terça-feira, 5 de junho de 2012

A Reavaliação de Eisenhower

                                  
      Está em curso nos Estados Unidos uma reavaliação da importância histórica, como Presidente, de Dwight D. Eisenhower.  Havido anteriormente como medíocre e sem especial brilho, o general Eisenhower – que foi o 34º presidente estadunidense – vem recebendo ultimamente  comentários muito favoráveis.
     Tal movimento de opinião decorre em boa parte de biografia muito elogiada, em edição recente, intitulada “Eisenhower na guerra e na paz”, da autoria de Jean Edward Smith.
     Antes de disputar a presidência, Eisenhower já se tinha assinalado no comando supremo das Forças Aliadas, posto para o qual fora escolhido pelo Presidente Franklin D. Roosevelt e o General George C. Marshall. Indicado na fase decisiva do conflito mundial, ele comandou o desembarque na Normandia.
     Posto que não fosse grande estrategista, desde cedo mostrou muito senso político, reforçado decerto quando servira sob as ordens do general Douglas MacArthur. Por tal habilidade, viria a ser designado para o comando supremo aliado, preterindo oficiais-generais de maior antiguidade.
     Essa destreza ele a mostraria ao lidar com os egos do Marechal-de-Campo britânico, Bernard Montgomery (que derrotara E.Rommel na batalha de El-Alamein) e do próprio general George S. Patton. Na sua posição de Comandante-em-Chefe na Frente Ocidental, soube conciliar  vontades e pretensões, não só do seu chefe direto, o Presidente FDR, mas também não descurar dos propósitos do Primeiro Ministro inglês, Winston Churchill, assim como de Joseph Stalin, e, em menor grau, do próprio general Charles de Gaulle.
     Eisenhower ganhou a designação para a candidatura republicana em 1952, vencendo o candidato da direita Taft, e nas eleições gerais, Adlai Stevenson. Depois de vinte anos fora do poder, o GOP voltou com Ike (o apelido pelo qual era chamado), a despeito do brilho de Stevenson, ou talvez por causa dele, dada a desconfiança que os intelectuais provocam na opinião pública americana.  
      Nos seus dois mandatos presidenciais, Eisenhower evidenciou o que os franceses denominam ‘une petite santé’[1], padecendo de um mal raro no intestino (ileitis), e tendo um derrame. No segundo período, em função dos tropeços na corrida espacial (o lançamento do Sputnik sacudiu a América do Norte) e da derrubada de avião espião (o U-2), o que levou Nikita Krushev, o então líder soviético, a cancelar reunião de cúpula com Ike, ficou a impressão de um certo marasmo, além de suposto atraso na corrida armamentista (de que o candidato John Kennedy se serviu amplamente).
     Como mostra em sua coluna o articulista Albert R. Hunt, Eisenhower não refugava a responsabilidade, mesmo quando as coisas iam mal. Nesse contexto, ao invés de demitir o diretor da CIA (que dissera ser o U-2 invulnerável aos misseis soviéticos), Ike teve a hombridade de assumir a culpa pelo malogro da missão de espionagem (com a detenção pela URSS do piloto americano Francis Powers).
    O maior êxito estratégico-diplomático de sua presidência ocorreu às vésperas da  reeleição em 1956, quando, por sua iniciativa, os EUA inviabilizaram a operação conjunta anglo-francesa em apoio a Israel para retomar o controle do Canal de Suez (cuja administração fora nacionalizada por Gamal Abdel Nasser, presidente do Egito). O malogro da operação foi o dobre de finados da ação independente como grandes potências dos dois países europeus.
    Como se sabe, no tempo de Eisenhower (o que se estenderia até a década seguinte), a relação clientelar de Israael com Washington obedecia aos parâmetros usuais desse tipo de ligação,com a óbvia ascendência do Estado protetor. Na presidência Nixon, graças sobretudo a Henry Kissinger (Assessor de Segurança e mais tarde Secretário de Estado) Israel tomaria as rédeas do relacionamento, até chegar ao hodierno extremo de Benjamin Netanyahu menosprezar as determinações de Barack Obama quanto ao congelamento das construções dos colonos na margem ocidental do Jordão.
