domingo, 27 de maio de 2012

Colcha de Retalhos CXIV

                                 
As matanças de al-Assad e a farsa do Plano Annan.


       O chamado Plano Annan continua, na prática, a permitir o morticínio de rebeldes pelas tropas do ditador Bashar al-Assad.
      A presença de observadores, mesmo em maior número, não tem qualquer poder para conter as mortes de opositores ao regime alauíta. Com efeito, o veto da Federação Russa e a reboque da China Comunista  impede que se dê ao contingente das Nações Unidas qualquer capacidade de efetiva contenção dos ataques do exército sírio.
     O seu papel se limita exclusivamente a testemunhar as atrocidades do déspota. Como na tragédia da aldeia de Houla, com mais de cem mortos civis, dos quais 32 crianças.
     Tampouco os observadores podem impedir ações das forças de Bashar. A ponto de que haja a possibilidade de maior envolvimento do Líbano, em função da criminosa desenvoltura das ações repressivas das divisões do regime.
    Diante desse comportamento de cínico desrespeito ao cessar-fogo, que transforma os capacetes azuis desarmados em meros espectadores de um massacre programado, o Reino Unido convoca o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mantido a afrontoso desafio de parte das forças de al-Assad  a qualquer medida de contenção dos abusos e da violência, a prorrogação nesses termos do Plano Annan implica em um alibi para tais ações que violam qualquer simulacro de suspensão das hostilidades.
     Será possível que a virtual licença para matar  – viabilizada pela recusa do governo Putin em dar condições para armar a tropa das Nações Unidas – continuará a vigorar, ao arrepio do direito internacional humanitário e da indispensável proteção dos opositores sírios contra as atrocidades praticadas pelo tirano Bashar e seus esbirros ?


A Crise na União Europeia


    Ainda que François Hollande tenha iniciado a sua gestão por um primeiro encontro com a Chanceler alemã, Angela Merkel, essa barretada tem sido interpretada mais como um gesto formal, do que propriamente como confirmação da diarquia, que com Nicolas Sarkozy havia assinalado a associação franco-germânica.
    Hollande tem enfatizado o crescimento, ao contrário da austeridade. No que tange aos euro-bonus, a sua contraposição a Berlim é marcada, através do apoio à sua emissão, em atitude oposta àquela preconizada pela Alemanha.
   Sinalizando a confiança do mercado na economia alemã, o lançamento por Berlin de títulos da dívida alcançou a soma de aproximadamente quatro bilhões e seiscentos milhões de euros. O rendimento oferecido para esses títulos de dois anos de vencimento é de 0.07%, é baixíssimo, o que reflete a confiança do inversor no tesouro alemão.
   Nesta semana entrante, o encontro informal em Bruxelas dos chefes de governo do U.E. poderá evoluir ou para uma contraposição entre a austeridade defendida pela senhora Merkel e o crescimento advogado pelo novel presidente francês. Especula-se sobre um possível isolamento da posição alemã, com o favorecimento de lançamento de euro-bonus pelo BCE, em que a crise financeira na União seria enfrentada pelo lançamento de títulos em que todos os dezessete membros da Zona do Euro partilhassem a responsabilidade pela dívida europeia (a que se opõe atualmente a RFA).
     No entanto, esse total isolamento da Merkel semelha pouco provável. A par dos países endividados, como a Itália e a Espanha, assim como os casos mais graves (Grécia, Portugal, Irlanda), existe também aqueles com a casa em ordem, como Finlândia, Áustria e Holanda. Em uma eventual negociação, os países com o dever de casa em ordem tenderiam a associar-se com a posição alemã.
     Por outro lado, há dúvidas quanto à estruturação dos euro-bonus. É difícil conceber que  Berlin e seus aliados concordarão com a emissão de bonus que valham como um cheque em branco para cobrir a dívida grega. Discute-se acerca das modalidades mais prováveis. Nesse sentido, se julga mais viável uma espécie de sistema híbrido, em que somente uma parcela da dívida é assegurada em conjunto, ou nele só se admitiria a participação de estados-membro com a sua dívida total abaixo de certa percentagem do PIB.  
     Nesse particular,a singularização da posição da Chanceler Merkel é enganosa, eis que a recusa a essa flexibilização creditícia é uma postura alemã, e não um capricho personalista da chefe do governo. Falando em ‘off’ uma autoridade financeira germânica disse não haver ‘base legal’ para os euro bonus  que estariam ‘expressamente proibidos’ pelos tratados da União Europeia.[1]
        De qualquer forma, somente após o dezessete  de junho, com o resultado das novas eleições na República Helênica estariam criadas as condições para o encaminhamento da crise em Atenas. Se a consulta repetir-se com a negativa do eleitorado em uma solução do problema segundo os parâmetros anteriores, se passaria a uma nova fase da crise, agora irrevogavelmente alargada para a Zona do Euro.


