domingo, 28 de agosto de 2011

Colcha de Retalhos XC

O Brasil é ainda um país católico ?

          O economista Marcelo Neri (FGV) realizou estudo sobre a situação das religiões no Brasil. Para tanto, Neri se fundamentou nos dados levantados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE para assinalar a queda de 2003 a 2009 na proporção de brasileiros que se professam católicos. A inflexão nessa proporção passou de 74% a 68%.
          Por sua vez, houve redução no ritmo de crescimento dos evangélicos pentecostais (Assembleia de Deus, Universal do Reino de Deus, Congregação Cristã do Brasil), que variou, no mesmo período, de 12,5% para 12,8% do total da população. Assim, a POF indica que os pentecostais que, na década de noventa, praticamente dobraram de proporção, ora registram nível bastante inferior de crescimento.
          Somente quando forem divulgados os dados do Censo de 2010 do IBGE, no que tange à religião, é que se poderá determinar com maior exatidão a tendência da década passada. Nesse aspecto, o quadro atual do Brasil, em termos de concentração de católicos por estado, exibe a tendência regressiva do catolicismo em nosso país.
          Dos católicos, a maior parte do país (12 estados), inclusive São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, está na faixa dos 63-72 %; os dois únicos estados de faixa entre 81 e 90% são o Ceará e Piauí; os 7 estados entre 72 e 81% incluem Minas Gerais, Maranhão e Santa Catarina; o Espírito Santo e o Distrito Federal estão na faixa 54 a 63%; e, por fim, Roraima, Acre, Rondônia e Rio de Janeiro, estão entre 45 e 54%. A esse propósito, o Rio de Janeiro tem a segunda menor proporção de católicos no país, com 49,8%. A menor está com Roraima (47%).
          Esta retração do catolicismo no Brasil é um fenômeno geral na América Latina.
          Desde o tempo em que o surgimento dos evangélicos pentecostais era alocado à difusão das chamadas seitas, o estamento católico tem encarado com preocupação a correspondente regressão do número de católicos.
          A elevação do número de evangélicos no Brasil e na América Central se acentua a partir do final do século vinte, notadamente nas duas últimas décadas. Consoante assinalado por estudos de prelados, em tal incremento haveria a participação estadunidense, inclusive da administração de Ronald Reagan. O influxo evangélico na América Central, máxime na Guatemala, terá contribuído para a descaracterização (e eventual desaparecimento) de antigas práticas que conviviam com o catolicismo. Por outro lado, dada a simbiose de catolicismo com as populações nacionais e indígenas, o enfraquecimento da religião nacional em favor das seitas evangélicas implicaria em menor politização da população, na medida em que os evangélicos tendem a ter menor participação política do que os católicos.
          Nesse contexto, estudiosos interpretariam essa transformação induzida – aumento da população crente ou evangélica – como medida política de longo prazo, alegadamente favorecida pelo governo republicano (e evangélico) de R. Reagan, para assegurar postura latino-americana mais consentânea com a ideologia estadunidense.
          Além da influência de tais agentes políticos – o que careceria de estudos mais aprofundados para a sua conformação – o crescimento exponencial das denominações evangélicas ( as igrejas protestantes tradicionais, v.g. batistas, episcopais, luteranas, presbiterianas, se mantiveram estáveis) acelerado pelo abandono de católicos, sobretudo nas classes B, C e D, se deveria a outros fatores. O agressivo proselitismo teve o impulso suplementar de hierarquia católica marcada por pontificados conservadores (João Paulo II e o atual Bento XVI). O grande teólogo alemão Karl Rahner definiria a visão teológica propugnada por Papa Wojtyla, como o inverno na igreja, dada a disparidade com a época conciliar, trazida pelo Papa João XXIII (1958-1963), e secundada, posto que com menor ênfase, pelo Papa Paulo VI (1963-1978). Infelizmente, o Papa João Paulo I, dado o caráter efêmero de seu pontificado (apenas trinta dias em 1978), não poderia traduzir as suas manifestas intenções no que pressagiaram as respectivas declarações.
          O aulicismo de parte da hierarquia contribuíu para a falta de reações apropriadas para os novos desafios. A par da perseguição aos adeptos da teoria da libertação – de que o atual pontífice, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (o ex-Santo Ofício) foi um encarniçado promotor – a pouca sintonia da igreja sob Wojtyla pode ser epitomizada pela substituição de D. Helder Câmara por D. José Cardoso Sobrinho, que marcou a sua missão pela desestruturação de toda a obra pastoral de D. Hélder.
          O predomínio da orientação conservadora na Igreja não se manifesta, apenas, nas designações para a cúria e as sedes episcopais. Ao contrário da rápida tramitação de beatificações e canonizações de servos de Deus caros à linha do atual Pontífice – a rapidíssima elevação aos altares de Karol Wojtyla é disso exemplo eloquente – a beatificação de Papa Roncalli tardou 37 anos, quase obedecendo ao meio século que me indicara o Cardeal Corrado Bafile. Por outro lado, tampouco semelha haver pressa para a canonização de João XXIII, cognominado ‘il Papa Buono’. Serão acaso empecilhos para torná-lo oficialmente santo, ele que já desde muito goza de inconteste fama de santidade, o largo culto devotado ao Papa do Concílio, os milagres realizados, a par de sua importância como o grande pontífice renovador da Igreja ? Pelo visto, João XXIII, morto desde 3 de junho de 1963, ainda desperta temores e resistências, logo ele que em vida somente cuidara de o que unia e congregava. Reativando como pontífice o que sempre fizera, abriu as janelas da Igreja para a renovação com o Concílio Vaticano II, lançou os diálogos de reconciliação com os judeus e ecumênico com os irmãos separados. Nunca a morte de um papa terá despertado pesar tão amplo e geral, congregando não só católicos, ortodoxos, protestantes e judeus, mas também os muçulmanos e budistas, crentes e não-crentes, todos irmanados no respeito devotado àquele mensageiro da paz entre os homens. Na obediência e na paz Angelo Giuseppe Roncalli soube congregá-los em vida. A presente hierarquia poderia através deste ato singelo pensar grande e imitar-lhe o exemplo. Para voltar a ser relevante em um mundo no qual o Papa do Concílio continuará sempre atual como fator de paz e de união.


