O
líder do Povo palestino, presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), símbolo da luta dessa nação pela
dignidade e independência, foi transportado de urgência, em 29 de outubro de
2004, acometido por mal indefinido, da sua virtual prisão, na Muqata, o complexo presidencial de Ramallah, para o hospital militar de Percy, na região parisiense.
Treze dias depois, onze de novembro, Yasser Arafat viria a falecer. O corpo
médico do nosocômio francês foi de extrema discrição. Mais tarde, vazariam para
a imprensa o que seria a causa mortis.
O documento de quinhentas páginas apontava causas naturais para o óbito, após
acidente vascular cerebral antecedido de infecção e hemorragia.Na trágica história palestina, a travessia desse personagem carismático, tão ligado a partir dos anos sessenta ao al-Fatah e à O.L.P., constituía a epítome de uma longa caminhada, iniciada pela retomada do controle sobre o respectivo movimento, e que passara pelas estações da luta armada, do terrorismo, até admitir a solução pacífica através de acordo justo com os inimigos da véspera. Nesta segunda fase – que foi uma das grandes oportunidades perdidas – se nos depara a cerimônia da assinatura dos Acordos de Oslo nos jardins da Casa Branca, e o aperto de mão de Yitzak Rabin e Arafat, na presença de Bill Clinton, o então Presidente dos Estados Unidos.
As esperanças do processo de paz, que luziam fortes naqueles dias, iriam ser consumidas pela praga continuada dos assentamentos ilegais de colonos, que a inexperiência dos delegados palestinos não soubera atalhar, e que Rabin e Shimon Peres toleraram.
A direita israelense, ávida de terras, representada por Ariel Sharon, após o derradeiro fracasso em Taba de um entendimento abrangente, nos dias terminais do governo Clinton – que Arafat teria recusado pela questão dos refugiados – levou à saída de cena do governo de Ehud Barak. Antes, e não por sua própria vontade, desaparecera Rabin, abatido por assassino da extrema direita israelense.
Sharon não tardaria a assumir o governo. Com ele vieram as provocações que levaram a uma nova Intifada, e o muro, que procurava tornar ainda mais prisioneira a Nação Palestina.
Tampouco surpreende que, da cordialidade de Clinton, Arafat se deparasse doravante com a frieza do novo Presidente, George W. Bush. Enquanto a estranha relação clientelar entre Washington e Tel-Aviv se estreitava ulteriormente, na prática Arafat se tornaria um pária para a dupla Bush – Sharon. Não mais teve abertas as portas do salão oval da Casa Branca, enquanto o chefe do governo israelense, Ariel Sharon o transformou em autêntico prisioneiro, na Muqata de Ramallah.
Nada mais próprio para esses olhos hostis a um líder nacional que, de solução para a questão palestina , se transmutasse em obstáculo. Tentaram demovê-lo por um acosso permanente na cidadela de Ramallah, impedido de viajar, e com intentos repetidos de inviabilizar a administração do arquipélago de bantustans em que se metamorfoseara a não-ocupada margem ocidental do Jordão e a Faixa de Gaza.
O longo padecimento do presidente da Autoridade Palestina, um virtual cativo de poderes que o julgavam um estorvo para a consecução dos fins do general Sharon, e da maioria do povo israelense. Arafat se metamorfosearia em um estranho mal, que a prevalente precariedade no inferno de Ramallah já faria presumir como fatalidade anunciada.
O configurado claro enigma que caracterizaria o passamento do heróico símbolo da nacionalidade palestina desde a sua morte agora terá encontrado o princípio de resposta, há muito suspeitado pelo seu sofrido povo.
Hana Ashrawi é uma respeitada ex-ministra e membro da Organização para a Libertação da Palestina. Ela declara: ‘A suspeita de que ele foi morto, deliberadamente assassinado sempre lá esteve. A maioria dos palestinos acredita nisso. Eu acredito porque estive lá, porque o vi, presenciei a transformação’.
A autorização ora dada pela viúva Suha possibilita, a instâncias da rede tv al – Jazeera, o exame dos pertences pessoais de Arafat, usados nas semanas que antecederam sua morte. Aí foram identificados indícios remanescentes de irradiação com a substância radioativa polônio-210.
O contato com este gás venenoso é mortal para o ser humano. Em 2006, apesar de internado em hospital londrino, o espião russo Alexander Litvinenko – e opositor do governo de Vladimir Putin – faleceria sob os efeitos devastadores do polônio 210.
Como os registros do hospital de Percy omitem qualquer referência ao gás, e referem causas naturais para o fim de Arafat, a exumação do corpo, inumado na Muqata, teve a concordância da viúva. O Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas ordenou, em consequência, investigação para apurar as causas da morte de Yasser Arafat, com a interveniência de peritos árabes e estrangeiros.
Em decisão concomitante, anunciou Abbas que pedirá ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que determine a abertura de investigação internacional nos moldes da efetuada no Líbano, ao ensejo de outro magnicídio, com vistas a apurar as circunstâncias do assassínio de Rafik Hariri.
É de esperar-se que o procedimento a ser instaurado corra com mais rapidez e menos dilações do que o do Líbano, e que a verdade possa afinal ser conhecida em toda a sua extensão e implicações.
Na árdua caminhada do Povo Palestino, a luz da verdade – que às vezes tarda muito, mas que, de uma forma ou outra sempre aparece - pode representar uma última contribuição do velho líder à causa da justiça e da plena independência do Estado da Palestina.
( Fontes:
CNN, O Globo )
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