terça-feira, 19 de maio de 2009

O Teatro das Sombras e a CPI da Petrobrás

O teatro das sombras, originário da China, muito difundido na Indonésia, mostra um segundo plano da realidade, e é muito rico nos aspectos alusivos. As suas imagens, consideradas precursoras da cinematografia, devem ser interpretadas, e não reduzidas simplesmente ao que parecem ser.
Como interpretaríamos a formação de mais esta Comissão Parlamentar de Inquérito, agora para investigar a Petrobrás ? Uma opera buffa napolitana que não pretende ir além de sua encenação cômica ? Ou ainda no plano italiano, agora siciliano, uma vendetta dei capi (vingança dos chefes) mafiosos contra ofensas mal-digeridas ?Ou uma reedição do teatro das sombras, com todos os condimentos acima?
Não nos apressemos em conclusões. Se examinarmos detidamente a gênese desta enésima CPI, o pesquisador, armado de máscara cirúrgica e de luvas assépticas, deverá encontrar indícios tendentes a corroborar as hipóteses acima elencadas, e quiçá mesmo outra. Como não ver a comédia (ou a chanchada) nos farcescos episódios relativos à instituição da CPI ? Ou a vendetta dei capi no cenário de sua formação ? Ou ainda as ambiguidades do teatro das sombras, em que o neo-liberal volta a atacar a Petrobrás ? Ou, quem sabe, com um pouco dos ingredientes supra-indicados, as lamúrias presidenciais, ouvidas através do Atlântico, de que os senadores signatários “não têm outra coisa para fazer” ?
Opera buffa. A leitura do requerimento de formação da CPI, por um presidente de mesa ad hoc, trazido por um providencial jatinho de propriedade de companheiro do PSDB, perante plenário vazio, decerto ouvido por sistema de som pelo Presidente do Senado, José Sarney, que, embora presente em seu gabinete, por razões não tão estranhas, preferiu agir como se ausente estivesse. Este entreato fora precedido por outro, no dia anterior, caracterizado pelo próprio líder da bancada do PSDB no Senado como virtual tentativa de golpe, malograda por falta de força, inclusive a do som dos microfones.
Vendetta dei capi. Ricardo Noblat, em sua coluna de O Globo, enumera os diversos líderes do PMDB que, por diversos motivos, não veriam com desagrado a formação de uma CPI da Petrobrás. Além do já citado José Sarney, avultam nessa grande liga partidária Romero Jucá, Geddel Vieira e Renan Calheiros. Romero Jucá, apesar do nobre título de Líder do Governo no Senado Federal, por causa das demissões do irmão e da cunhada da Infraero, ardia por retribuir o agravo recebido pelo governo do Presidente Lula. Por isso, esqueceu a própria liderança, e não mexeu uma palha para obstaculizar a criação da CPI. Os motivos de Geddel seriam baianos e envolvem composições complexas que o baiano José Gabrielli, presidente da Petrobrás, pode atrapalhar. Os motivos de Renan Calheiros têm a ver com águas passadas, que ainda movem moinhos. Não faz muito, o Senador escapou de ser cassado pelo uso de um lobista de empreiteira. Escapou com o voto do PT, mas teve de renunciar à presidência do Senado. Desde então, vem urdindo, com a respectiva tropa de choque, a sua volta às aras do poder, e no caminho repagando afrontas passadas.
Teatro das Sombras. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sendo presidente da Petrobrás o senhor Henri-Philippe Reichstul, depois de exitosa operação de eliminação das gorduras da super-estatal, se passou, aparentemente em conexão com a iniciativa anterior, a uma estranha manobra, alegadamente de marketing, pela qual se reputava imprescindível mudar o nome da Petrobrás para Petrobrax. Sem pestanejar, o senhor Reichstul justificou a emenda por conta de ensejar maior penetração no exterior para a companhia, o que se veria facilitado por um inocente x ao invés do s. A reação na opinião pública, no entanto, que não se sabe o porquê, suspeitou das intenções de o que se queria fazer passar por anódina correção, veio a inviabilizar a jogada em apreço.
Em um país de memória curta, se poucos se recordavam desse episódio do governo neo-liberal de Fernando Henrique, talvez ao singularizar de novo a Petrobrás, hoje transformada em massa de manobra nas refregas pré-eleitorais, este ainda não esclarecido intento com relação à empresa símbolo da luta pela exploração do petróleo, criada por Getúlio Vargas nos anos cinquenta, possa ser igualmente estudado.
Por ora, o governo do Presidente Lula, que julga impatriótica esta CPI, estaria empenhado em controlar os trabalhos da Comissão. Disporá de cômoda maioria (oito membros contra três das oposições). No papel, não haveria motivos de temer a banda de música de PSDB/DEM, reeditando aquela da extinta UDN. O condicional, no entanto, não entra aí por acaso.
Com esta CPI, o governo Lula e o PT viram refém do PMDB. Essa grande frente partidária que, na verdade, é uma coalizão de partidos regionais – paródia talvez dos partidos republicanos estaduais da República Velha (aquela que se esboroou em 1930) – sem um líder nacional ( o primeiro e último foi o Dr. Ulysses Guimarães, morto em 1992). O PMDB tem a ideologia do poder, quiçá com uns salpicos esquerdizantes, e supera a sua inerente carência de grandes nomes nacionais, com eventuais chances de candidatura à presidência, por meio de seus números amorfos, com marcada presença em Senado e Câmara Federal. Não se sabe se para o PMDB a corrupção constitui solução (segundo a visão crítica de seu membro Jarbas Vasconcelos), ou problema (de acordo com outros correligionários).
Mas não há negar que o PMDB, através de seus caciques e bancadas, tem considerável peso e nesse teatro de sombras da CPI da Petrobrás poderá, uma vez mais, fazer valer a própria força.
Agora, como tudo isso irá acabar é outra estória. (a continuar)

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