terça-feira, 31 de maio de 2011

O Último Fugitivo

           A captura e prisão de Ratko Mladic, o último fugitivo da guerra da Bósnia, veio virar embaraçosa página para a Sérvia. Por mais de quinze anos, o general Mladic, a terceira figura do triunvirato responsável pelos massacres do conflito – com Slobodan Milosevich e Radovan Karadzich – lograra escapar à prisão. Tão longo espaço de tempo só poderia alimentar fundadas suspeitas de muitas conivências e proteções que permitiam a esse oficial manter-se ao largo do longo braço da justiça, por muitas atrocidades e crimes de guerra, notadamente a tragédia de Srebrenica, em que foram trucidados mais de oito mil homens e meninos bósnios muçulmanos.
           Srebrenica constituíu a maior matança de civis após a segunda guerra mundial. Se é um crime de genocídio, metodicamente implementado por unidades do exército da chamada república Srpska (VRS), sob o direto comando do general Mladic, esta oprobriosa mancha não recai apenas nos facínoras que a planejaram e executaram.
           Com efeito, as Nações Unidas haviam proclamado em abril de 1993 Srebrenica área de salvaguarda (safe area). Fiados nessa solene declaração, cerca de quarenta mil pessoas, nacionais da Bósnia, ali se tinham refugiado, sob a proteção do UNPROFOR, contingente militar das Nações Unidas, a cargo da Holanda.
           A área dita de salvaguarda se revelaria uma ficção, verdadeiro embuste que seria exposto e escarnecido pela ação criminosa das unidades do exército sérvio sob as ordens de Mladic. Nesse contexto, o contingente holandês, pela sua completa omissão de qualquer resistência, tanto na rendição da cidade, quanto na posterior entrega dos refugiados bósnios muçulmanos, escreveria indigna, desonrosa página nos anais das forças ditas de paz sob a bandeira azul das Nações Unidas.
           A intenção do genocídio foi plenamente caracterizada pela realização metódica deste crime, singularizados os adultos, jovens e crianças de extração bósnio-muçulmana. Foram mais de oito mil e trezentas pessoas do gênero masculino que os soldados de Ratko Mladic assassinaram em julho de 1995.
           A frágil figura hoje estampada pela mídia é o mesmo homem que determinara o genocídio. Os longos anos de vida nas sombras, homiziado em diversos covis e tugúrios, na precariedade de existência sob as mais díspares proteções, terá cobrado o seu preço ao antes robusto e arrogante general.
           Nada disso, no entanto, o exime de comparecer ao tribunal da Haia, única instância imparcial que lhe deverá julgar, com critérios equitativos, consoante os mesmos princípios elementares de justiça, jamais obedecidos por este último membro do sinistro triunvirato sérvio na eventual aplicação aos infelizes que lhe caíssem debaixo do respectivo poder.
           A coragem e a resolução que faltaram por tantos anos veio demonstrá-las o atual presidente da Sérvia, Boris Tadic, perseguindo, encurralando e enfim prendendo o fugitivo da lei internacional. Essa condição representava, a par de embaraço para o estado sérvio, empecilho para que a sua eventual admissão na União Europeia pudesse ser apreciada e recomendada.
           Não basta, contudo, a detenção de Ratko Mladic. Não há óbviamente condição de julgá-lo em território sérvio. Como os demais criminosos dessa guerra, Mladic carece de ser extraditado para a Haia, a fim de aí ser julgado e eventualmente condenado. Por ora, correm nos tribunais sérvios os recursos que intentam obstaculizar-lhe o desígnio. É de esperar-se que tais intentos possam ser superados com a possível brevidade.

( Fonte: International Herald Tribune )

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Gilberto Carvalho está preocupado

           O Palácio do Planalto convocou para hoje (segunda-feira, dia trinta) reunião de emergência com o objetivo de definir uma intervenção imediata e evitar novas mortes no campo, em regiões de conflito agrário e desmatamento na Amazônia.
           Este começo de parágrafo, citado de O Globo, carece de alguma correções. Por mais importante que seja a sede do governo, ela como construção não convoca ninguém, nem toma nenhuma providência.
           O leitor talvez reclame do rigorismo com a metonímia, mas é de convir-se que depois dos afrontosos assassinatos, há muito anunciados, é mais do que tempo de dar nome aos bois.
           Ouso supor que seja a Presidente Dilma Rousseff que decidiu chamar os Ministros da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, da Justiça, José Eduardo Cardozo, do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, e a Secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosário.
           Na semana da aprovação do Código Florestal e da emenda da vergonha pela Câmara dos Deputados, foram abatidos quatro ambientalistas e agricultores – três no Pará e um em Rondônia. Acionada a Polícia Federal para investigar os homicídios, declara-se que ‘a segurança será reforçada nas áreas’ em questão.
          Ainda nesse contexto, o ministro Gilberto Carvalho disse que ‘há no governo uma grande preocupação com a lista divulgada pela Comissão Pastoral da Terra, com nomes de pessoas marcadas para morrer na região’.
          Cabem, de início, algumas considerações. Pairava ameaça, ominosa e insolente, sobre mais estes quatro ativistas, verdadeiros heróis no deserto da aparente indiferença dos órgãos publicos (a quem cabe zelar pela segurança dos Cidadãos). Os capangas dos desmatadores e dos escusos interesses que os dirigem não amedrontavam a corajosa ação desses homens e mulheres pobres e virtuosos. Este punhado de bravos, no ensurdecedor silêncio da conspirata de fazendeiros do desmate e suas tropas auxiliares, enfrenta e denuncia de peito aberto os propósitos criminosos da liga anti-amazônica.
         Causa estranhável assombro que a vigilância para a defesa dessa gente honesta, da estirpe de Chico Mendes e tantos outros, esteja a cargo desse braço generoso, mas desarmado da Igreja. As comissões pastorais da terra são a extensão dedicada e bem-intencionada, em meio a sombrias maquinações e propósitos inconfessáveis, que adentram a mata não para derribá-la, mas para tentar preservá-la e ao povo honesto que sabe viver em comunhão com as suadas dádivas da floresta.
         Essa audácia dos capangas não surge do nada. Ela prolifera pela negligência dos poderes públicos que por razões ignotas não se mostra amiúde por aquelas bandas que não deveriam ser sem lei. Como afirmar que não há lei no ruidoso silêncio das restantes matas, se ali se alevanta o braço odioso dos assassinos por encomenda ?
         Quem preparou esse aleijume votado semana passada pela Câmara costuma esconder-se das críticas irrespondíveis de ambientalistas e cientistas, com lamúrias de que apenas defende o pequeno e indefeso agricultor. De que serviram as mais de setenta ‘audiências públicas’ por ele reunidas se não aprendeu ali que ele, o comunista do P.C. do B. redigira esse suposto código florestal para servir ao grande proprietário, a quem aproveitam os grandes desmatamentos, de que esse inominável código e a sua vergonhosa emenda se propõem abrir a ampla e deserta avenida dos abates generalizados, feitos com a espúria ajuda da tecnologia, para nos levar e aos pobres e autênticos amazonidas para as savanas e os desertos da Malásia e congêneres ?
        Então, senhores do Palácio do Planalto, não me venham com novas que este ou aquele ministro ‘está preocupado’ com a situação.
       A hora das preocupações é coisa do passado. O que se carece é ação, é a proteção eficaz aos ativistas até hoje abandonados à própria sorte.
       Precisamos de ver os assassinos – e sobretudo os respectivos mandantes – na cadeia. E não naqueles precários xilindrós da terra de joão ninguém. Chico Mendes e toda a sua nobre gente merece sorte melhor do que ver impunes os seus trucidadores e a coorte dos facinorosos poderes que os acobertam.
       Dona Dilma, é tempo de a senhora aparecer, dizer e mostrar de que lado está o Governo, e que a sua preocupação não é floreio, mas precede a ação desde muito requerida.


                     ( Fonte: O Globo )

