A queda
do catolicismo no Brasil, confirmada pelo censo do IBGE, não surpreende, ainda
que a redução não mais seja apenas relativa, a ponto de refletir-se agora em
números absolutos. Com efeito, a Igreja Católica viu partirem do aprisco um
milhão e seiscentos mil fiéis de 2000 a 2010. Passou de 124,9 milhões (2000) para 123,2
milhões em 2010. Enquanto decresce a católica, aumentam os evangélicos. Nestes,
a curva ascendente se eleva de 15% para 22%.
Por muito tempo o Brasil se jactou de
ser o maior país católico do mundo, o que pode ainda ser a realidade. Mas dadas
as características da evolução demográfica, e o fato de as antigas seitas se
terem transmutado em igrejas com números respeitáveis, tal condição parece
indicar a confirmação de uma outra dinâmica, que não mais tem a ver com vazias
afirmações de pujança, e que aponta para a acentuada probabilidade de um outro
tipo de processo.Na área evangélica, prossegue o fenômeno da redistribuição das diversas denominações. Nesse contexto, a Assembleia de Deus, que já era a maior, passou de 8,4 milhões a 12,3 milhões, com aumento de 46%, enquanto a Evangélica Batista subiu de 3,2 milhões para 3,7 milhões (18% de incremento). Por sua vez, a Congregação Cristã do Brasil baixou 8% (de 2,5 milhões para 2,3 milhões) e a Universal do Reino de Deus caíu de 11% (de 2,1 para 1,9 milhões).
O encolhimento do catolicismo não é um fenômeno súbito, nem localizado. Em várias regiões da América Latina, a religião católica que se confundia com as respectivas histórias nacionais – a partir notadamente do descobrimento ou da conquista, dependendo do estágio das populações indígenas pré-colombianas – começou a sofrer a ação de nova onda de missionários. Muitas hierarquias católicas encararam com preocupação o fenômeno em que prelados viram a inspiração e o suporte da presidência de Ronald Reagan. Tal desenvolvimento duplicou o avanço interno dos evangélicos na Terra de Tio Sam. Desde então, a relevância das correntes evangélicas para o Partido Republicano contribuíu tanto para o desaparecimento da ala moderada, como para a radicalização da direita no GOP.
As vagas de pregadores que vinham anunciar o novo credo nos países latino-americanos – com a substituição da religião católica que integrava a nacionalidade respectiva – constituíram projeto de mais de uma geração. Se não irrompeu com a reação da direita nos anos oitenta, e teve predecessores até nos anos sessenta – quem não se recorda do aparecimento dos crentes no Brasil, em geral nas comunidades fora do alcance assistencialista da religião oficial ? – forçoso será reconhecer o maciço incremento no processo de proselitismo, com deploráveis consequências de despojamento dos antigos costumes ancestrais.
Na América Central, por exemplo, o processo tem sido rápido. Como símbolo da nova situação, foi eleito um presidente evangélico, Jorge Serrano. Com a progressão evangélica vinda de além-mar, acentuou-se a descaracterização antropológica na população, com o abandono de costumes e práticas seculares, no caminho de progressiva alienação do indígena de sua herança racial e nacional.
Para o avanço dos credos evangélicos no Brasil, há dois fatores relevantes: o oficialismo burocrático e conservador da Igreja Católica e a falta de um sopro renovador de sua hierarquia.
A tentativa de correntes progressistas dentro da religião católica, que haviam recebido um grande impulso no pontificado do grande Papa o Beato João XXIII, sofreu nos posteriores reinados, seja pelas hesitações de Paulo VI, seja pelo longo predomínio do arqui-conservador João Paulo II – o Papa João Paulo I foi fugaz esperança, no seu brevíssimo pontificado - uma forte reversão de curso.
Ao invés da teoria da libertação – e da perseguição implacável aos seus promotores, como Hans Küng, na Alemanha, Edward Schillebeeckx, na Holanda, e Leonardo Boff, no Brasil - a Igreja Católica se enrijeceu no oficialismo e no triunfalismo, o que representou um lamentável retrocesso aos tempos de Pio XII.
Os núncios[1] para cá mandados não mais repetiram a obra meritória de Monsignor Lombardi, que promovera ao episcopado diversos sacerdotes progressistas, empenhados em trabalhos sociais. Com Paulo VI e sobretudo João Paulo II, o papa polonês, a ênfase caíu na linha conservadora. O triste estado da corrente progressista pode ser epitomizado por D. Helder Câmara. O grande bispo auxiliar do Rio de Janeiro, com a sua humildade e proximidade com os extratos menos favorecidos, teria uma obra episcopal que repercutiria mundialmente.
Não teve nenhum apoio da Cúria romana, embora não ousassem enfrentá-lo pelo efeito de seu trabalho pastoral e renome mundial. Nunca foi criado cardeal por Papa Wojtyla, teve um auxiliar seu morto pela ditadura militar, e tampouco pôde recber o Brasil, por sua augusta pessoa, a distinção do Prêmio Nobel da Paz, o que semelha atribuível aos esforços da extensão do poder militar junto à comissão em Oslo.
Durante o longo parêntesis da chamada Redentora, a hierarquia brasileira teve em D. Paulo Evaristo Arns, D. Aloiso Lorscheider e D. Ivo Lorscheiter notáveis representantes, os dois primeiros chegaram ao cardinalato, e o terceiro quis a fortuna que assim não fosse, posto que haja atuado com vigor na CNBB.
Quiçá esteja no presente domínio da ala conservadora na Igreja Católica – o que o maior teólogo do século XX, Karl Rahner, referiu o inverno na Igreja – uma das razões para o recuo mundial do catolicismo, com templos vazios de fiéis, e uma lamentável ausência do esforço dos prelados na promoção de uma presença pastoral que não se limite aos domingos, e não adentre as áreas de pobreza com a necessária disposição de defesa das comunidades, como diversos bispos do valor de D. Pedro Casaldáliga não titubearam em dar o desejado testemunho.
Não , por acaso, Papa Giovanni continua Beato, não reconhecido como o Santo que é, com o largo culto que lhe é reservado. Ao escolher o palácio, ao invés do campo e das comunidades, o atual Pontífice, Bento XVI e a sua linha eclesial continuarão a receber homenagens dos poderosos de turno, mas transmitem uma mensagem que se traduz em naves vazias e em novos sítios entregues ao deus dará. Falta-lhes a veia messiânica, o compromisso evangélico da Igreja que teve Pedro como seu primeiro Pontífice. É uma longa história que no momento presente se distanciou do povo, a quem vê amiúde, nos cortejos pontíficios, em largas e amorfas multidões a que falta o espírito renovador da verdadeira mensagem de Cristo.
( Fonte subsidiária:
O Globo)
[1] Núncio é o
título oficial do representante diplomático da Santa Sé. Acumula as funções de
um virtual fiscal do Sumo Pontífice junto ao episcopado nacional.
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