quinta-feira, 23 de julho de 2009

Na Raiz dos Males do Legislativo a Impunidade

Em relação aos inúmeros problemas de conduta de Senadores e Deputados, a causa mediata de sua atitude associal, afrontosa e arrogante está na virtual certeza de impunidade pelas transgressões e delitos cometidos contra as normas estabelecidas para o convívio social, a que se acham obrigados os demais membros da sociedade civil.
E de onde vem a sensação infantil de absoluto privilégio destas singulares corporações, eleitas pelo Povo para cuidarem do bem público, mas que se ocupam precipuamente de colher vantagens privadas do Erário, ao arrepio dos interesses da comunidade que deveriam ser o seu norte ?
As motivações imediatas desse comportamento anti-social está em uma sensação metacorporativista de se acharem acima da lei, fora do alcance das normas do direito penal e cível que valem para os verdadeiros homens comuns. Se aparentam grande semelhança com respeito às quadrilhas e às associações criminosas em termos de escopo de ação, estas últimas deles se diferenciam por agirem à margem da lei não levadas por sensação de superioridade a seu respeito, mas na expectativa de escaparem às normas e às malhas do aparelho de segurança do Estado.
E não se vá cair no crasso equívoco do Presidente da República, que tem utilizado, com constrangedora frequência, a sua alta posição não para recomendar aos cidadãos a obediência à lei e elogiar e secundar aqueles que combatem os privilégios e as sinecuras, porém para acoimar de hipocrisia as condenações a congressistas de se aproveitarem da fazenda pública, e, o que é mais grave, de reivindicar para um Senador um status acima da norma pétrea cristalizada pelo artigo 5º da Constituição Federal, de que todos são iguais perante a lei.
À vista de tais considerações, cabe a pergunta por que as cláusulas inseridas na Carta Magna e no regimento das duas Casas do Congresso são encaradas pelos congressistas – e é bom frisar que o nivelamento como soi acontecer se fez por baixo, com o dito alto clero se pautando pelas ‘regras’do baixo clero – como virtual letra morta ? Com efeito, se o Conselho de Ética da Câmara se presta à pantomima encenada no caso do chamado deputado do castelo, Edmar Moreira (sem partido-MG), já antecipada pelo descaramento do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), demonstrando na prática que se lixa para a opinião pública, pode-se afirmar que a Câmara de Deputados não precisa descer mais não só em termos de respeito ao Povo brasileiro, senão no que tange ao pundonor da própria instituição.
Tenho penosa ciência de que a alusão a tais conceitos há de despertar risos de deboche junto a essa grei que prefiro não definir além dessas palavras, mais por atenção a exemplos honrosos do passado do que os da realidade presente.
Não há decerto outra explicação a não ser a certeza da impunidade para a pletora de episódios confrangedores, como o trem-da-alegria para Paris, encabeçado pelo Presidente da Câmara, Michel Temer, e a que acorreram, entre vários deputados, Candido Vacarezza, lider do PT, Carlos Zarattini, vice-líder do PT, Ibsen Pinheiro, aquele dos tempos dos anões do orçamento (PMDB-RS), José Anibal (líder do PSDB), Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional, e Ronaldo Caiado, líder do DEM na Câmara. Não os demoveram de aceitar a viagem com tudo pago eventuais escrúpulos quanto à pendente concorrência de caças para a Aeronáutica, de que é concorrente a fábrica gaulesa Dassault.
Recordo-me, a propósito, que, nos Estados Unidos, deputados republicanos foram forçados a renunciar aos próprios mandatos por causa de aceitação de viagens desse gênero, em que havia suspeita de tráfico de influência. E não me refiro à raia miúda, mas ao poderoso Tom Delay, lider da então maioria republicana na Casa de Representantes, punido por ter aceito participar de viagem paga por lobista.
E, se me permitem, mais uma comparação pouco animadora, a ‘Mãe dos Parlamentos’, sacudida por escândalo de despesas abusivas que abalou a todos os partidos, aprovou medida que institui órgão independente para controlar os gastos dos deputados do Reino Unido, prevendo até um ano de prisão para parlamentares que declararem despesas falsas ou usarem fundos públicos indevidamente.
Por fim, o papel do Senado Federal se afigura tão lamentável ou quiçá até mais do que a Câmara. A exemplo de seus antecessores Jáder Barbalho e Renan Calheiros, o presidente José Sarney (PMDB-AP) se afunda progressivamente em chavascal de procedimentos suspeitos de incompatibilidade com o decoro. Nessa cadeia de escândalos, ora avultam as duas mentiras relativas a alegado desconhecimento dos atos secretos e, agora, as gravações telefônicas do filho Fernando Sarney e de sua conversa com o pai e oligarcar-mor, para garantir a nomeação por Agaciel Maia do namorado da filha (de Fernando) Maria Beatriz Sarney, para um cargo da quota familiar no Senado.
Servirá de algo para o ‘homem comum’ José Sarney que o líder Renan haja lotado o Conselho de Ética com a sua dita ‘tropa de choque’, sob a presidência, para escárnio da instituição, do suplente Paulo Duque (PMDB-RJ) ?
No Senado, como na Câmara, a despeito do deserto da moralidade, as punições só surgem no horizonte quando o plenário sente que a corda está esgarçada e que, para garantir a própria pele, será aconselhável desvencilhar-se da carga demasiado incômoda para o bem-estar da corporação.
No Continente, nos apodam de imitadores. Seria bom que, por motivo meritório, o Congresso copiasse exemplos estrangeiros e introduzisse mecanismo tendentes a tornar a punição do infrator a consequência lógica de comportamentos delituosos, aplicado aos senhores parlamentares, no que couber, o tratamento reservado aos homens comuns.
Assim, como a miragem no deserto, afinal se dissiparia a vexaminosa impunidade parlamentar.