domingo, 29 de maio de 2011

Colcha de Retalhos LXXX

A Arábia Saudita defende a Reação


           De início, o rei Abdullah e o estamento saudita viram a revolução democrática árabe como ameaça para o próprio regime. Tal inquietude, assinalada sobretudo na fase em que a onda libertária derrubara o Presidente Hosni Mubarak, e se manifestara no vizinho reino insular do Bahrein, buscou contra-arrestar o contágio interno através do incremento das contribuições sociais.
           Como é o vezo da monarquia absolutista de Ryadh, sua resposta se orientou no sentido de uma virtual compra de segmentos que se afiguravam como alvos potenciais da revolução. A mesma orientação foi seguida pelos nervosos emires do Golfo, e tem sido até o presente coroada de êxito.
           No que tange à família al-Khalifa – da minoria sunita que domina o Bahrein -, o rei Abdullah mandou de bom grado uma força expedicionária. A intervenção militar saudita atendia a dois interesses básicos. O estabelecimento de regime democrático naquele reino iria favorecer a maioria xiita – atualmente submetida a um virtual apartheid. Além de suas conexões com Teerã, o eventual enfraquecimento, ou mesmo queda, do rei Hamad bin Isa al-Khalifa representaria perigoso efeito demonstração para a monarquia absoluta dos príncipes sauditas. Por outro lado, também no Bahrein – e desde 1947 - situa-se em Juffair, a cerca de 8km da capital Manama a base naval da frota americana para o Golfo Pérsico.
           Nesse sentido, a crescente agitação revolucionária no Bahrein – igualmente evidenciada na praça central de Manama, em modelo similar ao da praça Tahrir no Cairo – levou à subsequente repressão do movimento, com o determinante apoio militar saudita.
           O aparente sucesso dessa expedição terá animado o governo saudita a tentar estender a sua influência no mundo árabe. A comparação histórica que vem à mente seria a atuação no cenário europeu pós-napoleônico da chamada Santa Aliança, constituída por iniciativa do Czar Alexandre I da Rússia, em setembro de 1815, com a participação inicial do Império Austriaco e do Reino da Prússia. O escopo precípuo dessa aliança – que durou até 1825 – visava a defender – ou a reestabelecer – as monarquias conservadoras na Europa.
           Embora atue isoladamente, fundado nos seus petrodólares, não é diverso o objetivo do reino saudita. No entanto, essa ‘contrarrevolução’ atua de forma mais discreta. A chamada ‘primavera árabe’, a seu ver, quebrou o longo controle por regimes autoritários de uma diplomacia dita ‘moderada’, fundada em entendimento entre o Egito de Mubarak e a monarquia saudita.
           Por isso, Ryadh se empenha em apoiar o governo militar no Egito. No seu intento de manutenção da ‘ordem’, os sauditas buscam ajudar monarquias que, eventualmente, enfrentem distúrbios. Nesse contexto, vêm à mente a Jordânia e o Marrocos, posto que a situação dos respectivos soberanos não seja a mesma. Com efeito, o rei Abdullah II tem menos sustentação do que o rei Mohamed VI, do Marrocos. Sem embargo, ambos se deparam com dificuldades.
          A motivação do regime saudita em auxiliar essas monarquias será menos ideológica, do que pragmática. Em verdade, a defesa de tal sistema de governo é feita tendo presente sobretudo as molestas consequências que teria a derrubada – no momento ainda improvável – de um monarca na Nação árabe, como ‘exemplo’ para uma monarquia de estampo conservador como a implantada pelos Saud após a desagregação do império otomano e o chamado acordo Sykes-Picot, que procedera à partilha do Oriente Próximo entre a Grã-Bretanha e a França.
          Essa política externa conservadora de Ryadh se caracteriza por alguma flexibilidade. Os sauditas admitem exceções quanto a tais princípios. Abstem-se, por isso, de tentar sustentar regimes como o da Jamairia líbica. O fato de nunca terem sido próximos de Muammar Kadaffi – que iniciara o seu longo predomínio apeando do poder o rei Idris em 1969 – lhes terá facilitado a concordância com os emirados do Golfo, que apóiam ações bélicas contra o coronel líbico.
         Tampouco se opõem em princípio à saída do presidente iemenita Ali Abdullah Saleh. O pequeno vizinho do sul é visto com atenção pelo reino. Interessa-lhe, portanto, que o diferendo seja resolvido de forma pacífica, evitando-se, assim, a involução para confrontação armada entre as ligas tribais que sustentam Saleh e a coalizão oposicionista. Diante da resistência de Saleh e da manifesta maioria popular favorável à sua partida, o interesse de Ryadh está em solução pacífica com a manutenção de um mínimo de ordem em Sana.
         As dúvidas nas simpatias sauditas crescem ainda mais quanto à ditadura de Bashar al-Assad em Damasco. Em princípio, como se sabe, o rei Abdullah apóia regimes estabelecidos, sobretudo se autoritários. No entanto, não só a larga oposição do povo sírio e os repetidos massacres pelas forças militares de al-Assad indispõem a Ryadh. Em verdade, a Síria de al-Assad tem outras características que desagradam aos sunitas do reino dos Saud. A ditadura dinástica da Síria, se baseia em seita minoritária muçulmana , os alauítas, que tem estreitos laços com os xiitas. Daí, a aliança de Damasco com a teocracia xiita de Teerã, que é o principal adversário regional da Arábia saudita. Tal circunstância tende a abrir uma exceção em Ryadh para cerrar fileiras com o atual governo sírio.

Na terra dos Irmãos Lumière veremos o mesmo filme ?


         A direita sempre foi força a ser respeitada na França. Em janeiro de 1898, a vitimização do oficial francês Alfred Dreyfus, a eclosão do enfrentamento do affaire Dreyfus – que Émile Zola, para sua honra, com o ‘Eu Acuso’ divulgaria e tornaria nacional – já mostrava a difusão da postura conservadora, reacionária por vezes e até xenófoba, no território do chamado hexágono gaulês. Na época, a França se dividiria entre dreyfusards e anti-dreyfusards – i.e., partidários pró – e contra Dreyfus – congregando assim a esquerda e a direita de então.
         No  período de entre-guerras, Charles Maurras seria o símbolo da direita, com a sua Action Française, a um tempo conservadora e antirrepublicana. O general Charles de Gaulle, com a sua reação à derrota francesa de 1940, e participação com os aliados na luta contra o nazismo, tornaria o gaullismo uma nova posição na política francesa, que desembocaria na fundação da V República em 1958. No entanto, com a sua posterior renúncia e morte, os sucessivos avatares do partido de De Gaulle voltariam a agregar a direita republicana e democrática.
         Na França presente há três grandes partidos. Na esquerda, com o encolhimento do partido Comunista, há o domínio do Partido Socialista. François Mitterrand consolidou essa preponderância, com dois septenatos nas décadas de oitenta e noventa. De parte gaullista, surgiria o antigo Maire de Paris, Jacques Chirac, que por sua vez exerceria dois mandatos presidenciais (o segundo já encurtado para cinco anos).
        A sua reeleição em 2002 teria a singular ajuda do lider socialista Lionel Jospin.
        Primeiro Ministro na época – dividindo o poder com os gaullistas de Chirac na dita coabitação – Jospin incentivou no primeiro turno (era também candidato ao Elysée) a chamada esquerda plural. Esta singular estratégia faria com que o candidato do Front Nationale (a extrema direita) Jean-Marie Le Pen chegasse em segundo lugar, o que o tornaria o adversário de Chirac no turno decisivo. A derrota de Jospin tornaria, por um tempo, acéfalo o partido socialista.
       A situação política na França parece ora encaminhar-se para outro desafio do Front Nationale, agora sob a liderança da filha de Le Pen, Marine Le Pen. Mais hábil do que o pai, ela deseja apresentar-se ao eleitorado como uma perspectiva de direita que possa ser digerida pelo establishment. Se o carismático pai soubera forjar a união da extrema-direita fragmentária contra os demais, o objetivo de Marine Le Pen semelha ser diverso. Dentro de um novo cenário europeu, em que governos de direita, como o da Hungria, podem ambicionar a formação de maiorias relativamente sólidas, a filha de Jean-Marie, advogada de profissão, tenciona evitar o estampo de extrema direita (que a destinaria a ‘vitórias’ no primeiro turno e a derrotas no segundo).
       Ainda é muito cedo para formular prognósticos. O Presidente Nicolas Sarkozy, que pleitearia a reeleição, sofre por ora de uma grave enfermidade política, que é a impopularidade. Não se pode, contudo, excluir a possibilidade de que Sarkozy venha a reverter essa tendência.
       O partido socialista, que tinha em Dominique Strauss-Kahn um pré-candidato forte e popular, por peripécia estrangeira, fora de todo o controle da opinião pública francesa, se viu de repente, órfão desse nome antes prestigioso.
       Reaberta a disputa entre os socialistas, com o retorno de pré-candidatos já atuantes no pleito anterior, o presidente Sarkozy, por uma série de fatores, inclusive de ordem orgânica, teria maiores possibilidades de ir para o segundo turno.
       Se o desafio apresentado pela herdeira do Front Nationale se acentuará ou não, será decorrência da situação política francesa e da atuação de Marine Le Pen. Se teremos a repetição do filme de 2002 ou não, essa é outra estória.


( Fonte: International Herald Tribune )

sábado, 28 de maio de 2011

Que tal um Supletivo ?

           A política sempre foi havida como a arte do possível. À medida que se revelam os pormenores da derrota do Governo na Câmara quando da aprovação da chamada emenda da vergonha, mais se torna necessário aprofundar o exame de suas causas determinantes.
           Até ontem, a estória era que o ex-presidente Lula descera em Brasília em missão urgente para ativar os contatos entre o poder executivo e o legislativo. Por motivos não especificados, não haveria diálogo satisfatório entre a Administração Dilma e os representantes do povo. O próprio Ministro-Chefe da Casa Civil não estaria encontrando o tempo apropriado para as conversas indispensáveis.
           Daí a súbita aparição do presidente (de honra do PT), distribuindo sorrisos em encontros políticos – inclusive com o Vice Michel Temer – e outras providências mais incisivas e menos públicas, como pitos a ministros e recomendações à sua ex-pupila.
           Hoje, no entanto, a verdade – essa recatada senhora que se exibe através da exposição de seus sucessivos véus – se nos mostra em formas de progressiva nitidez.
           As causas da crise não tinham sido bem descritas. Houvera ríspido telefonema do Ministro Antonio Palocci ao Vice-Presidente, em que o Chefe da Casa Civil, a mando da Presidenta, ameaçara a demissão de ministros do PMDB na hipótese de o partido votar a favor da anistia aos desmatadores.
           E Palocci teria ido ainda mais fundo, ao especificar para o interlocutor que o primeiro a cair seria Wagner Rossi, Ministro da Agricultura e aliado de Temer. O em geral compenetrado Vice-Presidente (e ex-presidente do PMDB) haveria respondido com um palavrão.
           As consequências desse diálogo são conhecidas. Estaríamos agora na fase a cargo da turma do deixa-disso, como de resto assinalado na antevéspera com a passagem de Lula pela capital, nas vestes de deus ex-machina.
           No entanto, a análise inicial nos deixa insatisfeitos. Sente-se que o exame se afigura incompleto, porque se deteve em causas secundárias, e não buscara levantar mais um véu dessa decorosa dama.
           Se virmos o quadro um pouco além, captaremos melhor a razão da pressa do presidente Lula. Ele interveio prontamente por não desconhecer a origem do problema.
           Quando tirou da própria algibeira o nome de sua sucessora e o impôs ao partido e aos escassos contendores da situação, Lula o fez guiado pela convicção de que escolhia a melhor candidata.
           O seu equívoco estava em que confundira a parte com o todo. Explico-me. O presidente, no seu segundo mandato, tivera ampla oportunidade de comprovar a capacidade gerencial de sua Chefe da Casa Civil. Sem embargo, esqueceu-se ou julgou que seria simples acessório facilmente ajustável, que tal qualidade não se apoiasse em experiência política correspondente.
           Ao tentar a oposição tornar evidente e marcada essa lacuna, o seu discurso desconexo e pouco incisivo não criou empecilho para que na imagem da candidata oficial se lograssem confundir as duas experiências – a administrativa e a política – como se fossem, na realidade, uma só.
           Mais uma vez, o presidente Lula prevaleceu. Sem embargo, por mais hábil e carismático que seja, o ex-líder metalúrgico não tem o dom da alquimia. Sua candidata vitoriosa continuou uma experta dirigente administrativa, mas o seu aprendizado político não pode suprir em contados meses toda a experiência no ramo da composição e da negociação que constituem a essência da política em uma democracia.
           O seu auxiliar-direto – que tampouco atravessa um momento favorável – igualmente ignorou regra básica em quem faz ou transmite uma ameaça. O alvo da advertência não deve ter dúvidas sobre a sua intenção de levá-la a cabo.
           Ameaça sem sequela crível é coisa de fanfarrão. Ou de inexperiente em política.
           Dado o erro inicial do presidente Lula – derivado de sua hubris de fazer e desfazer – não nos resta outra coisa senão torcer para que Dilma aprenda depressa, de modo a que seus objetivos possam ser realizados.
           Eis que desejaríamos muito – como no caso em tela – que eles se tornassem realidade.

