domingo, 19 de julho de 2009

Obama e a Guerra do Afeganistão

É conhecida a fama e as insídias do Afeganistão para os invasores estrangeiros. No século XIX a Grã-Bretanha, então no ápice de seu poderio, pagou alto preço por adentrar aquelas terras montanhosas. Nos anos oitenta do século passado, coube à União Soviética amargar ali seu próprio Vietnam. Para a retirada das tropas soviéticas (maio de 1988 – fevereiro de l989), foi determinante a guerrilha de que participaram as principais etnias afegãs. Tal derrota política – infligida pela resistência, com a ajuda da CIA e de contingentes islâmicos árabes – representou um dos derradeiros golpes para o desfazimento da URSS, em dezembro de 1991.
Pouco depois do onze de setembro de 2001, os Estados Unidos declararia guerra ao regime talibã do Mulá Omar, que então dominava a maior parte do Afeganistão. Dias antes do ataque contra as torres gêmeas do World Trade Center, o carismático líder da Aliança do Norte, o general Ahmed Shah Massud, foi assassinado por dois membros da al-Qaida de Osama ben Laden. Pretextando uma entrevista com Massud, os dois homens-bomba lograram afastar o único oponente restante dos talibãs, o hábil general Massud. Obviamente coordenado com o iminente ataque guerrilheiro à metrópole americana, Omar e ben Laden conseguiram deixar acéfala a Aliança do Norte, então o seu principal inimigo em terra afegã.
Esta primeira guerra de Bush, que foi declarada exitosa, realizou-se de acordo com a estratégia do então Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Para poupar os próprios efetivos, o conflito foi precedido de maciços bombardeios, e depois número limitado de contingentes logrou dominar os principais centros dos talibãs. Na parte final da conflagração, sempre consoante a peculiar teoria bélica de Rumsfeld, o império decidiu terceirizar a mor parte das operações restantes, inclusive o cerco ao refúgio de Osama ben Laden, nas montanhas de Tora Bora. Sub suspeita de suborno, os senhores da guerra a quem fora cometida a prisão de Osama, deixaram escapar a valiosa presa, que terá fugido por Jalalabad, cidade afegã, próxima da famosa passagem Khyber, com acesso à fronteira norte do Paquistão.
Na época, os talibãs pareciam derrotados, com o respectivo chefe, Mulá Omar em fuga. Depois de gestões inconclusivas junto ao rei Zahir Shah, deposto em 1973, o mando seria confiado a Hamid Karzai, político moderado e monarquista, que preside o Afeganistão desde dezembro de 2004.
Declarada guerra ao Iraque de Saddam Hussein, em março de 2003, o que se afigurava breve campanha militar à trinca Bush-Cheney-Rumsfeld, se transformou no atoleiro conhecido. Em virtude do engajamento iraquiano, o Afeganistão ficou em segundo plano, e o talibã pôde recuperar-se.
A administração Barack Obama já iniciou o que acredita seja retirada bem-sucedida do Iraque, consoante de resto compromisso assumido pelo presidente em sua campanha eleitoral.
Obama, no entanto, decidiu aumentar os contingentes americanos no Afeganistão, assim como substituir o seu comandante, que passou a ser o General Stanley A. McChrystal. Em suas primeiras declarações à imprensa, disse que as tropas estadunidenses tinham encontrado menos resistência do que esperavam na sua operação contra os refúgios talibãs no sul do país, mas, por sua vez, as forças britânicas ao norte da mesma província estavam enfrentando um inimigo muito mais aguerrido.
Na província sulista de Helmand, há quatro mil fuzileiros navais e 650 soldados afegãos, que se defrontam apenas com resistência esporádica. Os insurgentes respondem com ataques em pequena escala e utilizam explosivos improvisados, os famigerados i.e.d.s, que tantas mortes ocasionam no cenário iraquiano.
O general McChrystal prevê mais baixas quando os efetivos americanos chegarem ao topo planejado, que é de 68 mil homens. A meta das operações em Helmand – que é a principal base dos talibãs – seria extirpar também a resistência ao sul do vale do rio Helmand e vencida tal fase, manter o terreno ganho até que as autoridades civis afegãs possam assumir. De acordo com os planos do comandante americano, o exército afegão deverá ser aumentado a 134 mil homens.
Além das dificuldades encontradas pelas tropas britânicas no norte – cujo efetivo atualmente equivale ao do contingente estadunidense - , os insurgentes da etnia Pashtun, nas cercanias de Kunduz, também em área setentrional, criam problemas para as patrulhas alemãs, e igualmente na província Farah, região ocidental, que está a cargo do contingente italiano.
Consoante informe de fonte militar não identificada, também Kandahar – que é a segunda cidade do país – se acharia sob assédio (‘under stress’) dos revoltosos talibãs.
Já a situação do exército britânico vem provocando acirrados debates no Parlamento entre o Primeiro Ministro Gordon Brown e o líder da oposição, o conservador David Cameron. Com 9.100 homens aí engajados, as baixas no conflito montam a 184, superior em cinco à totalidade das baixas sofridas no Iraque (notadamente em Basra). A irritação popular no Reino Unido cresce ao ser desvelado que os soldados ingleses se ressentem de equipamento. Para mais de nove mil homens, a força britânica só dispõe de trinta helicópteros.
Cameron em recente debate acusou Brown de ser o principal responsável pela escassez de helicópteros, eis que, em 2004, como chanceler do Erário (ministro da fazenda), Brown determinara um corte de US$ 2.3 bilhões em aquisições de helicópteros. Segundo Cameron, a falta desse equipamento tem obrigado às forças inglesas a utilizar veículos blindados ou deslocamentos por terra, quando a maior disponibilidade de helicópteros lhe reduziria a exposição à forma mais mortífera de ataque talibã, i.e., os explosivos ao longo das estradas.
Talvez o Presidente Obama tenha considerado politicamente arriscado favorecer a retirada das tropas americanas também do Afeganistão.A história tanto recente, quanto longínqua, nos recorda que esse país montanhoso, pelo qual desde Alexandre muitos conquistadores passaram sem deixar marcas permanentes, significa decerto um grande desafio.
O governo do moderado Hamid Karzai não tem implantação forte nas províncias, tendo ele privilegiado acordos com os chefes tribais respectivos. A corrupção é um fenônemo ubíquo, os efetivos do exército nem sempre são confiáveis, muita vez devido à pouca motivação e baixa remuneração. A exemplo de outros países que foram palco da presença militar americana, o pouco satisfatório desempenho do presidente Karzai já provocou especulações sobre a sua eventual substituição. O que trabalha pela sua permanência, nas condições presentes, seria a incógnita colocada pela sucessão, e a aparente falta de melhores candidatos para um lugar tão pouco invejável.
Como se vê, o canto das sereias neoconservadoras ( Dick Cheney, Paul Wolfowitz, Don Rumsfeld), com a sua patranha de levar a democracia ao mundo islâmico, induziu Bush júnior a lançar-se na aventura da guerra do Iraque, fundada em inteligências forjadas e falsas expectativas. A sua maldição pode estender-se além do término formal de suas funções executivas, levando-se em conta que em certo tipo de empresa, o início pode ser previsível, mas a sua conclusão, seja satisfatória, seja sofrível ou apenas aceitável semelha muito mais difícil de visualizar.

( fonte: International Herald Tribune)

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