2 comentários:

Mauro disse...

Bom artigo, mas em meu entendimento não esclarece o que há realmente por trás dos escândalos e aparentes desmandos do Congresso. A reação cidadã de indignação do blogeiro é natural, mas a fonte mais básica das distorções nos legislativos no Brasil está fora deles. Não é uma questão de caráter ou habilidade para votar - as instituições são falhas. A impunidade pode agravar e incentivar o problema, mas na verdade a raiz principal encontra-se no Executivo. O Legislativo há muito deixou de ser um verdadeiro poder, os mecanismos constitucionais e o processo político brasileiro impediram que sua independência vingasse e se contrapusesse ao executivo. Os legislativos viraram casas de chantagem e barganha, com poder apenas para atrapalhar o executivo, se quiserem. Naturalmente, a total falta de relevância desses corpos não faz com que a população dê maior importância a quem eleger. Interesses mesquinhos como apadrinhamentos e vantagens pessoais (os únicos que os legislativos têm condição de oferecer) tomam o lugar do bem comum. Por isso advogo, paradoxalmente, o parlamentarismo - com o poder vem responsabilidade e "accountability". Um segundo ponto, que não busca reduzir a gravidade da situação nos legislativos, é a total falta de escrúpulos e responsabilidade do executivo, tanto em sua atuação normal quanto em seu relacionamento com o Congresso, claramente manipulado e controlado. Para o Governo convém um Congresso fraco e fisiológico, só mudaremos isso tratando da raiz do problema que é a disparidade de poder entre os dois. Além do mais, os escândalos são convenientes, pois a impunidade, a corrupção, a incompetência e o desleixo grassam nos executivos, com efeitos muito mais nefastos para o país do que o que ocorre nos legislativos, mas sendo um poder hermético, é muito mais difícil cobrar - o caso do pagamento da CPMF é brilhante (mas é exceção).

Mauro M. de Azeredo disse...

O comentarista insere o fator Executivo, que por uma pluralidade de razões (inclusive através do poder das Medidas Provisórias)tem contribuído para restringir o papel do Legislativo. É interessante, por conseguinte, alargar a consideração do tema com a inserção do Executivo, mas o meu propósito foi e é de estudar os desvios da função legislativa, motivados pelas inúmeras lacunas que estimulam a impunidade. O Executivo pode até exacerbar esse processo, mas o Legislativo não carece de outras desculpas para aumentar a respectiva confiança na própria impunidade.