                                             
                                                                ( Fonte: O Globo )

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Afrouxamento Ético

           Ontem foi aprovado pelo Conselho de Ética da Câmara de Deputados projeto que flexibiliza o respectivo Código de Ética.
           As mudanças introduzidas são as seguintes: o Conselho pode recomendar (a) censura, verbal ou escrita; (b) suspensão temporária de prerrogativas; e (c) suspensão do exercício do mandato por até seis meses.
           A censura é aplicada pela Mesa Diretora da Câmara, mas o punido poderá recorrer ao plenário. Nos demais casos, o processo irá a plenário.
           Entre a suspensão de prerrogativas, há medidas políticas, como não ser indicado para relator. Se a suspensão do mandato for superior a 120 dias, o suplente será convocado. Não foi esclarecido se o punido terá os subsídios suspensos no cumprimento da pena, mas, segundo juristas, o pagamento também deveria ser suspenso.
           O projeto amplia o número de conselheiros, que de quinze passam a vinte e um. E, com vistas em suposta maior rapidez, muda o sistema de contagem dos prazos. Ao invés de sessões ordinárias, se passa a dias úteis.
           Antes de avaliar o que tais modificações possam significar, cabe assinalar que o novo projeto não considera alterações que tenderiam a estabelecer procedimentos mais eficazes. Nesse sentido, o Conselho continua sem poder convocar testemunhas - está autorizado somente a convidá-las. Tampouco é abolido o voto secreto no processo de cassação.
           Como se verifica, a ampliação do leque das penas a serem cominadas àqueles representantes que venham a ser objeto de ações por quebra de decoro não tem a intenção de torná-las mais abrangentes e muito menos de adequar o processo a normas mais conformes ao sentir da sociedade.
           Muito pelo contrário. É um intento de mascarar a impunidade, através da aplicação de penas light para os deputados que porventura forem julgados culpados.
           Prossegue, portanto, o processo de deterioração da ética congressual. Não é de hoje que tal acentuação ocorre. Assinale-se, por oportuno, que apesar dos diversos escândalos, a última legislatura não encontrou motivos para cassações.
           Com o crescimento do corporativismo, diminuem na razão inversa as perspectivas de deputados – malgrado a gravidade das eventuais incriminações – serem eventualmente cassados.
           De resto, as presentes modificações podem aplicar-se até para a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), que responde, como se sabe, a processo por ter recebido dinheiro de Durval Barbosa, delator do mensalão no DF.
           O Presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PDT-BA) descarta essa possibilidade, eis que já está pronto o parecer do relator, deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP). Não seria motivo bastante, porém, para os contumazes espectadores desse filme, afastarem de plano tal possibilidade.
           Já no que respeita ao Deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que tem representações na Mesa Diretora, sob acusação de homofobia e racismo, presume-se que a flexibilização do Código de Ética possibilitará a aplicação de penas mais brandas para o deputado.
           Dessarte, de acordo com a tendência para a piora, referida por Ulysses Guimarães para as sucessivas legislaturas, as novas regras do Código de Ética não foram criadas para aperfeiçoá-lo.
           Se a tendência é pelo afrouxamento, a abertura do leque das sanções corresponderia, em verdade, a ulterior tentativa de tapar o sol com a peneira. Ou talvez nem mesmo essa intenção perdure.


                                                                                     ( Fonte: O Globo )

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sob Tutela ?

           A primeira crise do Governo Dilma Rousseff provoca uma intervenção branca sui generis, que de pronto coloca duas questões em realce. A primeira é a falta de competência política da nova Presidente e de sua equipe de assessores, com o principal ministro manietado pelo seu envolvimento com suspeitas de enriquecimento ilícito.
           A segunda está na admissibilidade ou não da reentrada em cena do ex-Presidente Lula, que volta ao Planalto com grande desenvoltura, tomando providências e dando ordens a torto e a direito.
           Como salta aos olhos, as duas questões se relacionam estreitamente. Ao impor como sua sucessora a chefe da Casa Civil que, na segunda parte do respectivo governo cuidara dos assuntos administrativos, exercendo na prática as funções de primeiro ministro, o Presidente Lula tratou de mascarar a inexperiência política de sua indicada.
           Cotejada com a longa fé de ofício de seu principal adversário, a Administração Lula buscou minimizar as implicações negativas para a própria candidata. Nesse sentido, o seu desempenho na Casa Civil foi equiparado à uma função política, em todos os sentidos. A consequência visada – e atingida junto aos eleitores – era a de que, nessa alta posição, Dilma tivera oportunidade de enfrentar desafios ainda superiores aos que José Serra tivera pela frente como Governador e Prefeito.
           O que se omitiu nessa especiosa apresentação de sua pupila, ora se escancara, diante do primeiro momento difícil, da presidência de Dilma Rousseff. Na verdade, apesar de suas relevantes funções, ela atuara sob as vistas e o juízo mais experiente do presidente. O episódio presente mostra a diferença essencial. Se antes seria, a despeito da alta posição, sempre alguém submetido à supervisão de um superior, agora, careceria de voar com os próprios meios.
           Pesou no comportamento de Dilma a falta de maior vivência política. Como um deus ex-machina, Lula determinou à presidente que recebesse e desse maior atenção aos parlamentares. As indicações do ex-presidente produziram efeitos imediatos: Dilma hoje almoça com a banca do P.T. no Senado, e na próxima semana, com líderes dos demais partidos aliados.
           Sua ação não se circunscrevou à Presidente. Sem muito rasgar de seda, recomendou a Palocci mais atenção à base, que, de resto, não deveria descurar pelo momento delicado que atravessa o governo justamente por causa das acusações de início levantadas pelo jornal Folha de São Paulo.
           Por outro lado, sua presença familiar reponta em diversas fotos com líderes polícos da situação, todos sorridentes e abertos à natural liderança do velho timoneiro.
           Tudo isso será feito pela maior honra e progresso da Administração Dilma, posto que suscite dúvidas sobre a capacidade da atual titular de assumir a primeira plana de tais contatos.
           Em outras palavras, a ajuda de Lula será sem dúvida bem-vinda, mas tende a realimentar dúvidas sobre a auto-sustentabilidade de sua candidata, e da possibilidade do estabelecimento de uma factual diarquia, em que a imagem do estadista veterano não fica relegada ao usual retrato na parede. Para a governante Dilma Rousseff tais incursões podem ser providenciais, mas se-lo-ão para as instituições republicanas ?


                                          ( Fonte: O Globo )

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Lição para o Futuro

           Ontem à noite, houve duas votações acerca do Código Florestal. A primeira disse respeito à versão acordada do Código. O texto tem o vício original de haver sido redigido pelo redator do chamado Relatório, que durante toda a travessia mostrara claramente a quem devia fidelidade. Com efeito, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) cuidou sempre dos interesses da Frente Ruralista, de que recebera o encargo.
           Não é, de resto, prima facie uma censura, eis que constata realidade factual. Muito dependerá do Senado Federal para introduzir as emendas necessárias ao aperfeiçoamento e eventual correção do articulado e da Presidente Dilma Rousseff para escoimar, pelo veto, redações que forem contrárias ao interesse nacional.
           E, em falando de veto, já reponta a emenda do PMDB, votada a seguir, que foi aprovada por 273 sufrágios a favor, e 182 contrários.
           A cognominada ‘emenda da vergonha’ foi negociada e apresentada pelo Líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). De acordo com comportamento oligofrênico dessa grande coalizão partidária – o PMDB não parecia integrar o governo e o ministério, com a penca de cargos, em todos os escalões, recebidos da Presidente – o líder peemedebista se permitiu declarar o seguinte, no encaminhamento da votação : “Quero pedir aos ministros do PMDB que não constranjam, não peçam para o (deputado) mudar seu voto. (...) Antes de serem ministros ,são do PMDB, são do meu partido. Não constranjam minha bancada. Até porque não vai adiantar nada.”
           Anteriormente, para que não restasse dúvida sobre a posição do Executivo, o lider do governo, Candido Vaccarezza (PT-SP), frisou para o plenário: “Trago a mensagem da presidente: ela considera que essa emenda é uma vergonha para o Brasil.(...) A emenda muda a essência do relatório do Deputado Aldo Rebelo.”
           Apesar do claro aviso pela Presidente de que a ‘emenda da vergonha’ será vetada, a estranha fronda ruralista do PMDB seguiu em frente, resultando na primeira grande derrota do governo Dilma Rousseff no Congresso.
           Não cabe lamentar a conduta do antigo partido de Ulysses Guimarães. Primeiro, porque essa frente partidária – que no seu descosimento ideológico é reminiscente da coalizão chapa branca de partidos republicanos estaduais nos tempos da República Velha - a par da legenda, nada mais tem em comum com o MDB que lutou contra a ditadura militar e reunia os melhores nomes do Congresso porventura ainda não ceifados pelo AI-5.
           Segundo, porque o MDB e o primitivo PMDB, com ínfimas exceções, não dependiam de condicionantes fisiológicas.
           Atualmente, o quadro é assaz diverso. Nas palavras do Senador Jarbas Vasconcellos (PMDB-PE), na célebre entrevista para a revista VEJA: “Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.”
           A votação pela Câmara da anistia aos desmatadores abre outras perspectivas de confusão legislativa – como a do código florestal estadual de Santa Catarina, que diminuiu as áreas preservadas. Dessa maneira, a emenda nr. 164 do PMDB enseja a participação pelas assembleias legislativas estaduais, eis que atividades agropecuárias não previstas na lei podem ser definidas por cada um deles.
           Dessarte, se muita coisa já é afrouxada pelo relatório Rebelo, o panorama se vê muito piorado pela ‘emenda da vergonha’.
           Ainda inexperiente em política, o governo Dilma Rousseff é confrontado pela necessidade imperiosa de curso supletivo de rápido aprendizado. Para ficarmos em metáforas agrícolas, não se deve permitir que proliferem o inço e outras plantas daninhas.
           Será muito mais fácil extirpá-las quando ainda na tenra fase inicial, do que tardar nas intervenções profiláticas.
           Por outro lado, a noite de ontem terá sido rica em ensinamentos, muitos deles amargos, mas que têm utilidade futura.
           Na política – máxime aquela escrita com letra minúscula – o governante carece de pautar-se pela memória. Também são de perene valia a caneta e, voltando à imagem bucólica, o porrete e as cenouras.


