Kofi Annan, ex-Secretário-Geral e atual Enviado especial das Nações Unidas e da Liga Árabe para a Síria, traçou em seu discurso de ontem para a sessão extraordinária da Assembleia Geral um quadro sombrio acerca da situação do conflito naquele país.
Sem as cautelas da linguagem diplomática, Annan foi franco a respeito do fracasso de seu plano de paz. Oficialmente em vigor a partir de meados de abril, nas suas palavras ‘o plano não está funcionando’.
Em um enfoque pessimista – que recorda outro malogro na trajetória de Annan,i.e., o massacre genocida em Ruanda – disse ele: ‘ Há uma escalada na crise. A violência se torna pior. O país fica mais polarizado e mais radicalizado. E de parte dos vizinhos da Síria existe crescente preocupação quanto à ameaça de propagação’.
Depois de Houla, mais um massacre se sucede. De acordo com o cenário da anterior barbárie, nas cercanias de Hama, na comunidade agrícola de Qubeir, há muitas mulheres e crianças nas 78 vítimas, trucidadas por fogo, tiros e facadas. Tentativa dos observadores (desarmados) das Nações Unidas foi obstada até por elementos civis armados – supostamente da milícia shabiha, que apóia o governo al-Assad.
Em sua alocução, o Secretário-Geral, Ban Ki-moon, criticara asperamente a circunstância de que os monitores do cessar-fogo fossem impedidos de ter acesso ao sítio. Contudo, ressalta a avaliação negativa do governo de Bashar al-Assad. No seu entender, o presidente sírio perdeu toda legitimidade no curso do levante de dezesseis meses. ‘A situação na Síria continua a deteriorar-se’, o que tende a exacerbar o esforço para isolar Bashar e removê-lo do po der.
No entanto, malgrado as acerbas palavras da principal autoridade institucional das Nações Unidas, e de seu respeitado antecessor, o regime alauíta, por causa de seus dois protetores, ainda não se acredita diretamente ameaçado. Dada a atual cisão no Conselho de Segurança, com a posição até hoje inflexível da Federação Russa – e de seu agregado aliado, a China Comunista – as ignominiosas atrocidades prosseguem na sua provocatória marcha.
Escudado nas cínicas razões de estado do Kremlin, Bashar al-Assad não semelha inquietar-se com os efeitos dos massacres e futuros indiciamentos junto ao Tribunal Penal Internacional, da Haia. O seu comportamento, no entanto, está defasado, e ele parece não ter presente as diversas condenações já aplicadas por aquela Corte a outros presidentes. Bashar viveria, assim, na ilusão da passada imunidade, que o progresso do direito internacional humanitário não mais assegura a déspotas sanguinários.
Há rumores, no entanto, de que a resistência de Vladimir Putin não seja tão granítica quanto querem aparentar os seus funcionários. Nesse contexto, discute-se a possibilidade de uma solução iemenita para a crise síria. Noticia, a propósito o Herald, que Fred Hof, enviado especial do State Department para o Oriente Médio, estaria em Moscou para avaliar da possibilidade de entendimento russo-americano para uma transição política na Síria.
Milita contra essa solução o aprofundamento ao longo de dezesseis meses da contestação de tantos segmentos da população síria no que tange à permanência de um regime cuja aceitação tem sido golpeada por tantas atrocidades.
Sem embargo, até mesmo para o autoritarismo do regime russo, há limites para soluções politicamente gravosas, que a propria rejeição nacional tende a tornar progressivamente insustentável.
No agravamento da crise, uma autoridade de transição pode encaminhar uma solução politicamente aceitável pelas partes, nelas incluída o aliado russo que veria preservados os respectivos interesses.
Com o regime alauíta enfraquecido, e a larga coalizão de potências que lhe são refratárias, a saída iemenita, com a transição sob controle, pode ser a solução viável, pelo menos por um espaço de tempo considerado adequado.
Segundo tal raciocínio, o Kremlin poderia entrever a abertura para um estado satisfatório de relações no futuro.
( Fonte: International Herald Tribune )
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