terça-feira, 4 de agosto de 2020

Sua Excelência a UTI


       
        A oferta de leitos de UTI no Brasil teve aumento de 47% em meio à pandemia do novo coronavírus. A proporção de leitos entre a rede pública e a privada, ainda no entanto é desigual. Por outro lado, há óbvio risco que parte dessa estrutura seja fechada em breve, quando este magno desafio clínico não mais se apresentar.  Obviamente, não se está lamentando que a Covid-19 vai sair de cena, e, dessarte, não haverá mais necessidade da resposta clínico-médica que o Estado brasileiro, mesmo com a disfunção presidencial, vem apresentando.
               Levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a partir de dados do Ministério da Saúde, mostra que o total de leitos de UTI públicos e privados passou de 45.427, em janeiro de 2020, para 66,786, em junho, ainda deste ano.
                 O aumento foi causado, em grande parte, pela abertura de leitos temporários e exclusivos para atendimento de pacientes com a Covid-19. Eles equivalem a 92% do total dos 21.359 leitos de UTI abertos.
                   Na prática, cerca de um terço  das unidades de terapia intensiva existentes no país são hoje dedicadas à esta terrível doença, em que o Brasil, por uma série de circunstâncias (falta de liderança presidencial, entrega do Ministério da Saúde a um oficial militar, do ramo da logística) dá infelizmente todas as indicações de que alcançará o número acachapante de cem mil mortos pela Covid-19, dentro de um período de tempo relativamente breve.
                        Deve-se, sem embargo, em consideração que a ampliação dos leitos não diminuíu a discrepância existente no país, quando se observa o total dos leitos na rede pública, em comparação com a rede privada, de acordo com os dados levantados. pelo Conselho.
                          Dos novos leitos de UTI registrados até junho (somados os de UTIs convencionais e os exclusivos para Covid-19)  9,006 estavam no SUS que, sempre em tese, visa a atender toda a população. Outros 12.353 novos leitos foram abertos em hospitais ligados  à rede privada e de planos de saúde. Hoje eles somam 46,8 milhões de usuários.
                          O balanço feito pelo CFM considera os dados registrados até junho no sistema do Datasus. O Ministério da Saúde afirma que o total de leitos de UTI habilitados já é ll.353, maior que o número do levantamento.  O estudo mostra ainda que a quase metade dos leitos de UTI existentes hoje no país estão em capitais. Esse cenário se repete tanto no SUS, quanto na rede privada e indica parte do desafio da interiorização da Covid-19 no país. Em três estados - Amazonas, Roraima e Amapá - os leitos estão disponíveis apenas nas capitais.
                                Os dados levantados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostram ainda que, entre as regiões, o Sudeste responde pela maioria dos leitos abertos, seguido pelo Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Norte. Nos últimos anos, estados de algumas dessas regiões já eram conhecidos pelo déficit de leitos de UTI em relação a parâmetros recomendados por entidades do setor. Um deles, indicado pela Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) aponta como ideal a existência de um a três leitos  no mínimo para cada dez mil habitantes.   
                              Quando considerados apenas os leitos convencionais de terapia intensiva (uma vez que os destinados para a Covid-19 seriam temporários) catorze estados têm o total de leitos disponível na rede pública abaixo desse patamar. Para o Conselho, isso indica que ainda há insuficiência." Como o incremento de quase vinte mil leitos públicos e privados de UTI objetivou o atendimento exclusivo de infectados com o novo coronavírus, o país continua a contar com uma infraestrutura insuficiente para acolher pacientes com outras doenças", declarou a entidade, em nota.
                                     O CFM defende que parte dos novos leitos abertos para atendimento de Covid-19 seja mantida por mais tempo - por causa da curva ainda crescente de casos em algumas regiões - e incorporada de forma definitiva após a pandemia.
                                     "Pelos dados, sem estes leitos criados nos últimos meses exclusivamente para atender a demanda crescente de infectados, deve permanecer o quadro de desigualdade na distribuição  dos leitos de UTIs",  afirma o CFM.
                                         Um apelo semelhante tem sido feito pelos Secretários estaduais de Saúde. Recentemente, eles enviaram ofício ao Ministério da Saúde pedindo a garantia de financiamento dessas unidades. No documento, obtido pela Folha, o grupo lembra que a ampliação de leitos ocorreu em meio a um cenário de falta de estrutura em parte da rede.
                                           "A ampliação dos leitos públicos se deu a partir de sua conhecida insuficiência. Ainda assim na pandemia foi o SUS o nosso principal anteparo em relação aos leitos, clínicos e de UTI", reza o ofício, assinado pelo Conass, conselho que reúne os gestores. "O  investimento dessa nova estrutura nunca é desperdício, e preciso ser entendido como imprescindível."
                                              Para Donizetti Giamberardino, do CFM, parte dos novos leitos deve ser fechada por estar em hospitais de campanha, por exemplo. A estimativa é que este tipo de estrutura responda por ao menos 20% dos novos leitos para a Covid-19.  
                                               Os demais, no entanto, poderiam ser incorporados. "Nos estados brasileiros que já têm mais carência de leitos, especialmente no Norte e no Nordeste, é importante que esses sejam mantidos", dcclara. Ele atribui o problema da menor proporção de leitos em rede pública ao subfinanciamento também do SUS. "Quando o Estado não assume fortemente a política de saúde, acaba acontecendo uma lógica de mercado. Se formos calcular quanto se gasta em saúde no Brasil, cerca de metade fica com o SUS, que corresponde a 75% da população (de forma exclusiva) enquanto a outra {gasta metade} e tem 25%. Isso já mostra a disparidade", afirma.
                                                   Além dos recursos, especialistas e gestores de saúde também têm apontado a necessidade de enfrentar outros gargalos para manutenção dos leitos, como a oferta de médicos intensivistas para atuar nesses locais, por exemplo.  Para Giamberardino, a maior oferta de estrutura  nas capitais "faz parte de um contexto, mas é exageradamente desigual". Ele chama a atenção para outras carências na rede. Uma delas é que em sete estados nenhum dos leitos de UTI abertos é reservado à assistência de crianças.
                                                  "Lógico que a incidência de doenças graves em   crianças é muito mais baixa do que entre idosos, mas é preciso ter uma proporcionalidade", observa.  Questionado pela reportagem sobre a possibilidade de manutenção dos leitos, o Ministério da Saúde afirma que fará um estudo para analisar a situação.
                                            "Estamos iniciando um estudo para verificar os municípios-polo que concentram as demandas das cidades.{A incorporação de leitos] vai aumentar as despesas relativas ao SUS e isso deve ser conduzido de forma responsável para que haja sustentabilidade no decorrer do tempo", disse nesta segunda-feira (3) o secretário-executivo da Pasta, Élcio Franco.
                                         Em nota divulgada na última semana, a pasta diz já ter investido R$ 1,6 bilhão para habilitar 11.353 leitos de UTI exclusivos para a Covid. Deste total, 247 são leitos pediátricos.

( Fonte: Folha de S. Paulo )

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