                                                ( Fonte: O Globo )

terça-feira, 24 de maio de 2011

Viva o Desmatamento !

           O que está acontecendo na Câmara de Deputados, quanto à discussão do projeto de Código Florestal, repete de certa forma a frase famosa, gritada na guerra civil espanhola, por energúmeno fascista ‘Viva la muerte !’.
           Em termos florestais, o desmate constitui a símile escrachada do que a morte significa no reino animal.
           Abater, cortar, queimar árvores e mata é preparar não só o desaparecimento da hiléia amazônica, mas também apressar o geral processo de savanização e empobrecimento.
           Com o código do senhor Rebelo, a frente ruralista logra desvencilhar-se de legislação voltada para a preservação ecológica. É o seu sonho que não tardará em transformar-se em pesadelo para o Brasil.
           O Governo Lula alimentou esse antiprojeto pelas demagógicas suspensões da multa aplicada aos desmatadores. Com míopes vistas de oportunismo eleitoreiro, se acreditou possível tornar compatíveis afirmação e negação, como se observou igualmente na chamada M.P. da Grilagem.
           Se o aleijume do senhor Rebelo prosseguir na sua marcha apocalíptica, o Brasil assistirá incrédulo e atônito a substituição do Código Florestal por um do deflorestamento.
           Com a exceção de Marina Silva, Zequinha Sarney e Carlos Minc, não servirá de muito trazer para a Câmara nesta undécima hora o testemunho de ex-Ministros do Meio Ambiente, antigos figurões, hoje sem voto.
           Enquanto os líderes do PMDB mostram, pelas próprias atitudes, quão certo está o Senador Jarbas Vasconcellos, no seu juízo do próprio partido, deparamos, com preocupação, essa virtual apologia da morte vegetal que implica o anti-Código, costurado pelo senhor Rebelo, sob encomenda da Frente Ruralista.
           Que maioria governamental é essa que se fragmenta e se esfarela diante dos esquadrões do desmate e da negação de tudo o que o Brasil ainda detém em matéria de recursos naturais ?
           O Governo Dilma Rousseff traça, neste melancólico episódio, a rota que preparou com a sua falta de planejamento, alimentada pela desatenção quanto à cultura ambientalista.
           Ao invés da série de recuos com que vai marcando para o adversário a fraqueza e a falta de coordenação de seus defensores, esse governo ora pensa amendrontar com a ameaça do veto a malta assanhada por ventos e alianças oportunistas.
           Nunca o saber popular se vê confirmado de modo tão humilhante. De que servem esses números inchados, se não se teve sequer o cuidado de manter sentinelas avançadas, nem o tino de abafar no seu longo caminho esse estentórico viva o desmate.
           Não se soube mostrar para a sociedade o que traria para o Brasil esse anti-código. Quem tem a verdade do seu lado, não deve escanteá-la, nem tolerar que demagogos e seus arautos na mídia venham desvirtuá-la.
           Depois de dormir por tanto tempo, será que o governo, falto de tropas e de meios, se acredita ainda capaz de intimidar e desbaratar gente assanhada pelo ganho de perdição que pensam já estar ao próprio alcance ?

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Encruzilhada

           Da denúncia da Folha de São Paulo mal entramos na segunda semana. No entanto, já parece ao observador que a crise provocada toma contornos diversos. Ter-se-ía a impressão de que transcorreu mais tempo do que o marcado pelo calendário.
           De um lado, se depara o enrijecimento da postura do governo Dilma Rousseff.
           A par de declarar que ‘o assunto está encerrado’, há tentativa de blindar o Ministro-Chefe da Casa Civil. Na Câmara, frustra-se a atividade das comissões, além de traçar-se a divisória entre situação e oposição, no que tange às assinaturas de requerimento de convocação de uma CPI.
           Dessarte, a Presidente Dilma Rousseff apoia de forma incondicional seu auxiliar de confiança, diante das ameaças colocadas à sua posição. Entrevista-se, inclusive, com Franklin Martins, ex-Ministro da Comunicação Social de seu antecessor, e providências são tomadas de acordo com as suas prováveis sugestões.
           A maioria, por inchada que seja, e sem costura ideológica sólida, passa pela prova da primeira semana. O trabalho dos líderes governamentais ora se volta para a segunda, com o reiterado intuito de evitar, seja a convocação do Ministro Antonio Palocci, seja a aquiescência, por número regimental, da formação de comissão parlamentar de inquérito.
           Sem embargo, a questão Palocci não mais se confina ao Congresso. O Procurador-geral do Ministério Público, Roberto Gurgel, pediu esclarecimentos ao Ministro, incluindo na lista de quesitos informações sobre os clientes da Projeto, a firma de consultoria de Palocci.
           O Chefe da Casa Civil de Dilma, que dispõe de prazo de quinze dias, prometeu a sua resposta para esta semana. Tal desenvolvimento introduz no panorama da crise, mais uma potencial frente. Nesse contexto, se as explicações do Ministro Palocci satisfizerem o Procurador-Geral, se dissipam os temores da abertura de inquérito.
           Assim, a blindagem no Congresso pode continuar, mas os esforços da Administração não perderão de vista as incógnitas dessa eventual segunda frente, em área que não lhe está adstrita.
           Desde já, se assinale a importância da reação do Ministério Público aos esclarecimentos a serem apresentados pelo Ministro-Chefe da Casa Civil. Se as incursões da oposição tampouco lograrem êxito nesta semana, só lhes restará esperar dos desenvolvimentos da questão no âmbito da Procuradoria-Geral.
           Se tais alvitres forem corroborados, entra-se em compasso de espera. Enquanto a administração se prepara para o assédio, imprensa e sobretudo oposição buscam lançar mais lenha na fogueira.
           A paralisia do governo, e ainda mais em seu primeiro semestre, pode algariar os mouros da costa,mas não consulta aos interesses do país. De alguma forma, esse nó górdio tem de ser rompido, e quanto mais cedo, melhor.

domingo, 22 de maio de 2011

Ficções jurídicas e realidades da Mídia

          O que se faria necessário em termos de evidência material para pôr por terra o alegado respeito pelas autoridades do princípio jurídico de que o suspeito de um crime tem o direito da presunção de inocência até ser condenado pela justiça ?
          Não muito, se nos ativermos ao comportamento da polícia americana no que tange à sua apresentação para a mídia de pessoa que a promotoria pública logrou indiciar de qualquer alegado delito ‘contra a lei’.
          É a prática que poderia ser considerada como ‘a exposição do acusado (ou suspeito)’ e que constitui parte do ritual das forças da ordem, perante os olhos do público, ao demonstrar a aplicação estrita da lei (law enforcement) para quem quer que seja.
          Em outras palavras, trata-se de o que os americanos denominam de ‘perps walk’.
          O que vem a ser isso ? Estamos diante da chamada ‘caminhada do perpetrador’ (do inglês perpetrator). Através dela, em cena preparada para a imprensa, fotógrafos e cinegrafistas, a polícia faz ‘passear’ o acusado, devidamente algemado, e, em certos casos, também sob grilhões.
          Dessarte, com os dedos ainda lambusados pela negra tinta da identificação digital, o suspeito de cometer (perpetrar) determinado crime - especialmente os de maior atração midiática – se descobre obrigado a humilhante desfile.
          O caráter ambíguo dessa prática – cuja inerente truculência não semelha coadunar-se com o alegado respeito da inocência do acusado – é espetáculo sob encomenda a que a opinião pública estadunidense pode assistir com olhar displicente reservado ao déjà vu (já visto anteriormente).
          Decerto o leitor terá, nessa altura da descrição, alguma ideia do que se pretenda aludir. Antes porém de chegar a qualquer conclusão, me seja permitido citar um que outro exemplo de artigo publicado na edição internacional de The New York Times.
         Qual seria o intúito da imagem de Susan McDougal, saindo de tribunal em Arkansas, pés e mãos agrilhoados, logo após recusar-se a testemunhar contra o Presidente Bill Clinton, a quem o promotor especial Ken Starr buscava condenar, por participação na empresa Whitewater ? Fosse qual fosse a intenção do promotor, no seu afã de extrair o depoimento incriminatório, não se terá acaso dado conta de que o excesso de zelo tenderia a repercutir negativamente, como de fato ocorreu ?
          Outro perps walk em que o tiro saíu pela culatra – no episódio, mais do que figurativamente – foi a apresentação do atirador Lee Harvey Oswald, e a sua macabra foto contorcendo-se, sob mortal ferida, com que Jack Ruby providenciava o que seria visto por muitos como queima de arquivo.
          Diante de tais precedentes, não há de surpreender que Dominique Strauss-Kahn haja sido colocado sob elevada vigilância contra o suicídio, atendidas as inúmeras razões que para tanto lhe daria o tratamento a ele dispensado pelas autoridades da justiça nova-iorquina.
          Nesse contexto, chocou ex-ministra da Justiça na França a maneira com que Strauss-Kahn foi apresentado, perante um grupo de fotógrafos, logo após a sua detenção sob suspeita de tentativa de estupro de camareira de hotel naquela metrópole.
          Provavelmente, a indireta referência do jornal concerne à líder do partido socialista francês Martine Aubry, que se julgou ultrajada pela ‘brutalidade, violência, de incrível crueldade’.
          Até mesmo nos EUA, há quem se manifeste contrário a essa humilhação ritual do acusado. Donna Lieberman, diretora-executiva da União pelas liberdades civis, declarou que tantos os franceses, quanto os nova-iorquinos têm toda a razão de se indignarem com tal prática.
          Não é uma pergunta retórica se todo esse espetáculo não tende a envenenar o ambiente para que o suspeito possa fruir de um julgamento justo e sem condenações virtuais antecipadas (fair trial).
          E quem por fim examine essa questão de um modo em que o acusado possa prevalecer-se de uma suposição de inocência – que não seja apenas uma folha de parreira para dissimular um processo em que a condenação já constitua realidade tacitamente admitida – se há de pilhar forçado a contradizer todo e qualquer tipo de excesso judicial.
          Nesse leito de Procrustes, na verdade entram dois radicalismos. De um lado, senhores, lhes apresento essa justiça draconiana e midiática que deparamos na corte nova-iorquina; e do oposto, a ficção da inocência que, na versão de nosso Supremo, se mantém não por uma sentença, mas por três, como no interminável processo do jornalista (e assassino-confesso) Pimenta Bueno.
          Não há melhor prova da validade do princípio aristotélico do meio termo.


