terça-feira, 15 de maio de 2012

Rescaldo da Semana

                                   
Dimon e os dois bilhões de dólares

       A princípio, o Presidente do J.P. Morgan-Chase, Jamie Dimon tentara negar que algo estivesse errado com o balanço do banco.Dimon aceitou responsabilidade pela resposta inicial do Morgan: ‘Ficamos defensivos demais’.
      A perda se originou da sucursal londrina do banco. Teria feito aposta errada em derivativos, com a intenção de obter um ‘hedge’ (proteção) contra operações de risco. Foram os mesmos derivativos (credit default swaps) que fizeram tantos estragos na última crise financeira internacional, deflagrada pela falência do Banco Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008.
      Jamie Dimon tinha boa imagem de executivo, sobretudo porque mantivera o Morgan-Chase ao largo da crise.
      No entanto, a peripécia dos dois bilhões de dólares de prejuízo, mesmo para um banco que registrou um lucro em 2011 de 19 bilhões, aplicou irônica lição em Dimon, na sua condição de crítico impiedoso da reforma financeira Dodd-Frank, sancionada pelo Presidente Obama em Julho de 2010. O presidente do Morgan-Chase se queixou repetidas vezes das maiores exigências de capital colocadas pela nova lei, chegando até a considerar as disposições como ‘anti-americanas’.
     Acoimou de contra-produtiva a chamada Regra Volcker. Ora, essa regra proíbe os bancos de entrarem em transações especulativas envolvendo ativos de propriedade do banco. Existe grande possibilidade de que a operação da sucursal de Londres do banco terá sido em montantes que seriam abrangidos pela Regra Volcker.
     Aqui cabe a pergunta. Por que a regra Volcker – e outras normas da lei Dodd-Frank ainda não estão em vigor, quase dois após a assinatura presidencial. Por dois motivos, segundo aduz o articulista Joe Nocera, pela sua complexidade, e pelo fato de a sua regulamentação continuar em exame, o que se deve, em parte, ao intenso lobbying dos bancos, liderados pelo JP Morgan.
      É de esperar-se que esse percalço – e a renovada atenção trazida sobre o problema – venha a empurrar a regulamentação não-aguada da Dodd-Frank, mas de forma a impedir que os bancos ajam como estivessem no pano verde. Não importa apenas admitir – como o fez Jamie Dimon – que o banco caiu em erro terrível, espantoso (egregious). É preciso agora submeter os bancos a regras que os protejam deles próprios. Bem no estilo da Lei de 1933, a famosa Glass-Steagal, que proibia os bancos comerciais de atuarem como bancos de investimento.
      Que esta lei tenha sido revogada é a pecha de Phil Gramm (R-Tx), Robert Rubin e Lawrence Summers, estes dois últimos Secretários do Tesouro na Administração Clinton. Possibilitaria o laissez-faire que caracterizou a gestão no Federal Reserve de Alan Greenspan.
      Não é demais, a propósito, incluir a irrespondível observação do Prêmio Nobel Paul Krugman, quanto à urgente necessidade de ultimar-se a regulamentação da Lei Dodd-Frank: mesmo hábeis banqueiros devem ser limitados nas espécies de risco que podem assumir.



O Tea Party detona outro moderado no GOP    


       Talvez nenhum outro Senador republicano possa exibir  currículo  como Richard G. Lugar. Senador pelo estado de Indiana desde 1976, com seis mandatos, ele é o republicano mais antigo no Comitê de Relações Exteriores, tendo-lhe ocupado a presidência nos períodos de maioria republicana. É assinalado o seu empenho, junto com Sam Nunn, então Senador democrata  pela Georgia, em preparar nos anos noventa  programa de desarmamento para a antiga União Soviética.
       Dentro do espírito sectário e faccioso que ora preside às relações entre republicanos e democratas, o Tea Party o incluíu entre seus alvos preferidos. A sua tendência de cooperar com os democratas, consoante o espírito de bipartidismo a que estava acostumado, se tornou objeto de ataques constantes. A campanha chegou a tal ponto que Lugar teve de assumir posições da direita, na tentativa de contornar a ameaça a sua reeleição.
       Em vão. O seu rival Richard Mourdock, um típico espécime desse movimento reacionário de ultra-direita, entre outras pérolas,  declarou: ‘o bipartidismo levou o país para a beira do abismo da bancarrota’ e ‘a presente situação da nação exige um tempo de confrontação e não de companheirismo’.
      Fiado no bom senso dos eleitores, o Partido Democrata vê uma boa oportunidade de conquistar cadeira no Senado, o que seria praticamente impossível contra o respeitado  octogenário representante de Indiana. Nesse sentido, o candidato democrata,o Representante Joe Donnelly semelha dispor de melhores chances junto a independentes e republicanos moderados, na sua disputa com Mr. Mourdock.
     Não será a primeira vez que uma campanha milionária dos financiadores do Tea Party, depois de lograr derrubar o republicano moderado objeto de seu ódio, colhe na primeira terça-feira de novembro a sua cruel paga, no caso por haver aberto as portas do Capitólio para alguém ainda pior segundo a sua mui especial visão política...
 

