domingo, 3 de junho de 2012

Reforma da Saúde. Constitucionalidade do Mandato (II)

                 
        No domingo, 29 de abril de 2012,  como o leitor há de recordar-se, tratei do artigo de Ronald Dworkin sobre a constitucionalidade da Lei  da Assistência Sanitária Custeável. Conforme não se desconhece, depois de derrotada no Congresso, a direita republicana recorreu ao braço togado da justiça, com vistas a conseguir o que pelo voto democrático dos representantes do Povo americano lhe fora denegado.
        É um recurso usual e admissível da oposição. No início do longo governo de Franklin Delano Roosevelt, a então maioria conservadora da Corte Suprema procurara obstar a legislação do New Deal. Se F.D.R. prevaleceria ao cabo, tal se deve sobretudo a que a sua extensa permanência democrática no poder (eleito presidente em 1932, seria reeleito em 1936, 1940 e 1944) haja viabilizado uma corte com tendência liberal, mais entrosada com o querer e as necessidades da maioria da população.
        Daí, o algariamento da direita – e não só nos Estados Unidos – diante da perspectiva de que a Corte Suprema venha por motivação política, revogar a vontade popular,  na linha da recente sentença  Bush v. Gore (em que, na prática, outorgou a presidência ao candidato minoritário).  Essa decisão, se efetivar-se, será decerto legal e constitucional, mas haverá fundadas dúvidas sobre a sua legitimidade.
        De resto, embora infelizmente menos provável, persiste a possibilidade de que o quinto juiz conservador – Anthony Kennedy – dê o voto de Minerva em favor da constitucionalidade da principal lei aprovada pela Administração Obama, que é, como se sabe, a reforma da saúde americana, em vão intentada desde princípios do século passado por presidentes republicanos e democratas.
       Se, como assinalara Dworkin no seu citado artigo em The New York Review, as perguntas de Kennedy ao Solicitador-Mor do Governo, Donald B. Verrilli, já podiam desvelar dúvidas quanto ao caráter do mandato legal, e uma eventual inconstitucionalidade, a seu ver Verrilli dera respostas convincentes, a que ele Dworkin se permitiu aduzir argumentação adicional, com vistas a reforçar a posição da Lei em causa. 
       Em meio a rumores de que a esperada decisão da Corte deva ser divulgada no corrente mês de junho, especula a mídia de viés conservador no que significaria em termos de derrota política para a Administração democrata a declaração da inconstitucionalidade do mandato[1], e o quanto poderia ajudar ao antagonista republicano Mitt Romney, na eleição de seis de novembro vindouro.         
       Nesse contexto, a intervenção da expoente liberal Marcia Angell, em sua carta aos editores da New York Review acerca do citado artigo de Ronald Dworkin, a um tempo surpreende e consterna. A oposição ao Obamacare[2] se compõe em geral dos conservadores republicanos e do movimento reacionário Tea Party. Daí a espécie que provoca a adesão dessa renomada especialista da Harvard Medical School.            
      Mas deixemos a Dworkin a tarefa de apresentá-la e contraditá-la. ‘Marcia Angell é uma importante experta sobre a assistência sanitária americana. Ela contribuíu com artigos excelentes sobre o assunto no The New York Review e muito tenho apreendido dela. Meu artigo era sobre a constitucionalidade da Lei da Assistência Custeável, não a respeito de seus méritos, porém deixei clara a minha opinião de que a lei traria considerável melhoria para a assistência médica americana e ela discorda. Ela aparentemente espera que a Suprema Corte vá derribar esta lei e salvar o país de um precedente que permita ao Congresso obrigar as pessoas a comprarem produtos de companhias privadas. Ela pensa ser razoável supor que uma nova legislatura do Congresso venha a aprovar um esquema muito mais radical e eficaz: o serviço nacional de saúde ‘pagador único’, financiado inteiramente pelo Governo com impostos federais.
      ‘Concordo que tal esquema seria melhor do que aquele viabilizado pela Lei, mas também concordo com escritor (Arnold Relman) que disse, nessas páginas: “esse sistema não tem a mais remota chance de ser legislado por nosso governo nacional dentro de um prazo relativamente próximo”’.
      Barack Obama que, no primeiro biênio de seu mandato, considerava viável o bipartidismo, entabulou vãs conversas e reuniões na Casa Branca, com parlamentares republicanos, e em especial os moderados do GOP, na esperança de que os republicanos se associassem à reforma da saúde. Nesse sentido, a escolha do mandato individual, ao invés da chamada opção pública (que daria à entidade encarregada mais força, inclusive na faculdade de forçar a redução dos altos preços praticados pela medicina nos Estados Unidos). Por causa disso, a opção pública, versão defendida pela Speaker Nancy Pelosi seria posta de lado, em favor da alternativa do mandato individual. É uma pena, porque a opção pública, custeada pelo tributo federal não poderia obviamente ter a constitucionalidade questionada.
       Sem adentrar em argumentos técnicos de Marcia Angell e R. Dworkin quanto ao número de americanos que seriam cobertos pelo seguro médico, releva frisar que o raciocínio de Dworkin toca em um ponto vital da discussão : ‘Seria um erro rejeitar a lei porque algo melhor poderia tomar o seu lugar no futuro. (...) Acredito mais sábio que expertos influentes  como Angell continuem a trabalhar por melhorias pontuais na lei. Tomar a Lei ( da Assistência Sanitária Custeável ), ao contrário de reverter para o status quo em que tantos milhões de americanos não podiam pagar o seguro, ou eram recusados, mesmo em condições de  pagá-lo. Terra arrasada não é nunca uma boa política.’ (meu o grifo)   



( Fonte: The New York Review of Books )



[1] Nesta hipótese negativa, existem dúvidas acerca da extensão da inconstitucionalidade da lei, se ela seria revogada in totum, ou em parte.  
[2] O apelido pejorativo, cunhado pelo GOP, para tentar achincalhar a Reforma da Saúde.  

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