segunda-feira, 6 de julho de 2009

Irã: contestação clerical ao Líder Khamenei

Depois das passeatas e dos movimentos de protesto no Irã contra a eleição fraudada do presidente Mahmoud Ahmadinejad, a determinação do líder supremo Khamenei em favor de seu candidato e sobretudo a repressão desapiedada por parte da polícia e dos milicianos basiji deu a impressão de que o enfrentamento arrefecera.
O estamento dominante reagiu com a consueta violência verbal ao anúncio no site do candidato Mir Hussein Moussavi de documentos comprobatórios da campanha fraudulenta para a reeleição do atual presidente. Dentro das táticas intimidatórias que soem caracterizar-lhe as intervenções, associado bastante próximo de Khamenei não hesitou em denominar Moussavi e o ex-presidente Mohammad Kathami como “agentes estrangeiros” que deveriam ser tratados como criminosos.
Por outro lado, no último dia quatro, o ex-presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani – que ainda tem cargos influentes na atual hierarquia – recebeu parentes daqueles que foram detidos durante as manifestações. Rafsanjani trabalha, dessarte, para manter a questão viva e sob discussão.
Em tal ambiente de tensão política, veio a público declaração de importante grupo de líderes religiosos, a qual reputa ilegítimos tanto a recente eleição presidencial, quanto o novo governo de Ahmadinejad. A atitude da Associação de Pesquisadores e Professores de Qom representa um percalço de monta para a eventual consolidação do novo governo e, a fortiori, séria contestação à autoridade do Supremo líder Ayatollah Ali Khamenei.
Nesse contexto, a gravidade da confrontação não pode ser minimizada, se tivermos em mente a caução dada por Khamenei à eleição de Ahmadinejad, e, muito em especial, se considerarmos que a palavra do Supremo líder dever ser havida como definitiva e indiscutível.
Nos vinte anos de sua permanência em tal posição, é a primeira vez que resolução de Khamenei vem a ser contestada.
A esse propósito, semelha relevante voltar a mencionar aspecto, que já foi aqui referido en passant. Qom é a cidade santa no Irã do credo xiita. Lá estão sediados os principais centros xiitas de estudo e pesquisa teológicas. Ao contrário de seu antecessor, o imã Khomeini, cuja autoridade espiritual e política era respeitada sem discussão pelos estudiosos e teólogos de Qom, o ayatollah Khamenei não desperta junto a esses centros tais favores.
A sua elevação à distinção de ayatollah teria sido consequência, segundo os sábios de Qom, mais de fatores políticos do que de estudos religiosos. Em função deste vício de origem, Ali Khamenei não goza do respeito – para não falar de veneração – que era atribuído a Khomeini.
Ora, em uma teocracia como o Irã, tal não constitui aspecto de somenos importância. A sua palavra terá força política mas não aquele inaferrável traço do saber teológico inconteste.
Neste quadro, Abbas Milani, diretor do programa de estudos iranianos da Universidade de Stanford, afirmou que nos trinta anos da República islâmica é “histórica esta fratura no estabelecimento clerical, assim como o fato de que estão se alinhando com o povo e Moussavi”. Ressalta tal importância a circunstância de que “estão indo contra uma eleição confirmada e santificada por Khamenei”.
Se ainda é cedo para aferir o impacto que a entrada em campo da associação de clérigos de Qom terá sobre a evolução do ambiente político, não se poderá ignorar que a cisão no estamento religioso implica em preciosa ajuda para a oposição. Ao qualificar de ilegítima a eleição, a Associação de Pesquisadores e Professores de Qom convida outros clérigos a se juntarem ao movimento contra a recusa governamental de reconsiderar as acusações de fraude.
Na sua retórica de oposição, o comunicado compara os vinte mortos nas manifestações de protesto com os mártires que caíram durante a revolução (contra o regime do Xá) e os da guerra com o Iraque, conclamando os clérigos a salvarem “a dignidade que foi ganha com o sangue de dezenas de milhares de mártires”.
De toda maneira, as denúncias de fraude feitas pelos opositores democráticos – V., e.g., o site de Moussavi que chama a atenção para o fato de que foram impressos cerca de vinte milhões de sufrágios extra, assim como distribuído dinheiro aos votantes – não estão mais isoladas, ao receberem reforço clerical.
Continuarão os partidários de Khamenei e Ahmadinejad a apodar Moussavi, Khatami e outros de ‘agentes estrangeiros’ no momento em que a contestação é engrossada por respeitados clérigos de Qom ?

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