domingo, 12 de julho de 2009

A Última do Sarney

Na situação em que se encontra o Senhor José Sarney ter bom advogado não é coisa decerto de desprezar-se. Pois não há de constituir maior surpresa que, com direito à chamada de primeira página, surja na Folha de hoje o artigo de velho colaborador, ex-Ministro da Justiça e renomado consultor (não necessariamente nesta ordem) Dr. Saulo Ramos.
Este grande e habilíssimo causídico conhece o beabá do ofício. Sabe que dois tópicos são essenciais em uma defesa: apresentar o próprio cliente como vítima inocente e acentuar-lhe o intemerato apego a uma causa justa.
Todo o argumento está encapsulado nas três frases escolhidas para o destaque : “José Sarney tem algo que não agrada ao imediatismo da crítica popular. Quer fazer tudo dentro da lei, porque a lei é a razão isenta de paixão. Contra isso levanta-se o ódio de alguns.”
Será sempre um prazer a leitura de escrito da lavra do Dr. Saulo Ramos. Na sua aparente lógica, a tese é desenvolvida com habilidade de mestre. E se o leitor acaso aceitar-lhe as premissas, estará fadado a concordar com o luzente mas especioso raciocínio.
Para coser a trama, talvez o defensor se haja arriscado em antigas questões – como a distribuição de radios e tevês aos constituintes – confiado em brancos da presente memória. Ao exibir meias verdades de antanho, comete o equívoco de alertar-nos para as respectivas liberdades com as acusações de agora.
Por mais que se intente apresentá-lo como bode expiatório, como refém de caluniosas campanhas, que perseguem fins sombrios e maquiavélicos, desviar ou deturpar o fundamento das arguições pode aproveitar aos escopos de advogado, porém não faz justiça à inteligência da imprensa e ao interesse de sua comissionante, a opinião pública.
Para julgar, é importante não esquecer os fatos que estão sobre a mesa. O senador José Sarney, que é presidente do Senado por terceira vez, pode tentar eludir a responsabilidade, mas como negar ter sido ele quem nomeou Agaciel Maia e o manteve quando, por duas vezes, retomou a presidência ? É crivel que haja ignorado os atos secretos ? Como um homem que quer fazer tudo dentro da lei logra conviver com tal excrescência jurídica ?
Como disse Marco Antônio a respeito de Brutus e Cassio não duvidar que sejam varões honrados, mas de que modo interpretar a penca de escândalos que vão repontando ? Os parentes empregados ou favorecidos? O recebimento indevido de quatro meses de auxilio moradia de R$3.800 mensais ? O esquecimento em declarar à Justiça Eleitoral nas eleições de 1998 e 2006 da posse de residência em Brasília no valor de R$ 4 milhões ?
E na série de denúncias que semelha interminável, o que dizer da conta secreta de JS ? Objeto do último número da revista VEJA, que se ocupa da descoberta por auditores do Banco Central de contabilidade clandestina no falido Banco Santos, a qual indica que o presidente do Senado tinha conta no exterior ?
Todos sabemos que o Presidente Sarney não é um homem comum, como se apressou em dizer-nos o seu primeiro defensor. Não encontraremos decerto tal gênero de argumento em arrazoados do Dr. Saulo Ramos. O dispositivo constitucional aí está para ser cumprido.
Por falar em amigos, o presidente do Senado não pode queixar-se. Dentre esses, quiçá o segundo em importância, o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, já volta a azeitar instrumentos que lhe serviram no passado, como o Conselho de Etica. Não será, para quem lhes perlustre o quadro – composto em O Globo de ontem – visão reconfortante.
A chamada tropa de choque com insigne missão, a de defender o homem da lei em uma das frentes de batalha, na insidiosa campanha que lhe é movida por confessáveis motivos. De resto, esses valorosos campeões já dispõem de peça a ser inserida nos autos : o referido artigo do Dr. Ramos, sob o título “Pode repetir-se o castigo”.

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