Às vésperas de abrir-se o julgamento pelo Supremo do chamado
‘Mensalão’, é de compreender-se que a imprensa se regale com este escândalo.
Dele se discute até a propriedade da designação, dada por Roberto Jefferson,
como se os alegados pagamentos tivessem algum caráter mensal.
É natural que os temperamentos se
ericem, e não só o dos réus, quando o interminável processo – findas todas as
doutas e expertas procrastinações dos inúmeros causídicos – foi despachado pelo
ministro relator Joaquim Barbosa e, por fim, em meio a pressões e ofícios, pelo
ministro revisor Ricardo Lewandowski. Por força de códigos flexíveis, demasiado generosos nos direitos de recurso, máxime se utilizados por advogados do peso do ex-Ministro da Justiça do primeiro mandato de Lula, Márcio Thomaz Bastos, foi muita longa a tramitação judicial desse processo. O inconfesso, porém manifesto escopo era o de ganhar tempo, e assegurar a prescrição de vários crimes.
Sob a presidência do respeitado Carlos Ayres Britto, o processo deste século se abre a dois de agosto. Infelizmente, tanto o presidente, quanto o Ministro Cezar Peluso tem a seu lado a incômoda ampulheta, a recordar-lhes que a sua missão no Supremo está por findar, pela procrusteana imposição do limite de idade. É de augurar-se, no entanto, que um logre encerrar o procedimento, e ambos consigam emitir os respectivos votos.
Dentre os ansiosos advogados das 38 partes, esses dois ditames – ainda que seja proverbial a incerteza quanto às sentenças – não provocam muitas dúvidas, sendo computados no grupo das condenações.
Ainda que existam ministros que são dados como favas contadas nas absolvições, não me aventurarei nessa contabilidade dos palpites. Se surpresas sempre haverá, parece mister conceder ao colegiado, mesmo àqueles com aparentes menores títulos a dela se valerem, a homenagem da dúvida.
Há gente que acredita faltar alguém no banco dos réus. É o velho argumento que se leu por primeira vez acerca de outro caso célebre, na reportagem de Davi Nasser ‘Falta alguém em Nuremberg’. Como se sabe, ali foram julgados os maiores criminosos do nazismo, e a frase ficou pairando no ar, aplicável a quem escapasse do banco dos réus de um juízo de relevância.
Como a Justiça tarda, mas acaba por bater à porta dos que acaso se achem no seu caminho, depois das revelações de Roberto Jefferson, a trilha do mensalão se tem marcado por sinuosas e, às vezes, angustiosas mensagens para a figura de Luiz Inácio Lula da Silva.
Como diz Ricardo Noblat na sua coluna de hoje: ‘ponham-se no lugar do ex-publicitário mineiro. Era rico, riquíssimo antes de se meter com o PT de Delúbio Soares, Genoino e José Dirceu.’
Ter-se-á Marcos Valério se perdido pela ambição ? O fato é que quando se tornou público o escândalo, e o quadro mudou de figura, Valério encetou uma prática, que, pelo visto, ainda não considera encerrada. Os crípticos, ameaçadores avisos que configuram a chantagem, esse estranho abraço dos que se debatem nas águas do afogamento.
Assim, sempre consoante o resumo do colunista, num ‘sábado de junho, depois de tomar uns goles a mais na Granja do Torto, Lula falou em renunciar ao mandato. Ficara sabendo que Valério admitira envolvê-lo no escândalo’.
Seguiu-se, então, de acordo com a narrativa, a intervenção de José Dirceu. ‘Escalado para dar um jeito em Valério, deu sem fazer barulho’.
E, como é da natureza de tal processo extorsivo, ‘no segundo semestre de 2006, Valério voltou a atacar. Procurou um político de forte prestígio junto a Lula.(...) O político (cujo nome não é declinado) reproduziu para Lula o que ouvira de Valério.’ Aí entra em cena Paulo Okamoto, o velho amigo de Lula.
E, uma vez mais nas palavras de Noblat, ‘o diligente Okamoto, aquele que pouco antes pagara do próprio bolso cerca de R$ 30 mil devidos por Lula ao PT, apascentou Valério.’
É um enredo que se vem repetindo até agora.
Nos últimos tempos, segundo a Veja, as ameaças (ou chantagens) voltaram a manifestar-se. Desta feita, se trataria de um depoimento em vídeo – que não se sabe se existe ou não – a ser enviado às autoridades , ‘com um depoimento bombástico, gravado por ele em três cópias e escondido em lugares seguros. Seria parte do acordo de delação premiada com os procuradores’. O recado foi recebido e ‘prontamente decodificado por um grupo de assessores próximos ao ex-presidente, que entrou em ação para evitar turbulências na reta final do processo’.
Lula e o PT não mais reconhecem a existência do mensalão. As contradições, no entanto, abundam. Em 2005, no ápice do escândalo, (Lula) se penitenciou: “Eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos de pedir desculpas. O PT tem de pedir desculpas.”
Mais tarde, aquilo de que se deveria pedir desculpa, virou para Lula da Silva caixa-dois, que todos fazem.
E a música parece ter mudado para o ex-presidente. A ver-se as ambíguas e bastante estranhas conversas com ministros do Supremo, como Gilmar Mendes.
Serão fanfarronadas as palavras do novo presidente da CUT, de organizar protestos na rua em manifestações contra o julgamento do mensalão pelo Supremo ?
Essas contínuas mudanças na avaliação do mensalão, este portentoso desafio existencial para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegam a lembrar a série de atitudes apontadas em estudo famoso por Elisabeth Kübler-Ross. No final, toda a raiva, todo o afeto (freudiano) terminam em aceitação. Será que aqui também a estória se repetirá ?
( Fontes: O
Globo, Veja ).
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