segunda-feira, 20 de julho de 2009

Uma Entrevista para não Esquecer

Merece atenção é dizer pouco da entrevista concedida a O Globo pelo historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. Não são muitos os testemunhos que podem contribuir para um determinado processo histórico. Posto que tais efeitos só tendem a ser discerníveis depois de indispensável transcurso de tempo, não se me afigura lícito desconhecer no dia de hoje a relevância do testemunho prestado pelo professor Villa.
Nessa entrevista, trata-se da crise do Senado, do papel de José Sarney e de o que pode significar este episódio na história da República.

Crise do Senado.
A crise não é só do Senado. É também do Sarney. É certamente a maior crise da história do Senado. Desde 1890, quando foi criado o Senado republicano, não há registro de outra crise tão grave e longa como esta que estamos vivendo. Gravíssimo ter uma Casa onde a direção política era dada por um funcionário, o diretor-geral (Agaciel Maia). É o único Senado do mundo ocidental em que a direção política é dada por um funcionário. É mesmo uma casa de horrores (definição dada pela revista The Economist) ! A nomeação de Paulo Duque (PMDB-RJ) para presidir o Conselho de Ética é um escândalo. Imagine, um suplente ! O conserto pode ser dado pelo eleitor daqui a um ano, quando forem renovados dois terços do Senado.
Só o eleitor pode mudar o Senado ? Se não acreditarmos nisso, não há saída. A única saída é que o eleitor tenha consciência. E o eleitor de todos os estados. Imputa-se ao eleitor dos estados mais atrasados eleger qualquer senador. Mas São Paulo, por exemplo, tem um senador que está fazendo papel pífio nesta situação, que é o Aloizio Mercadante. O outro, Romeu Tuma, é omisso. E veja o caso de Minas Gerais, que tem um suplente, o Wellington Salgado, exercendo a senatoria há quatro anos...
As denúncias no Senado são gravíssimas. A cada dia tem uma, duas, três... Aí é o papel da Justiça. Mas a grande questão é a Justiça que é omissa. Foram crimes gravíssimos cometidos no Senado, e com a absoluta omissão da Justiça.

O papel de José Sarney.
A crise é do Senado e também do Sarney. Afinal, ele já tinha sido duas vezes presidente do Senado. As denúncias contra ele já são conhecidas no Maranhão há muito tempo. O que está sendo denunciado agora, em esfera nacional, a oposição fala no Maranhão há quatro décadas. No Maranhão, todo mundo sabe! Agora, a nação está conhecendo quem é o senador José Sarney. Isso é bom, muito produtivo.
Produtivo ? Sarney, o cacique que está há mais tempo na política brasileira, é extremamente nocivo. Toda essa crise que ele está vivendo me parece a uma espécie de dobre de finados. A partir dali, acho que é a morte política de Sarney. Evidentemente, ele ainda tem um poderzinho, mas já não tem o mesmo poder que tinha.
É Sarney o grande coronel do Brasil ? Sarney é o símbolo maior desse poder dos coronéis. Por isso a crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página, para o fim desse poder antidemocrático representado pelas oligarquias. É o maior deles é Sarney.

Significado da Morte Política de Sarney.
No Maranhão, Sarney deu um golpe de Estado com o auxílio do Tribunal Superior Eleitoral (sua filha Roseana assumiu o governo). É algo absurdo! Nunca vi isso. A derrubada de Jackson Lago é algo gravíssimo para a democracia brasileira. E houve um silêncio nacional. É bom lembrar que a presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (Nelma Sarney) é cunhada dele. E ele já tinha dado um golpe de Estado gravíssimo no Amapá. Teve a eleição de João Capiberibe (PSB-AP) e por compra de dois votos a R$24 cada um,( Capiberibe foi cassado). Um escândalo[1]. Isso mostra que Sarney tem muita força política no centro do poder.
Com a crise de agora, porém, essa força diminuíu sensivelmente. É muito positivo porque um dos obstáculos para a plena consolidação da democracia brasileira é o poder coronelístico. E o símbolo maior desse poder é o Sarney.
Por isso, essa crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página, para o fim desse poder antidemocrático, representado pelos oligarcas. E o maior dele é o Sarney.

Esvaziamento do Poder político do Congresso.
A saída é o eleitor renovar seus representantes, tanto no Senado, quanto na Câmara. De outro, no caso de crimes, a ação da Justiça. E o terceiro caminho, que também é muito difícil que ocorra, é o Executivo ter uma nova relação com o Legislativo. Esse também é um problema grave. O Executivo compra maiorias no Legislativo. Nas esferas das prefeituras, dos estados e, no caso do governo federal, isso é explícito. E essa compra de maioria acaba fortalecendo, no caso do Senado, especificamente, os senadores que “são menos identificados com os valores republicanos”( para empregar expressào mais educada).
Que senadores são comprados ? São senadores com pouquíssima participação nos grandes debates nacionais. E são comprados. Essa maioria comprada tende também a ter um momento de mudança. Se o eleitor pode mudar isso no ano que vem, na eleição, a Justiça pode mudar agindo, o Executivo pode mudar também. Mas como ele pode mudar essa relação perversa com o Executivo, independentemente de que presidente seja eleito em 2010? Que o candidato busque uma aliança programática, estabelecendo pontos programáticos, e explicite isso à população na campanha e, especialmente, antes de tomar posse.
As alianças programáticas podem se contrapor à compra da maioria. Aliança na base “é dando que se recebe” é crise inevitável. Se olharmos o Congresso nos últimos 15 anos, é difícil encontrar um ano que não tenha problema ou gravíssima crise. Essas compras da maioria (pelo Executivo) decorrem dessa relação perversa do Legislativo com o Executivo.
[1] O único voto de dissenso no TSE foi, para sua honra, de Sepúlveda Pertence (nota do blog).

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