O que esperar de um ditador ?


             Pouco importa se foi movimento autônomo ou lição encomendada. A ação dos capangas ou partidários de Bashar al-Assad foi previsível na sua covarde brutalidade.
             O ataque contra o caricaturista Ali Farzat mostra o que têm de risível as muitas promessas de abertura feitas pelo déspota sírio.
             A intolerância é apanágio dos chamados regimes fortes. Na estúpida e automática reação contra qualquer forma de crítica, eles desvelam a sua inerente fraqueza. A violência será sempre a marca registrada das ditaduras. Na verdade, os tiranos só conhecem uma linguagem, que é a da força. Todos eles se assemelham, e o comportamento de Kaddafi, por mais patético que se afigure, se pautou sempre pela crueldade e a intolerância, enquanto o poder lhe restou nas mãos.
             Por isso, a comparação do desenho de Ali Farzat entre o ditador sírio, ainda em função, e o decaído líder da Jamairiya terá parecido ao esbirros de al-Assad, duplamente ofensivo, primeiro por gritar que o rei está nu, e segundo por predizer-lhe a vindoura sorte.
             Pouco importa para tais broncos, que Ali Farzat se sirva apenas de alguns traços no papel, ao desenhar Bashar a tomar carona no carro de Kaddafi. Foi o bastante para que homens embuçados o raptassem, o batessem e não sem antes quebrar-lhe os ossos da mão havida como indigna e ofensiva o jogassem inconsciente em alguma ruela de Damasco.
             O rosto intumescido e as mãos enfaixadas de Ali Farzat refletem a realidade dos acenos do ditador, cercado pelos aplausos dos cortesãos. Nisto são todos iguais: por trás do sorriso congelado, se podem nele entrever todos as tropelias, sevícias, e atentados que bem lhe refletem a natureza e a ínsita debilidade.

Pode-se esperar algo do Federal Reserve ?

             Na verdade, a pergunta se deveria dirigir a Ben Bernanke, mas há outros atores em cena, o que tende a enfarruscar o horizonte. O economista Prêmio Nobel Paul Krugman se mostra descrente – ficaria muito surpreso se o chairman do Fed ‘propusesse qualquer coisa significativa’.
             No entanto, em seu discurso em Jackson Hole, o presidente do Fed disse que a batalha política deste verão quanto ao endividamento e os dispêndios do Governo dos Estados Unidos havia desorganizado (disrupted) os mercados financeiros “e provavelmente também a economia”.
             Bernanke sugeriu que o processo político em si estava quebrado. “O país ficaria mais bem servido por um processo melhor para tomar decisões fiscais”. Sem embargo, Ben Bernanke deu poucas indicações de que o Fed daria mais estímulos monetários para contrabalançar os efeitos nocivos da política fiscal sobre uma fraca economia americana.
             Por que Krugman descrê de uma atitude mais proativa de Bernanke ? O colunista cita uma série de propostas do economista Ben Bernanke no ano 2000, voltadas para uma política no ‘limite inferior zero’. Se o foco do artigo era o Japão, no entender de Krugman os Estados Unidos se acham agora em armadilha muito similar à japonesa, só que mais aguda.
             A previsão de Krugman é que, intimidado por Rick Perry (o governador do Texas, e pré-candidato à Presidência pelo GOP, que ameaçou em recente discurso o chefe do Fed), Bernanke nada faça, agindo como um simples observador, enquanto a economia continua estagnada.
             Semelha bastante penoso reconhecer que uma crise desta magnitude visite os Estados Unidos e se depare com personagens que até o momento não parecem crescer diante do desafio. Sem falar da irresponsabilidade dos líderes republicanos, que se serviram do seu controle de uma das Câmaras do Congresso para extorquir concessões políticas do receituário do Tea Party, sem atentar para o interesse nacional, a imagem do Presidente Barack Obama tampouco evidencia a coragem da liderança.
             Apesar de ter elementos legais para atalhar a chantagem do G.O.P. – como o próprio antecessor Bill Clinton lhe recomendou – Obama preferiu renegar as teses partidárias e se apresentar nas patéticas vestes do centrismo. Anteriormente, quando dispunha de maioria em ambas as Casas, não empolgou a oportunidade para criar mais opções de emprego para a economia americana.
             No quadro atual, os que não têm juízo agem como se o tivessem. E aqueles que são presumidos tê-lo, se apequenam e julgam mais oportuno agir de forma timorata.
             O desfecho de tais comportamentos é uma triste repetição de tragédias anteriores. Só resta a esperança de que os fracos se tornem fortes, e desmintam os maus presságios...



( Fontes: Folha de S. Paulo, CNN, International Herald Tribune)

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