( Fonte: International Herald Tribune )

sábado, 21 de maio de 2011

Revolução encruada ?

           O que é feito das risonhas perspectivas da revolução árabe democrática ? Passado o primeiro momento, com a vitória na Tunísia e no Egito – pelo menos, no que concerne à derrubada dos respectivos ditadores – se o movimento continua, os antecipados objetivos tardam a concretizar-se. No proprio Iemen, Ali Abdullah Saleh, o tirano de plantão, a despeito das amplas adesões colhidas pelas manifestações que lhe exigem a saída do palácio, se mantém no poder, ao conseguir até agora transformar em farsa as suas repetidas promessas de atender aos apelos para abandonar a presidência.
           Talvez Saleh confie no caráter voluntarista das manifestações. Como a multidão não pode prescindir de sua concordância, seria o quanto lhe basta para ganhar tempo, aferrando-se à esperança de vencer por persistentes negaças e tópicas violências, o que a princípio parecera força inexorável.
           Na Síria de Bashar al-Assad, prosseguem as passeatas e os protestos populares. Eles são cruentos pela vontade do ditador. Conforme as prescrições do aliado iraniano, o tirano baniu a presença da mídia internacional. Não logra, contudo, apagar-lhe as imagens que, malgrado breves e furtivas, mostram permanecer viva a revolta, a despeito da repressão e dos massacres.
           A revolução síria, para desespero do ditador, se manifesta em todos os quadrantes, como rejeição generalizada. Nessa luta de vontades, o macabro cômputo das mortes se aproxima do milhar. Ao arresto dos depósitos bancários do presidente al-Assad pelo governo dos Estados Unidos, o regime respondeu com mais vinte e sete vítimas fatais.
           Na Líbia, os golpes assestados contra Muammar Kadaffi contam com o apoio militar da OTAN. Para coibir o vezo do ditador de punir os civis líbicos pela rebelião, os aviões ocidentais começam a afundar-lhe a flotilha de navios, que se voltara contra a população. Despojado de seus barcos, o líder da Jamairia não poderá mais minar os portos e tentar abafar a resistência, através da negação dos mantimentos.
           Nessa estratégia que tenta reprimir a rejeição despertada por seu desgoverno, o coronel Kadaffi se expõe ainda mais, como o comprova o mandato do Tribunal Penal Internacional.
           Ao persegui-lo internacionalmente pela sua violação dos direitos humanos, o tribunal da Haia poderá estar indicando uma saída para a estagnação do conflito, em que a Liga Rebelde, mais falta de recursos e armamentos, do que de vontade, se choca com as forças do regime de Trípoli, em campanha que se estende indecisa e sem aparente perspectiva de rápida solução.
           Nesse quadro, o apoio de Barack Obama, expresso no discurso em que tratou da questão palestina, paira um tanto longínquo. Até mesmo as medidas pontuais contra o presidente sírio, que marcam mais um passo na política de sanções, serão irritantes para a parte visada, mas não podem ambicionar a demover o ditador de cuidar da respectiva sobrevivência política.
          Terá limites, quiçá insondáveis, a força inercial das revoluções. É na sua própria existência, no entanto, como comprovada pela história, em que os tiranos de turno fazem a sua aposta.


( Fonte subsidiária: O Globo )

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Obama e a Questão Palestina

            A dezenove de maio Barack Obama pronunciou discurso em que reitera as bases para solução permanente da questão palestina. Formalmente, o Presidente nada disse de novo na matéria. Ao cabo da chamada guerra dos seis dias, a resolução 242/67 do Conselho de Segurança das Nações Unidas já determinara o retorno das partes aos limites anteriores ao conflito de 1967, embora a própria redação desta e de seguinte resolução desse margem a pequenos reajustes nas fronteiras.
            A história das relações entre palestinos, árabes e judeus se caracteriza por diversas fases. Depois de atravessar período de tentativas de solução pela força (terrorismo, radicalização do Fatah e formação da Organização pela Libertação da Palestina -OLP, invasões do Líbano), com a abertura de Iasser Arafat para o reconhecimento do estado de Israel (decisão do congresso da OLP) se inicia um intento de solução por composição recíproca. Os Acordos de Oslo marcaram época de altas expectativas, que se saldariam pela oportunidade perdida. Para tanto contribuíu o despreparo dos negociadores palestinos e a falta de vontade política da liderança israelense, assinalada pelo intrínseco desrespeito do processo, com o sustentado incremento dos assentamentos ilegais de colonos nos territórios ocupados.
            O assassínio de Itzak Rabin por um israelense acentuaria a deterioração do processo, com a sucessão das Intifadas, as provocações de Sharon, a progressiva marginalização de Arafat (que culminaria com a sua morte até hoje não definitivamente esclarecida), a elevação do muro, os ulteriores avanços dos direitistas e as contínuas e indébitas apropriações pelos colonos de mais espaços à custa de áreas palestinas. A divisão dos territórios árabes entre o Hamas em Gaza, e as demais terras sob controle da OLP, não impediu o avanço de um processo de bantustanização da área, através do estabelecimento por Israel de uma série de estradas em território nominalmente palestino, mas na verdade abertas apenas aos colonos e israelenses. Tudo isso, em contexto de poder militar de ocupação, e das expedições armadas contra o Hamas.
            O recente acordo entre o Fatah de Mahmoud Abbas e o Hamas de Khalid Meshaal pode representar evolução positiva, em favor da causa palestina. Ainda se afigura demasiado cedo para prognosticar acerca de sua manutenção, posto que a decidida oposição de Benjamin Netanyahu ao entendimento já representa indicação paradoxalmente positiva para a validade da composição intrapalestina.
            É neste contexto complexo que se insere o discurso de Obama. Para que se possa considerá-lo ‘histórico’ carecemos de algum tempo, com vistas a determinar como a política americana há de evoluir sob o crivo das relações entre a Autoridade Palestina e o Estado Israelense. No passado, a postura de equidistância dos Estados Unidos no que tange à questão médio-oriental não se caracterizou pela coerência na prática, em que inúmeros vetos a resoluções do Conselho de Segurança desmentiam a alegada imparcialidade estadunidense.
            Se a alocução de Barack Obama for instrumental para ensejar que das nuvens dos princípios gerais venha a diplomacia do State Department a tirar as consequências necessárias – eis a grande questão.
            Existem enormes obstáculos para que os axiomas teóricos se traduzam na incômoda linguagem da aplicação prática. O Congresso americano tem um viés pro-Israel, o que se explica não só pela relevância dos sufrágios, sobretudo no Leste, da comunidade judaica, assim como pelo papel da mídia e de importantes associações de lobby.
            As relações entre os Estados Unidos e Israel assinalam, outrossim, grandes diferenças no que tange a eventual influência da Casa Branca para moldar o comportamento de um país que deveu o seu surgimento ao empenho estadunidense.
            A relação entre senhor e dependente, que se observou até a presidência de Lyndon Johnson, com o advento de Richard Nixon e de seu Conselheiro de Segurança Nacional (e posterior Secretário de Estado) Henry Kissinger sofreria transformação radical, com a crescente independização de Israel e a capacidade de seus líderes de eventualmente prevalecerem nos seus embates com os ocupantes da Casa Branca.
           São as características atuais desse relacionamento, a relevância de Israel no contexto da política interna americana, fatores que não podem ser ignorados no que concerne à evolução de uma política presidencial que busque mudar o statu quo no panorama da questão palestina.
           Os esforços de Bill Clinton e do próprio George Bush foram saldados por  registro de fracassos, dada a respectiva incapacidade de dobrar a direita israelense. A sucessão de governos de direita e de centro-direita, no quadro da crescente fragmentação do Knesset, será o resultado de uma série de erros do trabalhismo, a par da presença de outros fatores, de ordem sociológica e confessional, tendentes a acentuar tal desequilíbrio político.
           Muita vez, iniciativas mais ambiciosas do Presidente dos Estados Unidos reúnem maiores probabilidades de êxito se realizadas no segundo mandato, em que o Chefe do Governo estaria menos condicionado por esses tácitos pesos e contrapesos da política. A tal propósito, se dizia que o Presidente Jimmy Carter tinha grandes projetos para o segundo mandato, os que incluiriam avanços substanciais nas relações com a Cuba de Fidel Castro, e na questão palestina. Infelizmente, porém, em seu caminho surgiu a pedra inamovível de Ronald Reagan, e Carter não se reelegeria, tornando-se mais um presidente de um só mandato (1977-1981).


