segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O Processo Revolucionário no Irã

O poder teocrático ditatorial, ao partir para a desenfreada repressão do movimento de protesto, iniciado pela descarada fraude eleitoral de junho passado, perde qualquer resquício de eventual legitimidade na defesa da própria situação de poder. O denominado Supremo Líder, Ali Khamenei e as forças sobre as quais acredita poder sustentar-se se autocolocam em um beco sem saída. Ao recorrer à cega violência, Ali Khamenei apenas repete o que o Xá já tentara há trinta anos atrás: vencer o movimento revolucionário pela intimidação e os fuzis.
Os mortos pela bestial intolerância da ditadura dos ayatollahs serão os mártires cuja memória há de fazer acorrer um número sempre maior de manifestantes, porque os intentos de calar os protestos mostram os pés de barro de regime que só tem a força nua a sustentá-lo.
As fotos que a paranóia dos ayatollahs não conseguiu impedir exibem confrontos entre, de um lado, policiais e os seus bem-nutridos capangas da milícia basiji, e de outro, populares. Há uma aparente desvantagem nos armamentos, mas deve-se atentar para a circunstância de que os repressores são mercenários, e os manifestantes agem por motivação que não está à venda.
Assim, em meio ao embate de personagens embuçados, e de estudantes e gente do povo, vemos também motocicletas jogadas no chão, danificadas ou envoltas pelas chamas. A raiva do protesto se volta também contra esses apanágios dos capangas basiji, que os utilizam para atenazar e atacar os manifestantes.
As recentes manifestações de protesto foram as mais sangrentas desde que se iniciou o movimento em junho de 2009. Pelo menos cinco manifestantes foram mortos, entre os quais um sobrinho do líder oposicionista Mir Hussein Moussavi. A força policial a princípio tentou dispersar a multidão – que escandia o refrão ‘Morte ao ditador!’- com gás lacrimogêneo. Em seguida, recorreu a bastonadas e a disparos para o alto. Não o conseguindo de tal forma, os policiais passaram então a atirar diretamente sobre a aglomeração.
Em vários pontos de Teerã, os populares lograram fazer recuar a polícia, capturando diversos carros de patrulha, que foram incendiados. Também investiram aos detestados basiji. Os choques não se limitaram à capital, acontecendo igualmente nas cidades de Isfahan, Mashad, Shiraz, Arak e Najafabad (cidade natal do ayatollah Montazeri).
Como se sabe, no último fim de semana transcorreu o principal dia santo do credo xiita, em que se celebra o sacrifício de Hussein, o sobrinho de Maomé, no sétimo século.
Conquanto haja certa laicização do movimento revolucionário, com crescentes palavras de ordem pelo fim do poder clerical, não obstante, tem sido característica das manifestações mescla de slogans anti-governamentais com antigos gritos de comiseração pelo mártir Hussein.
Dessarte, os manifestantes gritam: “Este é o mês do sangue, Yazid vai cair !”, em que o Supremo líder iraniano Ali Khamenei se confunde com a figura de Yazid, o governante que mandou matar Hussein.
O recente falecimento do grande ayatollah Ali Hossein Montazeri, que se tornara áspero crítico da ditadura de Khamenei, exerceu, outrossim, marcada influência em engrossar as fileiras do movimento. Como homenagem a Montazeri, no sétimo dia de sua morte, acorreram não só estudantes universitários e jovens, mas também pessoas mais velhas, que admiram o líder religioso, por suas posições religiosas e políticas.
Em função desse novo influxo, a assediada coalizão governamental proibiu quaisquer reuniões e cultos de luto dedicados ao ayatollah Montazeri.
Diante da gravidade do momento para a chamada república islâmica, a repressão não tem escatimado meios e modos de tentar obstaculizar e dificultar as manifestações de protestos, seja intervindo na internet, seja revistando bolsas e mochilas no metrô para confiscar tudo o que lhe pareça subversivo (com o verde de Moussavi no topo da lista), seja quebrando os vidros de carros que ousassem acompanhar os slogans da multidão com a buzina, seja se lançando em uma violência sem peias (que é a atividade da especial preferência, máxime de policiais e basiji).
O crescimento dos protestos, a entrada de novas camadas em seu apoio, a sua exensão territorial, que o torna expressão do repúdio nacional ao regime tendem a indicar que a república islâmica se transforma em simples ditadura clerical, o que a fragiliza ainda mais. Sobretudo se levarmos em conta que a contestação alcança áreas simbólicas, antes exclusivas do poder dos ayatollahs. Cresce o isolamento do chamado Líder Supremo, eis que não só a família do Imam Ayatollah Khomeini , como o próprio neto do Líder da Revolução de 1979, Hassan, apoiam o movimento reformista.

(Fonte: International Herald Tribune)

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