terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Montazeri e as manifestações de protesto

O Grande Ayatollah Hossein Ali Montazeri morreu dormindo, de ataque cardíaco. Tinha 87 anos. Montazeri estudara em Qom com o Ayatollah Khomeini. Preso em 1974 por sua oposição ao Xá Reza Pahlevi, e condenado a quatro anos, após a revolução de 1979 teve um papel central na formulação da nova Constituição iraniana. Autor da doutrina de velayat-e-faqih, ou governo pelos clérigos, sempre, no entanto, preconizara função assessora para os religiosos, que no seu entender não deveriam governar diretamente.
Nos anos pós-79, dirigia as orações da Sexta-feira em Qom (principal centro religioso do credo xiita). Na sua qualidade de substituto do Ayatollah Khomeini, foi designado como seu sucessor em 1985.
Com o endurecimento do regime e do próprio Khomeini, o Ayatollah Montazeri encetou gradual processo de dissociação do antigo mentor. Em 1989, depois da execução em massa de prisioneiros políticos, Montazeri publicou artigo condenando fortemente a decisão e instando por ‘reconstrução política e ideológica’.
Tal determinou violenta reação do velho Khomeini, que denunciou o seu antigo colaborador. Montazeri foi exonerado da posição de herdeiro político do líder da revolução e até do título de ‘grande ayatollah’.
A sua queda em desgraça ensejou a ascensão de Ali Khamenei, cujos conhecimentos religiosos e estatura espiritual em nada se comparam com os de Montazeri. Pelas continuadas críticas à orientação autoritária do novo Líder Supremo, Montazeri foi colocado em prisão domiciliar de 1997 a 2003. Depois das eleições de junho último, e da fraudulenta reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, o respeitado clérigo de Qom desencadeou uma série de denúncias da repressão contra os manifestantes estudantis e populares a respeito do esbulho sofrido pelo candidato Mir Hussein Moussavi, asseverando que o governo iraniano não era nem democrático nem islâmico. Afirmou, outrossim, que o líder supremo, Ayatollah Khamenei, não estava à altura da posição ocupada.
Em regimes ditatoriais como o do Irã, os enterros fornecem ocasiões ideais para os protestos da oposição. A própria estatura do grande Ayatollah Hossein Ali Montazeri, os seus estreitos laços com o líder da revolução, Grande Ayatollah Ruhollah Khomeini, de quem foi sucessor designado, e o respeito que lhe era devotado em Qom, o grande centro teológico do culto xiita, tornariam extremamente arriscada eventual tentativa dos atuais círculos do poder clerical de impedir ou dificultar as manifestações de pesar ao ensejo dos funerais de uma figura exponencial da revolução islâmica.
Dezenas de milhares de pessoas acorreram a Qom, em parte a instâncias dos dois candidatos da oposição em junho, Moussavi e Mehdi Karroubi. Diante da progressiva radicalização do movimento, que se observara nos últimos protestos ao ensejo dos mártires do Xá – em que os adeptos do moderado Moussavi semelhavam em menor número em relação a outros manifestantes que tinham inclusive retirado a palavra Allah da bandeira iraniana – o desaparecimento de Montazeri, e o inegável prestígio que pelo seu desprendimento fizera por merecer, tendem a corroborar a apreciação de que ele morto possa exercer mais influência sobre o movimento oposicionista de que vivo.
Assim, enquanto o corpo do Ayatollah Montazeri era carregado para o catafalco onde ficaria exposto à veneração pública, multidão de dezenas de milhares de pessoas desceu sobre a cidade de Qom, aos gritos de ‘Nossa vergonha, nossa vergonha, nosso líder idiota !’ e ‘Ditador, esta é a sua última mensagem: o povo do Irã se está levantando !’.
Antevendo a reação popular, o governo ensaiara alguns gestos conciliatórios na segunda, inclusive mensagem de condolências do Líder Supremo, que foi lida durante as cerimônias do funeral. A declaração o saudava como ‘bem-versado jurista e mestre proeminente’ e acrescentou que ‘muitos discípulos aprenderam grandemente com ele’. Não obstante, a mensagem foi recebida com vaias e gritos de ‘morte ao ditador’.
Protestos igualmente irromperam em Najafabad, a cidade natal de Montazeri. Tais manifestações tinham sido provocadas por comentários desrespeitosos acerca do Ayatollah Montazeri em sites de notícias, de orientação direitista e ligados ao regime. O oficial Fars News chegara de início a referir-se a Montazeri sem atribuir-lhe o título de Ayatollah.
Em resposta, multidões de manifestantes atravessaram as ruas de Najafabad, escandindo ‘Ditador, Ditador, Montazeri está vivo !’ e ‘ Oh, Montazeri, a sua trilha será seguida mesmo que o ditador mande atirar em todos nós !’.
Os movimentos revolucionários vicejam em meio ao descontentamento popular, espicaçado pela bestial repressão dos esbirros do poder. Engrossada pelo sangue de seus opositores e inspirada pelo exemplo de seus dirigentes e a coragem de seus mártires, a resistência tenderá a crescer, na brutal lógica da repressão cuja ideologia se resume à força do fuzil.

(Fonte: International Herald Tribune)

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