A estranha campanha de Lula


      A revista Veja deste fim de semana publica reportagem sob o título “Um Ex defende seu legado”.  De acordo com o semanário seria ‘quase patético o esforço de Lula para reescrever o capítulo mais sombrio de seu governo, o mensalão. Seu foco agora é o Supremo Tribunal Federal, onde os 36 réus do escândalo serão  julgados.’
       Com efeito, no entender de Veja ‘as abordagens impróprias e os comentários de Lula sobre os juízes da corte têm causado contrangimentos’.
      A esse respeito, após reunião no gabinete do ex-Ministro Nelson Jobim, agendada a pedido do ex-presidente, o Ministro Gilmar Mendes disse: “Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula”.
       O ex-presidente estaria empenhado em apagar da história o capítulo do mensalão. Depois de uma série de intentos, que não teriam rendido os efeitos esperados, de acordo com a revista, Lula pôs em pauta “ um plano B, um conjunto de ações temerárias que consistem na abordagem direta ou indireta dos ministros do STF. Lula tomou para si essa missão.”
      Dentre as abordagens diretas, estariam o Ministro Gilmar Mendes e o atual Presidente da Corte, o Ministro Ayres Britto. Nas indiretas, estaria a Ministra Carmen Lúcia (Lula encarregaria do convencimento o ex-Ministro Sepúlveda Pertence).



Eleição Presidencial no Egito


     O primeiro turno da eleição egípcia,  com grande afluxo popular, decidiu sobre o embate decisivo entre o representante da Fraternidade Muçulmana, Mohamed Morsi e  o ex-Primeiro Ministro do governo Mubarak, Ahmed Shafik.
     Morsi obteve cerca de 25% dos sufrágios, seguido por Shafik, com um pouco menos. Refletindo o parcelamento dos votos, dois outros candidatos obtiveram totais aproximados de 20% respectivamente (Abdel Moneim Abul Fotouh, como islamo-liberal e Hamdeen Sabahi, um populista secular, opositor de Mubarak em causas de interesse dos pobres). O quinto lugar coube a Amr Moussa, ex-ministro do exterior e ex-secretário-geral da Liga Árabe, com plataforma um pouco mais conciliatória do que a de Shafik.
      Enquanto Morsi teve de reverter às posições da Fraternidade, Ahmed Shafik defendeu uma linha de lei e ordem. General reformado da Força Aérea, Shafik se apresentou como defensor da ordem, prometendo controlar o poder da Fraternidade e  os protestos de rua.
      Os resultados definitivos tardarão alguns dias. O resultado do segundo turno dependerá do jogo das alianças. O complicador adicional é que a extensão dos poderes constitucionais do futuro Presidente ainda não está definida. O comitê encarregado da redação da Carta enfrenta um impasse, que reflete a disputa entre islamitas e liberais.
       Por força de contestações de outros partidos da linha islâmica, houve uma inflexão para a direita do candidado da Fraternidade. Por outro lado, Shafik promete basicamente ordem e estabilidade. Dada a extensão da rede de sustentação do partido mais antigo do Egito, o representante da Fraternidade Muçulmana parece ter maiores possibilidades de vitória.
 



( Fontes: International Herald Tribune, O Globo, Veja)   



[1] A expressão ‘ausdrücklich verboten’, dita e repetida por bigodudo soldado do Kaiser, na obra-prima pacifista de Jean Renoir ‘La grande Illusion’, frisa o pendor alemão por essa frase ritual. Também aqui seria o caso de perguntar-se se a ênfase reflete igualmente negativa peremptória.

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