quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Só Vergonha ?


           A frase já se tornou um chavão, mas a reincidência da Câmara dos Deputados em comportamento não só corporativista, mas também antissocial, nessas votações tristemente anunciadas, por pregressos arreganhos e provocações. O incentivo ao crime é punido pela legislação, mas somente para os cidadãos comuns.
           A votação da Câmara firma a seguinte doutrina: o crime anterior à diplomação não é reconhecido como motivo bastante para perda de mandato.
           Nenhum flagrante de corrupção poderá superar a prova da recepção de propina de cinquenta mil reais, no esquema do mensalão do DEM. Não obstante, dos 451 deputados presentes, 265 votaram contra a cassação; 166 a favor; e 20 se abstiveram.
           Ratos protegidos pelo voto secreto,pois há cinco anos dorme nas gavetas da Câmara projeto que acabaria com o sigilo nas votações relativas à cassação de mandato. Empilham-se já muitas razões inconfessáveis para mais esta afronta ao povo. Temerosos do perigoso precedente de que parlamentares venham a ser punidos por crimes anteriores à eleição, 285 deputados (pois as abstenções no caso são águas para os moinhos da corrupção) se pronunciaram pelo privilégio e o desrespeito às leis que se aplicam aos cidadãos comuns.
           O retrospecto da Câmara baixa já avultava como indicação segura de o que ela produziria: desde 2005, dos 33 deputados processados por falta de decoro, somente quatro haviam perdido o mandato.
           Mais este penoso e humilhante episódio produziu outra cena deplorável. Recordam-se da dança ensaiada pela alegre deputada Angela Guadagnin (PT-SP), para comemorar a não-cassação do colega João Magno (PT), em outra votação na contramão do sentimento nacional ? Se ela seria mais tarde castigada pelos eleitores, cabe indagar o que se reserva ao petista Candido Vaccarezza, que ostenta o título de líder do governo na Câmara dos Deputados. Pois Sua Excelência, de um partido que antes se notabilizara no repúdio à corrupção, julgou oportuno associar o governo da presidente Dilma Rousseff à espúria comemoração com a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) por um tal resultado ?
          Que orientação o Sr. Vaccarezza terá dado aos seus liderados na hipótese de que tenha alguma liderança – congratulando-se sorridente com a flagrada em crime de corrupção passiva e filha do ex-governador Joaquim Roriz (justamente aquele que em passado recente renunciara para evitar processo de cassação?).
          A escritora Lillian Hellman, nos anos do macarthismo, falava do tempo dos patifes (scoundrel time), e da farra das denúncias ideológicas. Ora, com a Lei da Ficha Limpa desativada pelo voto de novel ministro do Supremo, e com outras ações dos políticos por ela ameaçados – entre as quais a sua suposta inconstitucionalidade – um outro valor se alevanta. Se prevalecer, as suas causas serão muitas, a começar pelo pouco cuidado do Executivo no processo de seleção dos juízes da Suprema Corte. De qualquer forma, a escrita em muros e paredes, pelos hediondos garranchos, não será bela coisa a contemplar. E nos indicará que a luta será longa, e o tempo afastado, em que resultados como o de ontem se afigurem impensáveis.
          Dentro da Lei, a sociedade precisa reagir, para mostrar a essa grei, que agora semelha assanhar-se, que todo o infrator das boas práticas, e todo o governo que diz uma coisa e faz outra deve ser punido, como o colégio eleitoral castigou a deputada dançarina.


( Fonte: O Globo )

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