( Fonte subsidiária: C.N.N.)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Desmate e o Projeto Aldo Rebelo

           As hostes ruralistas e seus aliados – e já os tem bastantes na mídia – sempre tentaram contestar a provável devastadora contribuição de um novo Código Florestal, se mantidas as irresponsáveis modificações introduzidas pelo anteprojeto do deputado Aldo Rebelo.
           Além das emendas de estampo ruralista – abandono virtual das APPs na sua preservação das matas ciliares, fragmentação da regulamentação em benefício das assembleias estaduais mais compreensivas – pairava alto o incentivo ao desmate, pelo perdão das multas aos abatedores, e o inominável demagógico calote à União de dívida de R$ 8 bilhões.
           O relator, com seus ares de suposta equanimidade, e o coro de estranhos apoios, formulados em editoriais e reportagens de jornalões e semanários, sempre intentaram afastar tal suspeita, como se não tivera nenhum fundamento, coisa urdida por paranóicos temores ambientalistas.
           Pois não é que de agosto de 2010 e abril de 2011, na Amazônia o desmatamento disparou, crescendo 27% ? E esse crescimento pode ter sido ainda maior, eis que 80% da superfície do Pará – o estado tristemente líder do abate – estava encoberta pelas nuvens, impossibilitando a verificação ?
           Embora a sólita defensora das causas ruralistas a Senadora Kátia Abreu (DEM a caminho do PSD), haja procurado baralhar as cartas – “meia dúzia” pode ter feito isso -, a ‘pegadinha’, ou melhor, o alçapão preparado por Rebelo irrompe insofismável.
           Bastou desenhar-se no horizonte a feliz nova do perdão das multas, para que o crime do desmatamento se tornasse ainda mais compensador. Assim, sómente no Mato Grosso foram destruídos 733 km de mata nativa nos últimos nove meses, acréscimo de 47% em relação ao total anterior.
           Para quem não tenha a vista toldada pela má-fé ou por alguma estupidez congênita, os avisos contra a calamidade que demagogos irresponsáveis e seu séquito de néscios aproveitadores – a que não assusta a desolação da Malásia e de todos os países que se despojaram dos próprios recursos a troco de lucros de fôlego curto e de devastação certa -, tais avisos, repito, chegam em muito boa hora.
           A Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, classificou o desmatamento em Mato Grosso como “assustador” e “atípico”.
           Parece mais do que oportuno transcrever as suas palavras: “Ainda não sabemoso que está acontecendo. Quem vai informar detalhadamente são os secretários de Meio Ambiente dos estados e o que nós estamos apurando na base. Quero dizer claramente: quem apostar no desmatamento para botar boi vai ter seu boi apreendido e destinado ao Programa Fome Zero. Quem apostar no desmatamento para plantar, vai ter sua produção apreendida e destinada ao programa Fome Zero. A ordem é sufocar o crime ambiental.”
           Apesar das assertivas da Ministra – que montou gabinete de crise para acompanhar diariamente a região – de que não há elementos ainda para relacionar o fenômeno com as ‘incertezas’ do projeto de Código Florestal, para o Greenpeace a expectativa de afrouxamento do Código tem levado produtores a devastarem rapidamente áreas que podem vir a ser legalizadas com a aprovação do novo texto.
           Como frisa Nilo d’Ávila, coordenador de políticas públicas do Greenpeace: “O desmatamento foi realizado em ‘área privada, o que demonstra muito claramente uma aposta na anistia.”
           Para combater os abates na floresta, o governo federal anunciou ontem que, além dos fiscais do Ibama, a Polícia Federal e a Força Nacional atuarão em operações contra o desmatamento. Avalia-se inclusive o recurso ao Exército.
           Espero que tudo isso não seja fogo de palha, nem vazias ameaças que, como o passado já o demonstrou sobejamente, não funcionam. Os desmatadores – e a sua coorte de insufladores – devem sentir a mão forte da lei. Mão forte esta que deveria igualmente apresentar-se no Congresso, para que se tomem as providências indispensáveis a fim de que os arroubos ruralistas venham a cair na realidade.
           Mesmo em Brasília, há um limite para a demagogia e a irresponsabilidade. Não se trata aqui de ganhos imediatos por falsas benesses. A intenção é aprovar um Código Florestal, digno deste nome, e do documento legal que se pretende substituir.
           Não se trata – é bom relembrar - de códigos de deflorestamento, nem de instrumentos irresponsáveis de perdão de multas devidas pelos desmatadores.
           Dilma não pode esquecer o seu compromisso com os eleitores de cobrar o pagamento dessa dívida, por muito tempo postergado pela demagogia do antecessor.


( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )

quarta-feira, 18 de maio de 2011

É variável o Corte da Ética ?

           Lançada a denúncia pela Folha de S. Paulo, de domingo, quinze de maio, do aumento patrimonial em vinte vezes nos bens declarados pelo deputado Antonio Palocci (PT/SP) num período de quatro anos (2006 a 2010), é chegada a hora das explicações do Ministro-Chefe da Casa Civil e dos comentários e observações de autoridades e membros da oposição.
           A resposta da Casa Civil, em mensagem aos congressistas, busca contextualizar o referido incremento. Nesse contexto, a passagem por cargos como ministro da fazenda e presidente do Banco Central proporciona “uma experiência única que dá enorme valor a estes profissionais do mercado”.
           Reporta-se, dessarte, a ex-ministros da fazenda e ex-presidentes do Banco Central que se tornaram ‘banqueiros’ e ‘consultores de prestígio’, depois de sua passagem pela administração.
           A nota da Casa Civil lista, a propósito, ex-presidentes do B.C. (Pérsio Arida e André Lara Resende) e ex-ministros da Fazenda (Pedro Malan e Maílson da Nóbrega), assinalando que, “se tornaram em poucos anos” bem sucedidos no setor privado.
           Como se sabe, Resende, Arida e Malan integraram o governo do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, enquanto Maílson fora ministro do governo de José Sarney.
           O texto encaminhado pela presidência assevera, outrossim, que nada impedia o Deputado Palocci de manter a consultoria Projeto, no período em que exerceu o mandato. Lembra, por oportuno, que pelo menos 273 deputados e senadores da presente legislatura são sócios de empresas.
           Ainda no quadro das explicações do Ministro Palocci, se aduz que o interessado adotou os mesmos ‘mecanismos’ usados por profissionais que fizeram o ‘caminho inverso’, saindo do setor privado para o governo, nesse sentido tomando as “precauções devidas para evitar conflitos de interesse”.
           Em consequência, a nota refere que, em assumindo a chefia da Casa Civil, foi providenciada a entrega da administração da Projeto à empresa especializada na gestão de recursos.
           Essa empresa administradora da Projeto tem autonomia contratual para “realizar aplicações e resgates, de modo a evitar conflito de interesses”. Segundo informe da Comissão de Ética da Presidência da República, a firma escolhida por Palocci é ligada às organizações Bradesco. Assinale-se, outrossim, que o procedimento não discrepa da prática americana de os políticos confiarem as respectivas empresas a trusteeship councils (conselhos de tutela).
          Perguntado a respeito, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, disse que a evolução patrimonial do Ministro Antonio Palocci merece “um olhar mais cuidadoso”.
          Por outro lado, consoante relata a Folha, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República, por intermédio de seu presidente, Sepúlveda Pertence, sublinha que Antonio Palocci não fez menção do apartamento de R$ 6,6 milhões e do escritório de R$ 882 mil, ambos adquiridos pela empresa Projeto. A Comissão, é bom que se frise, não vê problema na evolução dos bens, descartando, por conseguinte, ulterior investigação.
          Ainda de parte governamental, o Ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) declarou que “o assunto está encerrado”.
          Tal parecer, sem embargo, não é partilhado pelo DEM e o PPS, que decidiram entrar com pedidos de abertura de inquérito na Procuradoria Geral da República.
          A denúncia da Folha coloca em tela os critérios a serem observados para o estabelecimento dos limites da função pública e os da atividade privada. A fim de evitar conflitos de interesse – assim como o respectivo tráfico – a passagem da função pública para a atuação privada deveria realizar-se com prazos de conveniência, com vistas a separar os dois exercícios e evitar dessarte que informações e influências de um venham a ser utilizadas no outro. Caberia a aplicação de certa ‘quarentena’ no trânsito da atividade pública para aquela privada.
          O direito estadunidense criminaliza o emprego das chamadas ‘informações privilegiadas’. Embora essa matéria não se circunscreva à interação entre público e privado, não deixa de precisar o caráter inaceitável da utilização para fins de ganho privado de informação confidencial de origem pública.
          Como toda questão essencialmente ética, o seu corte pode ter muitas áreas cinzentas, em que o juízo individual e os valores de cada época tenderão a interagir. Tais dificuldades, no entanto, são relativas. Carecem de ser avaliadas sob a lupa dos órgãos competentes, ajudada pela luz da opinião pública. Nesse quadro, afigura-se questionável a assertiva do Secretário-Geral da Presidência de que “o assunto está encerrado”.



