quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O Menino Sean e o Brasil

O pai do menino Sean, David Goldman, parece ter afinal logrado o objetivo que ultimamente vinha perseguindo com grande pertinácia. Terá chegado ao fim a luta da família, com a avó materna à frente, e o padrasto João Paulo Lins e Silva ?
A família pensava que Sean continuaria no seio familial, sobretudo depois que o Ministro Marco Aurélio Mello, através de liminar, suspendera a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª. Região do Rio de Janeiro, determinando que a criança embarcasse para os Estados Unidos, para viver com o pai.
O Ministro Marco Aurélio acolhera o pedido da avó materna,Silvana Bianchi Ribeiro, mantendo o menino Sean sob a guarda da família brasileira, até que o assunto fosse examinado no mérito pela corte.
Em período natalino, e iniciando-se as chamadas férias forenses da justiça, que se estendem até seis de janeiro, terá julgado a avó, o padrasto e o próprio menino que poderiam passar no aconchego familiar as festas de fim de ano. Transcorridas as festividades, voltaria a ser tratada a questão da guarda do menino.
Com efeito, a mãe, Bruna Bianchi, o trouxera há cinco anos atrás para o Brasil em viagem que seria de férias, segundo disse ela ao marido David. No entanto, as coisas não deveriam andar bem com o casal, pois, chegada ao Rio, Bruna começaria a cuidar da separação. Refez a sua vida aqui, casando-se com um brasileiro, João Paulo Lins e Silva.
A fatalidade, contudo, a fez morrer de parto, ao dar à luz a menina Chiara, a nova irmã de Sean. Até então o pai biológico não tomara qualquer iniciativa para reaver a guarda do menino. Com a morte de Bruna, isso mudou, e ele passou a contestar em juízo a situação, com a guarda provisória de Sean sob a responsabilidade do padrasto.
O litígio processual tem sido sombra a acompanhar a família brasileira de Sean, mas depois da liminar do Ministro Marco Aurélio, conhecido pela própria independência e firmeza de opiniões, poderia ela presumir que disporia de trégua natalina.
Infelizmente, os Lins e Silva e os Bianchi Ribeiro não contavam com a intervenção do Ministro Gilmar Mendes, atual presidente do Supremo Tribunal Federal.
Existe a tradição de o STF não aceitar julgar mandado de segurança contra decisão da própria Corte. Entende-se que assim seja para evitar juízos contraditórios, com os inconvenientes que tal possa acarretar.
Sem embargo, o Ministro Gilmar Mendes acolheu a ação do americano David Goldman e da Advocacia Geral da União. Argumentou ele que em “hipóteses excepcionais” esta regra pode ser quebrada e, no seu entender, o caso do menino Sean se enquadrava em tais exceções.
Tampouco hesitou o Ministro Gilmar Mendes em cassar a liminar antes concedida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, seu colega mais antigo naquele tribunal.
Dentre as justificativas apresentadas, ressaltou o Ministro Gilmar que o descumprimento da decisão do T.R.F. prejudica as relações do Brasil com outros países (leia-se Estados Unidos), porque representa o descumprimento da Convenção da Haia, de acordo com a qual menores subtraídos do país onde moravam devem ser devolvidos.
Enquanto a família brasileira se apresta a entregar o menino ao pai David, que deverá levá-lo para os Estados Unidos, cabe uma observação final. Há estranha coerência em todas as instâncias judiciais que têm determinado ao padrasto e à avó materna a pronta entrega de Sean à guarda do pai biológico. Sem exceção, todos recusaram terminantemente que o principal interessado no resultado dessa campanha judicial tenha o direito de dar o próprio depoimento. Sean não é mais um infante – tem nove anos – mas os magistrados, brandindo argumentos diversos, sempre se negam a ouvi-lo. Todos nós sabemos que a justiça é cega. Por que, no caso em tela, deve ser igualmente surda ?

( Fonte: O Globo )

Um comentário:

Mauro disse...

Infelizmente preciso manifestar minha fundamental discordância e decepção com a postura do blog, ao embarcar no clamor e tentar pintar uma situação humana deplorável em caso internacional. Este é daqueles casos clássicos, quando o nacionalismo ideológico mostra as suas distorções e insustentabilidades. Recentemente, isto ocorreu também no caso da brasileira “atacada” por neonazistas na Suíça, do terrorista italiano e dos pilotos americanos da tragédia da Gol. Forma-se um “consenso” quanto à suposta arbitrariedade e desrespeito de estrangeiros e o “direito” dos brasileiros ou de suas posições. Cegos (e surdos, porém não mudos) ficam os que procuram subtextos políticos em tudo. “Espertos”, são os que cinicamente as manipulam essa predisposição para seus fins. Infelizmente a história do menino Sean está nessa categoria. Muito mais próxima das mazelas de um país que tem uma elite acostumada a levar vantagem sempre e sempre ter a sua vontade atendida, usando o enorme elenco de (em última análise perversos) instrumentos legais aos quais têm acesso famílias como a Lins e Silva. Eles não estão acostumados a perder, estando certos ou não. O único perdedor do episódio é o menino, usado e exposto sem pudor pela família, sem pensar em seu próprio bem-estar. Interessava-lhes apenas fazer valer a sua vontade. Pode-se perguntar desde quando um pai (excetuadas circunstâncias graves) não tem direito de ficar com seu filho? O Brasil e os brasileiros não vão longe ao aceitar que tudo se transforme em um ataque ao seu complexo de inferioridade coletivo. Nem o episódio entre Cuba e os EUA, do menino Elian, foi tão hipocritamente explorado (talvez por não envolver a alta sociedade). Perguntam a família brasileira e o blogueiro, porque não ouvir o menino? “Deixe ele escolher! Que absurdo não levar a opinião dele nem conta! Essa justiça entreguista certamente está vendida aos gringos!” Francamente, só faltava esse show para saciar a falta de vergonha do país e completar o circo de horrores, vamos assistir no Jornal Nacional a um menino de dez anos “ventriloquando” as mesquinharias, egoísmos e amarguras dos seus captores, e jurando preferir ficar no Brasil com todos seus problemas do que ser abduzido pelo império – “dá-lha brazuquinha!”. Uma nova e mais triste acepção da síndrome de Estocolmo. Espero que esse menino consiga superar isso e esquecer. Duro é ter de ler uma posição destas do blogueiro, que é pai, bacharel e diplomata, e no entanto parece não ter se posto no lugar dos envolvidos. Um feliz natal prá quem pode!