A velha sabedoria ensina que, também em política, grande parte da colheita será daquilo que se semeia.
Barack H. Obama e suas perspectivas de reeleição são exemplo disso. Na primeira eleição, em 2008, sua campanha cresceu como verdadeira força da natureza, levando de roldão a adversária Hillary Clinton, antes havida como favorita para a nomination e, em seguida, seu pálido antagonista republicano, o senador John McCain.
Obama encarnou a nova mensagem e os novos métodos de arregimentação, com ênfase no apoio dos jovens e na utilização maciça da vasta gama das comunicações pela internet.
A própria mensagem básica de sua pregação cingiu-se à prometida mudança (change), que o movimento popular por ele encabeçado apontava como a conclusão inexorável de seu triunfo eleitoral.
Havia – e decerto ainda perdura – nos Estados Unidos um desejo de transformação, de mudança para melhor, de evolução, sobretudo em política como meio de realização de uma nova sociedade. Esta aspiração tem duas características essenciais: seja diversa daquela que aí está, e que esteja afinal em condições de trazer para Washington (o símbolo do governo) uma nova conformação mais afinada com o sentir da cidadania em geral.
No seu primeiro biênio, Obama, o 44º presidente estadunidense, e primeiro afro-americano a residir na Casa Branca, alcançou o que nenhum de seus predecessores, desde o longínquo republicano Theodore Roosevelt, tinha conseguido: fazer aprovar pelo Congresso uma reforma da saúde que a tornasse acessível à maior parte da cidadania.
No entanto, a votação e a redação final da Lei da Assistência Médica Custeável trariam no seu bojo indicações ominosas de ilusões e de concessões da Administração Obama que a tornariam vulnerável para ataques da oposição republicana.
Barack Obama iniciara a respectiva presidência sob a ilusão de que o antigo bipartidismo poderia ser ressuscitado. Por causa dessa miragem, muitas concessões foram feitas para angariar sufrágios do GOP para uma lei que em um ambiente não envenenado pelo espírito faccioso e sectário deve ser vista como uma benesse para toda a comunidade americana, eis que traz assistência médica para 32 milhões de americanos atualmente sem seguro (dos atuais 50 milhões não cobertos, faltam ainda dezoito milhões).
Na busca desses votos republicanos – de que a então maioria democrata em Câmara e Senado não carecia – foram feitas inúmeras concessões, de que as principais e mais gravosas são (a) o abandono da chamada opção pública e (b) o atraso na entrada em vigor do Affordable Care Act (ACA)[1], aprazado para 2014.
Preferindo o mandato individual à opção pública, além de enfraquecer a entidade encarregada de aplicá-la, ao recorrer à cobrança de uma contribuição deu vaza para a presente contestação judicial, o que não ocorreria com a criação de entidade pública, subvencionada por imposto federal (insuscetível de qualquer chicana nos tribunais). Por outro lado, anuindo em postergar a sua plena entrada em vigor, não se deu ao povo americano a mostra insofismável de o que ganharia com a aprovação da lei.
A cisão política nos Estados Unidos – que leva a oposição a contestar e tentar destruir por todos os meios cabíveis qualquer iniciativa, mesmo intentada no passado por inúmeras administrações republicanas, se a eventual reforma tiver o vício redibitório de uma origem democrata – não é por certo um sintoma de uma sociedade em que o interesse da coletividade tenha primazia.
O erro de Obama em tentar reviver o bipartidismo – i.e., o espírito inteligente que prioriza o interesse da sociedade em geral – terá sido decorrência da sua inexperiência na área executiva. Por outro lado, sua tendência para uma certa alienação do cenário nacional ( amplamente verificada durante o primeiro biênio, como o livro ‘Homens de Confiança’ de Ron Suskind demonstra com penosa precisão) fê-lo perder oportunidades preciosas de transformar a administração no sentido da alardeada mudança, optando-se por uma inação em que os usos e hábitos de Wall Street iriam perdurar.
Essa falta de atenção aos reclamos da sociedade já provocaria reações como a eleição do republicano Scott Brown para a cadeira de Teddy Kennedy no Senado, ainda no primeiro biênio. Com isso, evaporou-se a maioria de sessenta cadeiras no Senado para os democratas, tornando possível para o GOP o exercício da filibuster.
Assim, a chamada tunda (shelacking) da eleição intermediária de 2010, com o GOP ganhando a maioria na Câmara, viabilizaria o bloqueio legislativo da Administração, sem falar na instrumentalização irresponsável da renovação do teto da dívida pública, que a predominância da bancada do Tea Party tornaria inevitável.
A não-utilização de seu controle do Congresso no primeiro biênio, e a tomada de medidas mais pró-ativas para realavancar a economia, fazem hoje do governo Obama refém dos decepcionantes boletins tanto de novas contratações, quanto do índice de desemprego (o qual, passando dos oito por cento, se acha em terreno assaz perigoso para um presidente que postule a reeleição).
Depois da sessão de perguntas dos juízes da Suprema Corte acerca da Lei da Assistência Custeável de Saúde, apontando para a probabilidade de que a Corte, pela maioria republicana, venha a decidir pela inconstitucionalidade dessa grande Reforma (e principal conquista da Administração em seu primeiro mandato). Essa incrível peripécia não mais se afigura como pálida hipótese de jornalistas de plantão.
Se tal vier a ocorrer, além de ser um escândalo político – por evidenciar, uma vez mais a politização do Supremo, com viés pró-GOP (V. Bush v. Gore pelo qual a Suprema Corte, por primeira vez, decidiu uma eleição presidencial nos Estados Unidos) – representará um senhor tropeço para Barack Obama, com clara, talvez pressaga influência nas perspectivas dos comícios de seis de novembro p.f.
Sem desejar estender demasiado tais considerações, cabe assinalar que de uma parte a composição do Supremo é reflexo da maior influência dos presidentes republicanos. No momento, a Corte tem maioria conservadora, com cinco membros com tal orientação; e quatro liberais, dois dos quais de indicação de Obama. Fala-se muito do quinto voto, de Anthony Kennedy, que seria o de Minerva, e teria alguma independência. Sem embargo, nas grandes causas, como a que deu a vitória a George Bush, este ministro, indicado pelo Presidente Ronald Reagan, tende a apoiar a tese conservadora.
Há um outro fator que contribuiu para a fraca aceitação popular da Lei da Assistência Médica Custeável. Barack Obama não a divulgou como deveria. Há um certo distanciamento (aloofness) do Presidente que, para alguns, parece arrogância mas que no meu entender terá mais a ver com falta de experiência executiva.
(a
continuar oportunamente)
( Fontes: The New York Review, International Herald
Tribune )
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