terça-feira, 23 de agosto de 2011

O que é Diplomacia


           Na atualidade, se alça a polêmica a respeito da orientação de política externa do Brasil. Nesse sentido, acusa-se o Itamaraty de erros graves no que tange ao alinhamento político e à defesa dos direitos humanos.
           Antes de julgar o mérito de tais posturas, é oportuno recordar metodologia de procer hoje caído em desgraça no tribunal da história, mas que ainda merece atenção no que concerne à epistemologia.
           De acordo com tal visão, antes de analisar-se qualquer proposta, é mister estudá-la no próprio contexto e sobretudo determinar-lhe a origem. Consoante tal enfoque, conhecer a procedência e o autor da proposta será determinante para decidir se aproveita ou não ao interesse da parte.
           A aparente paranóia desta tese tende a desfazer-se na seguinte rationale: a proposta, por melhor que pareça, não pode ser boa se ela provém de um inimigo. Porque, debaixo de sua enganosa roupagem , deve estar contaminada por objetivos que são contrários ou nocivos aos princípios e sobretudo interesses da parte receptora.
           Por tal motivo e outros quiçá de maior peso, seria importante determinar-se na discussão das questões qual é a procedência das mensagens, e a quem elas servem.
           Qual a importância desse princípio ? Dado seu caráter pragmático, terá mais a ver com movimentos táticos e com o dia-a-dia da política. Se sua utilização, a isto não se limita, semelha forçoso reconhecer a que em geral se aplica, posto que não devamos excluí-lo em princípio dos grandes temas.
           O Brasil, até mesmo em tempo colonial, como Alexandre de Gusmão o evidencia, e a fortiori no Império e nas primeiras repúblicas, se pautou por uma diplomacia de estado, arrimada no interesse nacional e na coerência de sua defesa.
           A diplomacia imperial, no estudo dos antecedentes e das posições pregressas da chancelaria, criou as bases para firmar as nossas fronteiras. Já esboçadas no Tratado de Madri, o uti possidetis se fundaria no conhecimento dos velhos mapas, delineados em terra pelas bandeiras e entradas, e gravados no papel pelos padres matemáticos e cartógrafos. Duarte da Ponte Ribeiro constitui o exemplo de diplomacia discreta e articulada, que enjeita a improvisação e as reviravoltas políticas. Diplomacia de estado, fundada no conhecimento e na tradição, e por isso infensa às contradições do transitório das contingências partidárias da política interna.
           O Barão do Rio Branco, e a sua obra, representa o estuário de tantas modestas fontes diplomáticas, e foi no conhecimento aturado dos mapas que o Brasil venceu os laudos arbitrais – o das Missões, de fevereiro de 1895, do Presidente Grover Cleveland, e o da Guiana Francesa, de dezembro de 1900, do Conselho Federal Suiço.
           A diplomacia da República, mesmo durante a noite do regime militar de 1964 a 1985, teve a sabedoria de manter a essência do estado, o que evitaria contradições e posturas em desserviço dos interesses permanentes do Brasil.
           Esta orientação se manteria até 2002. Depois desta data, nem sempre tais princípios foram observados. Houve o convívio nem sempre coerente entre a larga visão do Estado, que sobreleva às implicações e as mutações de política interna, e uma ótica de partido, em que as questões do interesse do Estado tinham papel secundário, por força de contingências sectárias.
           Às vezes, por ignorância, e outras por oportunismo faccioso, nossa diplomacia se afastou em determinados momentos da rota conhecida, marcada pelo grande leito da tradição.
           A diplomacia não é uma planta sem raízes. Ela se alimenta da seiva do conhecimento, das doutrinas e dos interesses não momentâneos ou estrangeiros, mas de uma rota coerente, marcada por princípios e experiências já comprovados. A boa diplomacia não tem partido e enjeita a improvisação e as adequações de afogadilho.
          O Itamaraty – esta metonímia da política externa brasileira – soube se fazer respeitar no passado não pelo oportunismo de estampo partidário, mas por uma orientação baseada em princípios e práticas comprovadas que, pela sua inteireza, estruturação e profissionalismo, soube marcar a respectiva posição, e granjear a respeitosa atenção que é sempre outorgada aos parceiros que têm presença marcante na cena internacional.

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