segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O Fim Anunciado do Ditador Kaddafi


           Na Grécia antiga encontramos o antepassado dos ditadores. É o tirano, cujo primeiro passo para assenhorear-se do poder estava no pedido de guarda armada, supostamente para garantir a segurança pessoal do chefe, mas na realidade a providência inicial no caminho da supressão das liberdades cívicas da cidade-estado. Pisístrato é o exemplo clássico, mormente por surgir em Atenas, que seria o berço da democracia. A sua ascendência, iniciada em 560 a.C., após curta interrupção, se estenderia até 527 a.C.
           Cumpre notar que a figura do ditador na República Romana nada tem a ver com os precedentes e atuais ditadores. Era função constitucional, convocada em momentos de crise nacional, com finalidade específica e duração circunscrita à situação extraordinária que a motivara. Exemplo paradigmático é a ditadura de Quinctius Cincinato, que fora Cônsul em 460 a.C. Em situação de grave perigo, com a tropa do povo Aequi ameaçando Roma , o cônsul em função, Cincinato foi designado ditador. Em quinze dias, formou um exército, derrotou os Aequi.Após o triunfo, renunciou ao cargo e retornou ao manejo do arado, em seu campo. Como semelha óbvio, os ditadores do passado e presente, excluída o aspecto humano, em tudo o mais se diferenciam desses austeros vultos da Roma arcaica.
          Tudo indica que a República Verde entra nas vascas da agonia. A Liga Rebelde já adentrou a chamada Praça Verde, em Trípoli. Se o bunker do lider da Jamairia ainda não foi invadido, dois de seus filhos foram presos. Com efeito, Saif al-Islam Kaddafi, fora indiciado pelo Tribunal Penal Internacional, por crimes contra a Humanidade.
          Saif se encarregava do serviço secreto, e o Promotor Luiz Moreno Ocampo gostaria de hospedá-lo na Haia. Igualmente nas mãos dos rebeldes, outro rebento de Muammar, Saadi al-Kaddafi, hoje negociante e antes jogador de futebol.
          O T.P.I. também indiciou Abdullah al-Sanussi, cunhado do ditador.
          Kaddafi, o jovem major, que depôs, em golpe incruento, a 1º de setembro de 1969, o ausente Rei Idris (em tratamento médico na Turquia), liderava um grupo de jovens oficiais. Quem empolga o poder pela violência, tem de acostumar-se a que outros aventureiros queiram empregar a traiçoeira força contra ele ( a primeira conjura contra o major foi em dezembro de 1969, descoberta graças à espionagem egípcia). Muammar elegeu o presidente Gamal Abdel Nasser – que depusera o rei Faruk em 1952 – como seu ídolo e modelo. Para seu infortúnio, Nasser, amargado pela derrota na guerra dos seis dias em 1967, morreria em 28 de setembro de l970.
          Kaddafi permanece à testa da Jamairia líbica há quase quarenta e dois anos. Para uns, símbolo do orgulho árabe e da luta contra o imperialismo; para outros, um déspota não-esclarecido, cruel, vingativo e caricato. Os exemplos são muitos, e não é o caso de elencá-los todos. Visto como um idealista, um novo líder cujo semblante, com o passar dos anos, se transformaria como no retrato de Dorian Gray, mostrando a flacidez e as cicatrizes do terrorismo (Lockerbie) dos bandos assassinos de dissidentes no exterior. Pagou em moeda o sofrimento que causara às vítimas e suas famílias do atentado contra a Pan Am (voo 103), e consentiu que dois nacionais seus fossem julgados como responsáveis, um deles sendo condenado à prisão perpétua (depois comutada em indulto). Kaddafi semeou sacrifício (perseguição aos bérberes, guerra do Tchad), mudou o nome dos meses do calendário (que passou a observar a cronologia islâmica) de agosto para hannibal, e de julho para nasser. O seu notório Livro Verde, que condensaria a imagem do futuro, parece ora destinado seja à lata de lixo de Trotzki, seja às fogueiras de Benghazi e alhures.
          Como Kaddafi – que, mesmo na presente e precária situação, ainda desperta patéticas fidelidades e testemunhos – infligiu muito sofrimento. A revanche passou a concretizar-se no bombardeio ordenado por Reagan, para castigá-lo pelo torpe atentado da boîte La belle, em que seus sicários mataram três e feriram 229. A via penitencial do ditador ainda aprontaria algumas maldades periféricas pelo caminho como o ordálio infligido aos médicos búlgaros (libertos em 2007).
         Abraçado enfim por George Bush e Tony Blair, ainda logrou encontrar-se com Barack Obama em 2009. Todos os seus esforços e a disposição de visitar (e revisitar) Canossa (ir a Canossa é humilhar-se perante o adversário), não foram bastantes para preservá-lo no mando, uma vez que o sacrifício de Mohamed Bouazizi atearia no mundo árabe as chamas da rebelião.
         Por interposta pessoa, partiria da detestada costa oriental e a cidade de Benghazi, velhos aliados do rei Idris, a temida revolução. A própria desapiedada repressão aos respectivos nacionais – tratados como invasores alienígenas – ganharia para a Liga Rebelde o apoio da OTAN e do Ocidente, com as consequências que ora se vêem nas ruas de Trípoli.
         Se Muammar Kaddafi será encontrado vivo ou morto, se será apanhado pelos adversários (como Benito Mussolini o foi para ser dependurado em Piazzale Loreto, na solitária companhia da amante Clara Petacci), o futuro, este caprichoso mago, por enquanto ainda nos oculta.
         Difícil, no entanto, evitar-lhe este resumo histórico de quem encetou o caminho com grandes ideais, e acabou beijando o áspero pó da derrota infligida por inimigos tão persistentes quanto ingratos.



( Fonte subsidiária: CNN)

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