( Fonte: Folha de S. Paulo )

terça-feira, 17 de maio de 2011

Justiça para Dominique Strauss-Kahn

           Em certos momentos é difícil guardar o silêncio. Estão aí não só o aforisma latino que torna co-partícipes aqueles que se calam, senão a assertiva de pontífice medieval, que enfatizara o limite ético do mutismo e da abstenção.
           Na verdade, também non possumus (não podemos). A detenção, por ordem da justiça estadunidense, de Dominique Strauss-Kahn, a bordo de aeronave da Air France, já em preparativos para a decolagem, reúne muitos elementos para que venha a constituir uma causa para o direito internacional.
           Cercam a personalidade detida antecedentes que tendem a caracterizá-la como alguém já envolvido em passado recente em episódios passionais, com a sua alegada propensão a aventuras extra-conjugais. Se pela circunspecção alheia, inclusive do próprio cônjuge, tais ocorrências haviam sido contidas, não transbordando para o escândalo dos tribunais, sempre resta alguma coisa como na frase célebre do personagem de Beaumarchais.
           Por outro lado, a questão é bem mais complexa e não se limita a tais pormenores.
           De acordo com a jurisprudência americana, qualquer suspeito, se não tem mais o direito de permanecer calado (Decisão Miranda, da Suprema Corte, modificada em 2010 pela atual corte conservadora, que o obriga a manifestar a sua discordância expressamente), não será perseguido pelos seus antecedentes, mas unicamente por eventual delito do qual é acusado.
           Dessarte, malgrado a truculência das ações policiais, todo o suspeito tem o sacrossanto direito à presunção de inocência, até que a sua culpa seja provada em julgado.
           Se ninguém, portanto, está acima da lei, tampouco nenhuma pessoa pode ser pré-condenada e dessa forma tratada em consequência.
           Dominique Strauss-Kahn é alto funcionário internacional, diretor-geral do Fundo Monetário Internacional. Por sua reconhecida competência econômico-financeira, se achava prestes a concluir acordos instrumentais para a estabilização da economia da República Helênica. Igualmente, em decorrência da própria capacidade, o seu nome parecia fadado à indicação para a candidatura presidencial francesa, pelo Partido Socialista, no pleito do próximo ano.
           No aspecto formal do direito internacional, Strauss-Kahn, a fortiori como dirigente internacional de primeira plana, deveria fruir de status similar àquele que gozam os diplomatas, pela Convenção de Viena. Conceder a imunidade diplomática a essa categoria não é privilégio abusivo, pois a deixa ao abrigo daqueles que busquem valer-se do foro local para obstaculizar-lhe a indispensável liberdade de ação no exercício das respectivas funções. Tal prerrogativa do diplomata ou funcionário internacional não o exime de responder por suas supostas transgressões (V. o caso de Kurt Waldheim (1918-2007, considerado virtual persona non grata após a revelação do passado nazista).
           O tratamento dispensado a Strauss-Kahn faz pensar que a Convenção de Viena, ratificada pelo Congresso americano, assim como pela quase totalidade dos países, semelha não mais aplicar-se nos Estados Unidos.
           A par disso, como se configura o processo contra o Diretor-Geral do FMI ? Do incidente no hotel nova-iorquino, se conhece a versão da camareira. Para a promotoria e a justiça distrital, isto basta para determinar o flagrante delicto ?
           Por outro lado, o advogado Benjamin Brafman, da parte acusada, que se especializa em defender celebridades, além de afirmar ‘este é um caso muito, muito defensável e ele deveria ter o direito à fiança’, para tanto oferecendo em depósito um milhão de dólares.
           Por sua vez, o promotor distrital-adjunto John McConnell asseverou na Corte que “o acusado constrangeu a empregada do hotel a ficar dentro do quarto. Ele a atacou sexualmente e tentou estuprá-la pela força”. O único video do hotel a que pôde aludir foi o da saída do hóspede do Sofitel e “ele parecia estar com pressa”. A soma, que corresponde à relevância do suspeito, não demoveu a Melissa Jackson, juíza supervisora do Tribunal Penal de Manhattan, da manutenção da detenção, pela alegada probabilidade de fuga de Dominique Strauss-Kahn. Essa probabilidade foi reforçada pelo promotor-adjunto, que se baseou para tanto em indicações de que Strauss-Kahn se comportara dessa maneira em instâncias (não-precisadas) no passado.
           Diante de tudo o que precede, se pode asseverar que as formalidades do direito internacional e mesmo estadunidense estariam sendo observadas no caso em tela ? Dispensa-se a um alto funcionário internacional tratamento degradante, como se existira o flagrante delito. Mas que flagrante é este que se constrói com a declaração de uma das partes (a camareira), sem que, salvo erro ou omissão, a transgressão tenha sido testemunhada ( ou comprovada ) por agente policial ?
           Ao contrário disso, se submete Strauss-Kahn ao tratamento reservado aos criminosos, com a privação da liberdade e algemas ?
           A truculência da justiça, no, caso em que se justifica ? Se o direito internacional não se aplica, em que se fundamenta a magistrada nova-iorquina para a extrema severidade do procedimento, que não parece coadunar-se com os antecedentes do suspeito ?


( Fonte: International Herald Tribune )

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O MEC do Senhor Haddad

           A polêmica sobre o livro “Por uma Vida Melhor”, de Heloísa Ramos, talvez não devesse sequer existir.
           Para que discussão sobre qualquer tema possa ser pertinente, há uma premissa indispensável sobre a qual todos devem estar concordes.
           De início, importa assegurar que o debate esteja centrado sobre questão específica, ou o que vem a dar no mesmo, em que não haja dúvida sobre a matéria controversa.
           Se não, o risco é que a irrelevância dos comentários, ao invés de lançar luz sobre o pomo da discórdia, venha a radicalizar as posições e aumentar a confusão primeva.
           Em um debate, muitas verdades podem ser ditas, mas elas não nos devem confundir sobre o propósito do exercício, que é o de determinar não a realidade factual de cada assertiva, mas qual é a lição a ser havida da argumentação.
           Quiçá ao imaginar seja este o objetivo, já esteja me colocando em perigosa minoria. Porque nas disputas a verdade ou a realidade objetiva não costumam ser o escopo colimado.
           Por um instante, sem embargo, peço ao leitor que, como nas negociações de tópicos difíceis, ponhamos entre parênteses essa questão específica.
           Esse tipo de linguagem, de que trata o manual de Heloísa Ramos, não há negar, ele existe. Como assinala Ana Maria Machado, da Academia Brasileira de Letras, pode haver “malabarismos linguísticos”. E acrescenta: “qualquer um pode cometer todos os barbarismos linguísticos que quiser, mas deve saber que eles só se sustentam dentro de um contexto (um autor que reproduza a fala popular, por exemplo) e têm um preço social”.
           Qual o contador de estórias que não inseriu nos diálogos de seus contos a peculiar regência popular ? Não há nele o traço elitista que deparamos no texto de Clóvis Rossi “Inguinorança”. Lá está apenas o desejo de apresentar os personagens sob luz veraz. Fazê-lo de outra forma não seria conforme à realidade.
           O que se esquece nessa discussão – e alguns o fazem adrede, em um proposital desvio de função – é transformar a linguagem dialetal de sua utilização na conversa do dia-a-dia em uma espécie de regra gramatical às avessas.
           São conhecidos os caminhos da linguagem e a sua tendência a assimilar a linguagem demótica.
           No entanto, mesmo nos domínios do falso popularesco do dr. Haddad, não é contestada a verdade singela que não se pode colocar a carroça adiante dos bois. Se a facilidade linguística é o destino, nem sempre a ânsia de imitá-la pela desmesurada pressa se afigura como a senda mais confiável.
           Cada vetor do saber tem a sua função específica. Assim como a ciência médica, de Hipócrates até hoje perfez uma longa trajetória, não se vá esperar que para encarinhar-se com comunidades selvagens venha a admitir e a equiparar com as próprias as verdades do pajé. Tampouco é lícito – e intelectualmente adequado – que a escola primária ou secundária troque alhos por bugalhos, e erija em regra gramatical o que é apenas abonação dialetal.
           Um auxiliar do ministro Fernando Haddad afirmou com a ênfase do poder: “Não somos o Ministério da Verdade. (...) Já pensou se tivéssemos que dizer o que é certo ou errado ? Aí, sim, o ministro seria um tirano.”
           Esta anônima defesa da suposta política do senhor Haddad – o auxiliar, vejam só, pediu para não ser identificado – já desvela o erro conceitual desses que se crêem ardorosos populistas.
           A escola não trata de verdade e sim de saber, a epistéme dos gregos. O bom pedagogo nada impõe, apenas ensina. E o modo de fazê-lo tem evoluído através dos séculos e da tecnologia.
           Não vamos arremedar o que só tem coerência na sua própria realidade.
           E o livro – ou o manual – não deve esquecer a sua missão precípua. Nem abastardá-la, lançando a confusão a quem vai à escola em busca de esclarecimento. A fantasia é própria do carnaval. Confundir vestes – e funções – fora dele não é o caminho a ser seguido por quem queira ensinar.