A guerra do Sudão do Norte e o Sudão do Sul 


      O Sudão do Presidente general Omar Hassan al-Bashir, cuja prisão foi disposta pelo Tribunal Penal Internacional, tem a proteção da China Comunista. Beijing cultiva estranhos amigos, e neste caso o motivo é o petróleo, de que a RPC carece muito.
     É muito pouco provável que Omar Bashir – momentâneo companheiro de mesa, na Arábia Saudita, de Nosso Guia – venha a ser em breve prazo preso e conduzido à Haia, para responder sobre as atrocidades em Darfur.
      Eis que, logo após a formação sob o patrocínio das Nações Unidas do Sudão Sul, esse país paupérrimo se acredita ver na estranha contingência de empenhar-se em nova guerra contra Cartum. Depois da longa campanha pela independência, o presidente Salva Kiir, em sua capital Juba, procura organizar as suas forças para enfrentar o inimigo do Norte.
    Os motivos do conflito seriam a demarcação das fronteiras – a linha divisória se estende por mil e seiscentos quilômetros – e a partilha dos rendimentos dos poços petrolíferos.
    Existem nas relações internacionais, máxime em áreas afastadas e de relativa pouca visibilidade política, os chamados conflitos de baixa intensidade. Em outras palavras, dissídios que se permite fazerem atos de sinistra presença pela circunstância de não afetarem grandes concentrações demográficas ou por incomodarem regiões restritas, de acesso difícil.
    Para esse tipo de gente, a vida humana parece ter diferentes valores.
    Tudo isso é por certo inaceitável. Surpreende deveras que o Conselho de Segurança – que afinal foi criado em Lake Success, ao fim da Segunda Guerra Mundial, teoricamente para evitar a superveniência de tais problemas – não adote medidas para impedir o absurdo conflito. Qual o sentido desse desperdício e o decorrente morticínio de uma guerra do Sudão do Norte, que tem todos os títulos para reivindicar status de Quarto Mundo, e do Sudão do Sul, por certo mais pobre, e que ainda carece de organizar-se como estado ?
     O condomínio do petróleo – em área limítrofe que tem tudo para justificar uma equa partilha, supervisionada pela ONU – representaria missão mais digna e apropriada do que a possível destruição pelo Sudão do Norte, mais equipado militarmente, das hordas tribais do Sudão do Sul, e de seus povoados.
    O Sudão, e em particular o do Sul, já padeceu demasiado para que se tolere mais esta guerra inútil e criminosa. Não é caso de negligência benigna ou maligna. Cabe força das Nações Unidas que esteja acima das partes, e não conivente com nenhuma delas, para criar as condições do pacífico condominio e a eventual delimitação da fronteira em áreas não-petrolíferas.    



O controle do Congresso.


     Não há dúvida sobre a importância do confronto vindouro entre os Partidos Democrata e Republicano. Segundo Albert R. Hunt seria exagero considerá-la como a eleição mais relevante de todas. Basta pensar nas de 1860, em que Abraham Lincoln foi eleito, e de 1932, na qual Franklin Delano Roosevelt iniciaria o longo domínio democrata do poder, derrotando o malogrado presidente Herbert Hoover.
     A eleição presidencial entre o incumbent (presidente em função) Barack Obama e o seu provável adversário Mitt Romney se anuncia uma disputa difícil, que será decidida pelo voto eleitoral não com a facilidade de 2008, mas por um grupo de estados (os swing states), com resultados de difícil previsão.
    Na composição do Congresso, o desempenho dos dois candidatos à Casa Branca e, em especial, do presidente Obama terá inegável influência para a composição e eventual maioria das respectivas Casas.
    Diante da recuperação de Obama, saído da tunda (shellacking) em que os democratas perderam a maioria na Câmara de Representantes, os deputados e senadores democratas passaram a mostrar mais disposição de associar-se a viagens e visitas do Presidente no seu estado e respectivo distrito.
    No momento, as previsões apontam para uma decisão muito apertada para a Câmara, embora o desgaste do Tea Party na Casa de Representantes seja inegável, repercutindo sobre o GOP. O Senado, em que atualmente os democratas têm vantagem de 53 a 47, as possibilidades de acirrada porfia, com estreita margem para um lado ou outro são também grandes. No entanto, a indicação de Mourdock, do Tea Party, como candidato republicano ao Senado por Indiana (V. acima) joga em favor do Partido Democrata, eis que Joe Donnely tem agora reais chances de vencer, o que não ocorreria se o senador Richard Lugar tivesse prevalecido na primária.
    Se o Presidente Obama, malgrado os erros do primeiro biênio, lograr a reeleição, e se o Congresso obtiver maioria democrata, isto pode ser determinante para o reforço do partido. Com sorte, o presidente poderá afinal apontar mais um liberal para a Suprema Corte, conseguindo reverter o predomínio da direita, que tem chegado a sentenças tão danosas para a democracia estadunidense, como a ilegal ‘eleição’ do minoritário George Bush em 2000 pela famigerada Bush v. Gore, e a Citizens United, uma liberação total em termos de financiamento de campanha eleitoral, que marcou  grave retrocesso na lisura do processo eletivo.      
 


