quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Líbia é um atoleiro ?


O pessimismo do coronel Muammar Kaddafi ao conversar com seu velho amigo Ben Ali tinha fundos motivos. Por tantos anos Líbia e Tunísia tinham sido bons vizinhos. Agora sopravam de Túnis maus ventos, desencadeados por um simples verdureiro. Na verdade, a compreensão do líder da Jamairia com a situação do presidente tunisiano não era apenas fruto de suposto altruísmo. Quem depusera o rei Idris em 1969 sabia que a vizinha sublevação não deixaria de afetar-lhe e até contagiar-lhe os próprios domínios.
Essa para ele deplorável progressão lhe invadiria o país, assim como o vizinho Egito. Hosni Mubarak iria cair igualmente. Não obstante, as coisas lá seriam diferentes. A revolução da praça Tahrir permanece incompleta e não há sinal verossímil de que o exército pretenda ceder o lugar a poder civil. Afinal, desde 1952, com a derrubada do rei Faruk, na terra dos faraós o mando veste farda.
O dito famoso de Lord Acton sobre o poder e a corrupção cairia, com o passar dos anos, como uma luva sobre o jovem major que, em clássico golpe de estado em soberano viajante, foi aos poucos se transformando em ambulante caricatura das suas ilusões.
A revolução verde que pensara implantar na sociedade tribal da Líbia terá sido sempre mais fantasia do que planta a lançar raízes. Apesar de mais de quarenta anos no poder, plantou as sementes da cizânia – gramínea que os militares gostam de citar – ao imitar, sem o saber, o princípio dos Bourbon. Não esquecendo a aliança das tribos da Cirenaica com o soberano deposto, como poderia perdoá-las ?
Se, como disse Heródoto, o Egito é uma dádiva do Nilo, a Líbia será uma ilusão geopolítica, com províncias costeiras que remontam à antiguidade helênica, e vasto, desértico interior onde jorra valioso petróleo.
Na primavera árabe, a rebelião líbica seria outro fenômeno anunciado. O levante de Benghazi e das localidades do litoral oriental viria fatalmente. Espontâneo, desorganizado, sem estrutura castrense nem armamento pesado, foi encarado a princípio com benévola indiferença pelo Ocidente. Paradoxalmente, Kaddafi tratou de ajudá-lo ao procurar debelá-lo como se fora hoste estrangeira, empregando para tanto os seus aviões bombardeiros e a artilharia.
Ao agir como um tirano, terá pensado no exemplo do general Omar al-Bashir do Sudão, a quem o Ocidente favoreceu, não interferindo pelo genocídio de Darfur. Agora, a maior exposição da costa e a riqueza petrolífera em jogo terão pesado mais, transformando a postura ocidental nas proativas bombas da OTAN.
Depois de estabelecer área de proibição de sobrevoo, e de posteriormente tentar, de forma sistemática, alcançar o que Reagan não havia conseguido, as limitações da aliança rebelde, as suas dissensões internas, a par da endêmica desordem no conflito líbico, a recusa de Kaddafi em sair de cena, tudo isso conduziu a um estado de estagnação.
As defecções da Jamairia, acentuadas a princípio, hoje refletem o aparente marasmo militar. Há entusiasmo, mas não organização na Liga Rebelde. Não lhe faltam apoios políticos, mas a supremacia aeromilitar não se afigura bastante para culminar o que antes se julgara inexorável. Por outro lado, Kaddafi pode ser patético na resistência – assim como às vezes semelham patéticas as visitas que se animam a prestar-lhe estranha solidariedade, que parece mais fundada na confusão ideológica do que em avaliação de princípios.
Está, portanto, formado o atoleiro ? A OTAN bombardeia – e as suas incursões, por vezes, nada têm de burocrático – mas não logra atingir o sonhado bunker do coronel. Será que a história voltará repetir-se em farsa ?
Como deste drama falta o fim, fica difícil ler o que reservam as paredes – ou ruinas – do futuro.
Há gente que busca apelar para a razão. Talvez, ao invés de solução, tal convicção constitua parte do problema. Porque nesse entrevero – como na interminável novela pregressa – existem pessoas que deram sempre rédea solta ao corcel da paixão, ignorando o do discernimento. Como até agora julgam ter-se dado bem...

(Fonte subsidiária: International Herald Tribune)

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