(Fonte subsidiária: O Globo )

domingo, 15 de maio de 2011

Colcha de Retalhos LXXIX

Perspectivas do Código Florestal

           O recuo do líder Vaccarezza na quarta-feira, onze de maio, deixa muitas interrogações. A maioria do governo, imbatível no papel, não parece ter a consistência que a votação do salário mínimo prenunciara. Nessa imbatível couraça surgiram inesperadas rachaduras, como as 88 defecções que aprovaram a urgência do regime.
           Não só integrantes da maioria, mas do próprio PT se manifestaram na contramão de o que se propunha a administração.
           Não é só, no entanto, o líder do governo que sai chamuscado do episódio. A posição do líder do PMDB, Deputado Henrique Alves (RN), que no calor da refrega afirmou que nada se votará até a aprovação do Código, deverá ser objetivo de tratativas. O Ministro Antonio Palocci fez um apelo ao líder, para que permita a votação de MPs que interessam diretamente as obras da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, e que correm o risco de perder a validade, se a pauta ficar trancada.
           Deverá crescer, outrossim, a participação nas conversações do Vice-Presidente Michel Temer. Nesse sentido, ele defende a necessidade de mais uma semana de debates, de modo a evitar maiores desgastes na base aliada.
           De todas as partes, o relator Deputado Aldo Rebelo perdeu credibilidade. Se havia dúvidas sobre a sua imparcialidade, o texto do chamado Relatório as desfaz. Nos pontos da controvérsia, ao invés de seguir a cartilha de alguém encarregado de elaborar articulado aceitável para ambas as partes, o deputado Rebelo mostrou claramente a que lado pertencia.
           O Ministério do Meio Ambiente encaminhou à Casa Civil levantamento com dez problemas graves no texto preparado pelo relator.
           O mais sério deles foi a inclusão da anístia a desmatadores – que a Presidente Dilma Rousseff prometera vetar ainda na campanha eleitoral.
           Outro tópico desastroso do relatório Rebelo é a abertura de crédito a produtores que cometeram infrações ambientais. Segundo João de Deus Medeiros, diretor do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, se volta à situação em que o crime ambiental compensa.
           No texto confuso, encaminhado à votação, se diz que todas as multas serão suspensas mediante recuperação das áreas desmatadas – com o que o governo concorda. Sem embargo, o relatório legaliza as chamadas áreas consolidadas as de vegetação nativa (floresta) convertidas em plantio ou pasto até julho de 2008 – com que o governo não concorda.
           Consoante Medeiros, ou você faz uma coisa ou outra: recuperar áreas consolidadas e ao mesmo tempo mantê-las, é algo incoerente, incompatível. Trabalha com a hipótese da anistia, que nunca foi aceita pelo governo.
           Outra decisão questionável de Aldo foi retirar todo o art. 58, que torna impossível a concessão de crédito rural para quem tiver infração ambiental confirmada em decisão definitiva de procedimento administrativo. A esse respeito, o ex-Ministro Carlos Minc (PT-RJ) asseverou que a retirada desse mecanismo “é muito grave” : “Você continua financiando o destruidor do meio ambiente. Corte de crédito a desmatadores foi essencial para termos chegado à menor taxa histórica do desmatamento na Amazônia.”
           Mas o que Marina Silva qualificou de ‘pegadinhas’ de Aldo Rebelo – as mudanças em que desvela o desequilíbrio do texto em favor dos ruralistas – não se limitam a esses pontos. O artigo 3º do texto do relator suprime trecho que estabelecia que a previsão de ‘pousio’ (descanso que se dá a pastos e lavouras) é apenas para pequenos agricultores, deixa em aberto a possibilidade de que a prática venha a ser obedecida por todos.
           Na avaliação técnica do MMA, grandes produtores mal-intencionados poderão fazer desmatamentos em novas áreas, e justificá-los como sendo ‘pousios’. E, no entendimento do Ministério, será difícil fiscalizar tais atos.
           Se preciso fora, está mais do que confirmada a parcialidade do relator para o Código Florestal. É lógico que parte da mídia comprometida com os ruralistas – como o evidencia a edição da VEJA deste fim de semana – continuará a entoar loas para o trabalho de Aldo Rebelo. Mas tais tentativas não hão de obscurecer a verdade, que é o favorecimento, em pontos capitais, do relatório Aldo às teses de ruralistas e da CNA.
           O tempo pode e deve favorecer a boa causa, que é a do Ministério do Meio Ambiente. Recuperada plenamente a Presidente Rousseff de seu problema de saúde, com a ajuda do Vice-Presidente e o estreitamento dos contatos do Ministro Palocci, estarão colocadas as condições para a costura de um Código Florestal digno desse nome, e não o aleijume presente, que apenas reflete míopes cálculos politiqueiros e ávidos, obtusos interesses que levam à savanização e aos desastres climatéricos.
           É indispensável a preservação de nossas florestas e outros biomas como o Pantanal e o Cerrado, para assegurar os aquíferos e a abundância da água em nosso cultivo. Não se deve esquecer que um bom Código atende a ambientalistas e produtores agrícolas, através de exploração auto-sustentável dos recursos naturais.
           Os demagogos não são só inimigos da preservação da natureza e de nossos recursos, mas também trabalham contra os reais interesses dos produtores agrícolas. Os grandes e pequenos proprietários devem operar em simbiose com os recursos naturais, dos quais, em última análise, dependem estritamente. O desmate é receita certa de desastre ecológico e de futura e permanente pauperização do meio rural.


Povo derrota absurdo projeto de vereadores cariocas


           É um episódio local, mas que traz lição relevante a ser aprendida pela sociedade civil. A mesa da Câmara de Vereadores aprovara projeto de aquisição de carros importados Jetta para o uso pessoal dos edis cariocas.
           Ao tomarem conhecimento da medida, apenas cinco vereadores (num total de 46) se negaram a compactuar com a imoralidade. No entanto, a rejeição popular, expressa pelos mais diversos condutos de opinião, foi tão forte, que em semanas o presidente da mesa, Jorge Felippe (PMDB) teve de abortar a absurda iniciativa. O seu único problema será tentar reaver os R$ 2,3 milhões já pagos à Volkswagen pelos 33 primeiros veículos.
           A maciça revolta da opinião pública carioca constrangeu os demais vereadores a se associarem ao núcleo ético que rejeitara prontamente o favorecimento inaceitável.
           É reação que tem tudo para ser imitada no caso de mamatas estaduais e federais.


A Tragédia Síria: desespero do Ditador al-Assad ?


           No cômputo aproximado de macabra estatística, dada a proposital política de mascarar a realidade, será bem possível que as mortes de manifestantes na Síria já tenham superado o milhar, ao invés da enganosa exatidão da contagem à distância por agências de direitos humanos.
           A repressão na terra da dinastia de al-Assad desde muito abandonou o approach soft (brando), partindo para a escala de um massacre sistemático dos prováveis opositores do regime.
           O atual paroxismo da reação, com amplo emprego do exército e de seus blindados, indica que Bashar al-Assad semelha recorrer à estratégia seguida pelo pai, Hafez al-Assad, quando esmagou o reduto islamista de Amah, com um total presumido de 25 a 30 mil mortos.
           Embora a carnificina atingida pelo general al-Assad não se compare aos totais atuais, o desafio ao regime se localizava naquela cidade, ao passo que hoje ele se espalha por todo o país.
           Mutatis mutandis, no entanto, o filho parece acreditar na possibilidade de silenciar a resistência através da mesma tática de intimidação adotada pelo pai. A partir dessa inferência, se podem fazer as seguintes deduções:

(a) Bashar ainda tem o apoio de parte substancial do exército, entregue a comandantes da seita minoritária alauíta, que é a da família do ditador;

(b) a opção pela conciliação, seja real, ou simulada, já estaria superada pela mútua radicalização;

(c) a aplicação de uma tática similar à de Amah traz consigo risco considerável, eis que não se pode extrapolar a todo um país uma repressão maciça porém localizada.

           A reação internacional ao uso indiscriminado da força pelo ditador al-Assad continua em nível que não apresenta ameaça de porte ao regime. A própria Secretária de Estado Hillary Clinton tem ainda graduado os seus protestos. A administração Obama, por enquanto, não se pronuncia pela saída do presidente Bashar al-Assad. Limita-se a denunciar o incremento da repressão: “Tanques, balas e porretes não resolverão os desafios políticos e econômicos com que se defronta a Síria.”
           Por outro lado, as sanções até agora impostas tem sido bastante simbólicas (atingiram três autoridades de segurança). Estariam agora em consideração sanções contra o próprio presidente, assim como possível ação no Conselho de Segurança, que até hoje não foi utilizado.
           A tática de al-Assad de luta contra os manifestantes inclui a sua detenção em estádios de futebol – o que recorda o regime do general Pinochet nos seus começos -, a par das buscas casa a casa, partindo da premissa de que todos os estudantes seriam suspeitos. Esses approachs irrestritos e multitudinários apontam não só para um grau extremo no combate ao ‘inimigo interno’, senão e sobretudo para características típicas do desespero, como se o regime de al-Assad, paradoxalmente, nessa suposta demonstração de força, estivesse desvelando a sua falta de opções políticas. Nessa interpretação, portanto, seria a atitude de quem descobre que o recurso ao fuzil já não lhe promete a vitória final.


A confusa situação na Líbia


           Nesta semana, foi anunciada a tomada do aeroporto de Misurata pelos rebeldes, constrangendo à retirada as forças que apoiam o coronel Muammar Kadaffi.
           Assinale-se que essa cidade na Líbia ocidental, conquistada pela liga rebelde, suportou um assédio e um bombardeio de dois meses pelos contingentes pró-Kadaffi.
           Esse triunfo da resistência contra o ditador de Trípoli é considerado como um dos mais significativos na longa e árdua luta da liga de Bengazi e das cidades da antiga Cirenaica para derribar um regime corrupto e farsesco de mais de quarenta anos.
           Depois de relativa escalada nos bombardeios da OTAN – no que foi interpretado como tentativa de exterminar Kadaffi provocou a morte de dois membros de sua família -, e a despeito de que as tropas rebeldes se sintam comparativamente mais seguras, nem tudo ainda são flores para a liga de Bengazi e as comemorações da liberação de Misurata.
           Com efeito, se presume que haja bolsões de contingentes pró-Kadaffi dispondo de artilharia e de foguetes, ainda com proximidade que lhes permita atingir bairros de Misurata e o porto, que é a única saída da cidade para reabastecimento e evacuação de feridos.
           Outra questão que provoca atenção é o possível emprego do regime de Kadaffi da emigração africana como ‘arma’ contra a União Europeia. Além de as cargas humanas a serem despejadas na ilha de Lampedusa serem sobretudo atribuíveis a fluxos da África subsaárica, e que nada têm a ver com a situação líbica, semelha que Trípoli vem incentivando essa corrente, possibilitando inclusive que navios com maior tonelagem utilizem o seu porto para embarcar esses migrantes africanos.
           Em outras palavras, tais levas de migrantes estão sendo utilizadas pelo regime de Kadaffi como espécie de retaliação contra a U.E. pelo seu apoio à liga rebelde.


( Fontes: O Globo e International Herald Tribune )