O Apoio de Obama ao casamento gay


    A posição presidencial, em tópico de tal ressonância, surpreendeu o ambiente político americano. De caráter pessoal, tomada depois de longa maturação, e quiçá um pouco atropelada pelo endosso dado à questão pelo vice-presidente Joe Biden, a decisão presidencial importa em riscos inegáveis, pela maneira ainda contenciosa com que o casamento gay é encarado em determinados estados da União Americana.
    Como refere o International Herald Tribune, na véspera em que Barack H. Obama desvelou o seu apoio, a Carolina do Norte – um estado crítico para a candidatura do presidente – votou por maioria de vinte pontos  emenda constitucional com o banimento do casamento do mesmo sexo. É o trigésimo primeiro  estado a passar emenda desse teor.
    Se as doações de campanha triplicaram logo após o anúncio, não resta dúvida que a decisão foi única, importante, mas não sem riscos políticos para o presidente.
   O futuro dirá se o apoio presidencial entrará para as questões controversas do candidato Mitt Romney. O palpite inicial de democratas e republicanos pende para o não. O virtual candidato do GOP já tem o prato da economia para alimentar as suas diatribes. Semelha pouco provável que fale muito sobre casamento gay.


A intrépida Líder da Oposição Ucraniana


    Com uma dócil justiça à disposição, o Presidente da Ucrânia, Viktor  Yanukovich pensou poder desembaraçar-se da líder da oposição, Yulia Timoshenko. Pela corajosa reação  desta mulher, as coisas não lhe saíram da forma antecipada. Vladimir Putin na Rússia utiliza esse ‘modelo’ para pessoas como o mega-empresário Mikhail  Khodovorsky (com condenação até 2017). Sem entrar em juízos éticos e morais, que não semelham afetar a esses déspotas, o principal erro de Yanukovich tem a ver com deficiente avaliação política. Não é crível que o seu ‘modelo’ Putin tivesse ousado investir contra personagem da estatura da Timoshenko. 
    Levado pela hubris, Yanukovich julgou possível desfazer-se da adversária política pela instrumentalização do aparelho de justiça. A par de considerações morais, faltou-lhe sensibilidade para dar-se conta do que teria pela frente.
     Chocados pela sua maneira brutal de lidar com a ex-Primeiro Ministro e chefe da oposição, os líderes europeus, com Ângela Merkel à frente, não pretendem engalanar-lhe o palanque, enquanto mantém no cárcere a sua antagonista nas últimas eleições presidenciais.
     Através da greve de fome e de  exigência de um tratamento médico digno de tal nome, Yulia Timoshenko logrou expor a gravidade da própria condição. Contou igualmente para tanto com o denodo da filha Yevgenia.
    É de esperar-se que o boicote da liderança européia aos eventos ucranianos force Yanukovitch a ceder, pondo um termo ao esquálido tratamento com que pensava transpor para a Ucrania o sinistro modelo da Bielo-Rússia, do presidente Alexandre Lukashenko.   
    Yanukovich deveria conscientizar-se do erro cometido (dez presidentes europeus boicotaram a reunião de cúpula sediada em Kiev). Até o momento não tem ele mostrado tal inclinação, ao afirmar que a Ucrânia não se deixará humilhar por boicote a Eurocopa 2012. Tal interpretação seria confundir alhos com bugalhos. Dificilmente as seleções europeias faltarão a um certamen importante, ao qual chegaram depois de passar por séries classificatórias.
    A persistência no erro, no entanto, só tenderá a tornar-lhe as consequências mais pesadas.
    No hospital de Kharkov, onde logrou ser internada, Yulia Timoshenko, que padece de problemas na coluna, recebeu a onze do corrente a visita da Presidente da Lituânia, Dália Grybauskeite.
    São gestos de relevo, que sublinham a densidade da rejeição política à torpe perseguição judiciária, encomendada por Yanukovich. Antes que seja demasiado tarde, está no seu interesse restabelecer a normalidade democrática na Ucrânia.

 

( Fonte: International Herald Tribune )

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