Se você imagina encontrar algo semelhante a Meia-Noite em Paris no novo filme de Woody Allen, Para Roma com amor, não vá ao cinema. O cronista de Manhattan costuma extrair das cidades que conhece uma percepção bastante mais aprofundada do que a história e os personagens da película.
Meia Noite em Paris pela sua reconstituição da Cidade Luz nos anos vinte é uma visão nostálgica de um passado que conhecemos por fontes secundárias. De forma natural, com mão segura, Woody faz o protagonista reviver o que não viveu. Para tanto, o cineasta respira nas blandícias da noite uma meta-realidade que torna não só crível o sobrenatural, mas encantadoramente envolvente.
Para Roma com amor não frequenta tais patamares. No famoso cruzamento em que diversas vias romanas desembocam, com o descomunal monumento à Vittorio Emanuele ao fundo, cuida da apresentação do filme Pierluigi Marchione, que encarna, na praça do Palazzo Venezia, a visão estereotipada do guarda de trânsito romano.
Segue-se série de episódios que nos permitem revisitar os belos espaços da urbe romana. As visões se sucedem, desde as batidas imagens da Fontana de Trevi, as placas que circundam a Piazza del Popolo com os seus anúncios em latim de obras pontifícias, as sinuosas vielas da Velha Roma, anterior ao Papa Tosto, Sisto V, que rasgou a cidade medieval de labirínticas ruelas pelo tridente de artérias a atravessar a renovada metrópole.
O número de personagens é bastante alentado, relembrando os antigos catálogos telefônicos. Em um clima permissivo, jovens casais se desfazem, ainda que temporariamente, velhos sátiros estão à espreita, há homenagens a artistas que hoje vivem em Sunset Boulevard (Ornella Muti, Giuliano Gemma), e o retrato bem-cinzelado da falsa neurótica e citadora compulsiva (Ellen Page, como Monica).
Não é tampouco muito original, a esquemática presença de Alec Baldwin, que faz na pessoa de um robusto arquiteto famoso as funções do coro grego. Como os seus antecessores áticos, as advertências da experiência são ritualmente ignoradas pelo personagem Jack (Jesse Eisenberg), com as consequentes vicissitudes sentimentais.
Roberto Benigni é o homem comum que de repente vira celebridade. Benigni já nos deu melhores interpretações, mas de qualquer forma torna plausível a rápida travessia entre alguém perseguido por fãs e paparazzi nas ruas e o abrupto retorno à vidinha sensaborona de um mané que ninguém mais reconhece na rua.
Como dito acima, há muitos, quiçá demasiados personagens no filme. Penelope Cruz é um deles. Entrou para o plantel de Woody em Barcelona, e desta feita ela não acrescenta muito ao seu curriculo, na prostituta que cai em vaudevilescas confusões com o interiorano Antonio (Alessandro Tiberi). Allen menciona o veio musical italiano, com Volare, de Domenico Modugno. Esse traço musical é quase reminiscência, pois essa canção data de fins dos anos cinquenta.
O traço mais original – e cômico – dessa filmagem em que Woody Allen não aferra o espírito da Cidade Eterna será a sua incôngrua transformação de um agente funerário em grande cantor de ópera. Em visita à família do namoradinho (Flavio Parenti) de sua filha (Alison Pill), o aposentado diretor operístico – que é o próprio cineasta – descobre o talento debaixo do chuveiro desse agente funerário, papel interpretado pelo tenor Fabio Armillato.
Com grande resistência do filho (e possível genro), e o sarcasmo da esposa, Allen consegue arrastar Giancarlo (Armillato) para uma solução farcesca e original de uma dificuldade comportamental na interpretação de ária ‘Ridi, Pagliaccio’, da ópera Pagliacci, de Ruggiero Leoncavallo. Por instantes, temos a impressão de rever o brilhante diretor e a sua irônica e inventiva comicidade.
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