segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Notícias do Front Árabe

                               

        A luta pela liberdade costuma ser longa e difícil. Ditaduras e os setores sociais que as apoiam só abandonam a porfia quando se dão conta de que a empresa está manifestamente condenada, ou ao sentirem que o preço a ser pago pela manutenção da velha ordem fica proibitivo.
       Nenhum tirano se sustenta sozinho. Todos eles dispõem de alianças de sustentação. Dessarte, quanto mais ampla tal rede, mais dificultoso será o intento de rompê-la.
       Terá sido na Tunísia de Ben Ali que o relativo isolamento da clique cleptocrática do trintenal ditador facilitou o avanço do movimento. A solidão do presidente vitalício minou-lhe as perspectivas de resistência. A sua fuga, com o ouro que conseguiu carregar, não tardou muito após o supremo sacrifício de Mohamed Bouazizi. Sentiu que os antigos aliados estavam prontos ao sacrifício de sua imolação no altar da democracia. Por isso, tratou de pôr-se ao largo, no regaço do  Rei Abdullah, da Arábia Saudita.
      Se no Egito a revolução da praça Tahrir tampouco demorou muito para inviabilizar a permanência no poder de Hosni Mubarak, tal se deve a circunstâncias  similares com a revolução tunisiana.
      Decerto, a reação da sociedade egípcia foi igualmente ampla. No entanto,  a supremacia do sucessor de Anuar Sadat, quando se confirmou a amplitude da rejeição popular ao ditador, não lhe deu a base de sustentação que Mubarak tinha presumido. O exército, o verdadeiro poder no Egito, pela aparente personalização no mando pelo presidente, julgou oportuno evitar o desgaste na defesa e manutenção de quem catalizara tanta impopularidade, seja pela corrupção, seja pelo apego excessivo a  dominação mais do que defasada. 
       Mubarak, por não ter agido como o seu homólogo Ben Ali, viu despencar-se sobre ele  a cólera da sociedade, que pôde ter caminho quase desimpedido pela forçada personalização do propósito revolucionário, que tendeu, assim, a perder relevância, por não alterar a relação de forças preexistentes.
       Na Líbia, o sucesso dos rebeldes se tornou possível pelo relativo isolamento do coronel Muammar Kaddafi, pelo desgaste de quarenta anos de tirania não-esclarecida, e uma política, tão farsesca na corte do lider da Jamayria, quanto bourbonicamente desavisada, eis que nada aprendera com a história, nem nada esquecera dos antigos e supostos doestos sofridos.
      A podridão na Líbia facilitou bastante a desorganizada empresa dos rebeldes, cujo núcleo vinha das tribus que tinham sido espoliadas pelo passado apoio ao rei Idris.Também teve papel importante no avanço – lento mas seguro – da campanha dos rebeldes o apoio determinante dado pela OTAN. De resto, esta intervenção decorreu da importância do petróleo líbio, a que se conjugaram os excessos do tirano, mandando bombardear os seus conacionais pelo crime de se oporem à sua ditadura  de quarenta anos.
      À medida que os núcleos urbanos retidos pelo Coronel foram caindo  - e a sua persistência ora se resume a dois ou três sítios – aumentavam os motivos de seu indiciamento pelo Tribunal Penal Internacional, assim como ficavam ainda mais peculiares as razões de certas diplomacias – entre as quais a brasileira – a continuar no respaldo de um regime manchado por tantos massacres e tropelias.
      Dentre os regimes atacados pela primavera árabe, a princípio surpreendeu a escolha da ditadura de Bashar al-Assad. A compacta crueldade, assim como a sustentação pelo exército, pressagiavam  longa campanha. Os prognósticos infelizmente se comprovaram, com aturada e cruenta luta, que se realiza em um quadro iraniano, com a vedação à incômoda presença e testemunho da mídia e dos repórteres do Ocidente.
      Mais uma vez, o suporte prestado pelo regime autoritário da Federação Russa e a ditadura da China, tem sido de alguma valia para Bashar, na medida em que tem inviabilizado resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Sem embargo – e aí entra a força econômica que Moscou e Beijing não tem condições de suprir – sanções aplicadas pelos Estados Unidos e a União Europeia vem tornando a existência econômica de país como a Síria bem mais precária. Os efeitos dessas sanções se tem feito sentir pelas cidades sírias – inclusive Damasco e Aleppo que até hoje se mantêm pouco ativas na resistência -, a par do enfraquecimento da moeda, do desaparecimento do turismo, e a falta de movimentação comercial.
     O regime alauíta que, em sete meses de protestos e pelo menos 2.900 pessoas trucidadas, enfrenta um aperto econômico – o IMF prevê o decréscimo da economia em 2%.
      Sem embargo, não se espera a queda de Bashar al-Assad em um prazo curto. Posto que esse gênero de previsão se afigura sempre arriscado, porque a lógica social e os fatores envolvidos muita vez se escondem sob enganosa e aparente placidez, há indicações de fontes europeias e turcas de que o desgaste das sanções e das manifestações populares poderá derrubar o déspota dentro de seis a dezoito meses.  
     Nessa estimativa há dois aspectos que merecem consideração. A própria desmedida extensão do ‘prazo’ concedido à ditadura síria tende a predispor-nos a atitude de prudente cautela. Muito água ainda há de passar por baixo das pontes do regime. Por outro lado, a postura mais afirmativa de um antigo aliado de Bashar, v.g. a Turquia de Recep Erdogan, deveria induzir nossa diplomácia à maior reserva. Pretende-se, acaso, reiterar a calinada do apoio ao corrupto e bárbaro coronel, também nesse caso, quando antigo aliado e vizinho se dissocia de Damasco, por força dos massacres cometidos ?



(Fonte:  International Herald Tribune )

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