Na matéria, assinale-se que permitiu, por considerações de oportunidade política, que nada fosse aprovado em termos de medidas de proteção ambiental pelo Congresso americano por força dos parâmetros acordados na Conferência de Copenhague.
         Mas as faltas da Administração Obama em matéria ambientalista são tanto por omissão, quanto por comissão. Na coluna da omissão, anote-se o lamentável silêncio presidencial no último discurso sobre o estado da União. Nenhuma palavra sobre meio ambiente passa uma falsa mensagem ao povo americano, como se fora assunto que não merecesse sequer inclusão na sua fala anual perante as Casas do Congresso.
         A omissão de Obama também se nota penosamente com a não-utilização do bully-pulpit de que se serviu o primeiro Roosevelt[3], para difundir assuntos de relevo e que devam ser objeto de consideração pelos concidadãos. Ao invés, temendo talvez desagradar a eleitores, Obama, somente em função do argumento de o assunto haver ficado controverso, cede uma vez mais, e o que era importante deixa de sê-lo.
         O presidente Obama tem sido acoimado por mais de uma vez por sua negação em liderar o povo americano. Se corroborada,  é inquietante característica. Será possível admitir que um presidente  eluda a missão de ser líder, no caso de questões por ele avaliadas como suscetíveis de dissenso ?
         Por fim, cabe registrar os atos por comissão da Administração Obama nesse domínio. Assim,  o governo americano envida esforços e gestões para que se isentem as companhias aéreas americanas do projeto da União Europeia de cobrar pelas emissões de dióxido de carbono ao aterrissarem nos aeroportos europeus. 
         As providências não necessariamente ecológicas não param por aí.  Parece iminente a aprovação de  oleoduto de cerca de três mil e duzentos quilômetros através do Canadá até os Estados Unidos, para transportar uma espécie de petróleo cuja extração lançará níveis relativamente altos de emissão de gases na atmosfera.
         São atos e medidas na contramão do empenho ambientalista, que pela sua natureza carece de ser implementado em comum e de forma solidária. Quem desrespeita a norma, trabalha não só contra si próprio, senão contra a Humanidade.
          Para quem almejava liderar a campanha por uma atmosfera melhor para esta e futuras gerações...



 ( Fonte: International Herald Tribune )



[1] Os dados fornecidos a seguir foram coligidos pelo Centro Pew de pesquisa.
[2] O Futuro dos Estados Unidos, de 18 de outubro corrente.
[3] Theodore Roosevelt, presidente de 1901 a 1909 (Rep.).

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