     As passagens ensombrecidas da presidência Eisenhower – que nos presentes relatos encomiásticos não costumam ser mencionadas – se reportam ao seu pendor de promover operações da CIA para desestabilizar governos supostamente hostis aos interesses americanos.
     Foi assim na chamada operação Ajax (agosto de 1953) que derrubou no Irã o governo nacionalista de Mossadegh, repondo no trono o jovem Xá Reza Pahlevi. Quiçá instigado pelo sucesso no Meio Oriente, a instâncias da notória United Fruit (a empresa bananeira que se julgava defraudada pela reforma agrária do governo nacionalista de Jacobo Arbenz), Eisenhower autorizou outra operação, a PBSuccess, que em junho de 1954, através da encomendada coluna comandada pelo Coronel Castillo Armas derribou com melancólica facilidade o governo democrático na Guatemala.
     A PBSuccess,  também uma criatura da CIA, foi coordenada pelos irmãos Dulles. John Foster Dulles no Departamento de Estado e Allen Dulles na CIA – Eisenhower, nesse tipo de atuação, tomava o cuidado de não participar das reuniões, informando-se incidentalmente do andamento dos preparativos. Buscava,assim, resguardar-se  se porventura os planos não andassem como previsto.
    Ainda nas zonas de sombra de sua presidência – não mencionadas de resto nos encômios – cabe anotar o Vietnam e Cuba. Após a caída de Dien Bien Phu, a administração Eisenhower iniciou o envio de assessores americanos para o Viet-Nam do Sul. Aí começava o envolvimento americano que terminaria tragicamente na inglória fuga de Saigon em  1975 . O que não se refere é que John F. Kennedy não tinha a intenção de aumentar a presença americana, o que viria a ocorrer com o sucessor Lyndon Johnson.  Com relação a Cuba, durante o fim da Administração Eisenhower iniciou-se a preparação da tentativa de invasão da ilha, que levaria ao fiasco da Baía dos Porcos, na presidência Kennedy.
    Haja vista o que precede, se a Administração Eisenhower recebera no passado conceitos negativos que não correspondiam aos resultados obtidos pelo primeiro Presidente republicano depois de vinte anos de governos democratas, não é de descartar algum exagero nas loas com base na recente biografia que, na prática, o relança como figura histórica de relevo. Talvez neste particular momento histórico dos Estados Unidos, com o acirramento da rivalidade com a República Popular da China, a perspectiva de talvez  perder a liderança da economia mundial na vindouraa década de vinte.  Havia sinais de declínio assinalados amiúde pela imprensa e a própria opinião pública.Contudo, representavam mensagem reconfortante não só a relembranca  dos anos cinquenta, com a serenidade que não tardaria em ser quebrada pelos tempestuosos anos sessenta, assim como a própria imagem do presidente de um país, com o comércio internacional superavitário e ainda auto-suficiente no que tange ao petróleo.
       Por fim, agrega-se a esse quadro suscetível de  leitura prazerosa no momento atual, até o testemunho de despedida da Administração republicana de Dwight David Eisenhower. Com efeito, a sua advertência – uma autêntica flechada dos Partas[2] – no luscofusco do próprio mandato contra a ‘injustificada influência do complexo industrial-militar’ nos programas de governo parece mais adequar-se a Administração democrata do que a uma republicana.
       De resto, não só por tal posição, mas pelas características gerais de sua presidência, ela dificilmente semelha coadunar-se com as Administrações do GOP, como se apresentam ao juízo da opinião pública. Dir-se-ía que o corrente Partido Republicano se parece cada vez mais ao formato da ala tradicionlista de Robert Taft, cuja liderança a Convenção republicana de então repudiara em favor de Dwight Eisenhower, expoente moderado e herói militar.



(Fonte: International Herald Tribune) 



[1] em  tradução não-literal, uma saúde débil.
[2] Referência à tática dos cavaleiros partas em fuga, que, no entanto, lançavam de costas mortais flechadas para os seus inimigos menos prudentes na eventual perseguição.

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