domingo, 24 de maio de 2009

O Falso Enigma: Lula e o Meio Ambiente (I)

Não é decerto por acaso que o Presidente Lula e o Meio Ambiente tem sido objeto de diversos blogs. Há uma crise que se vai exacerbando nesta área, conforme o evidenciam os blogs ‘O Presidente Lula e o Meio Ambiente’ (20 de maio), ‘Amazônia como Divisor de Águas’ (13 de maio), ‘O Governo Lula e o Meio Ambiente’ (19 de abril), a par de tópicos mais breves, ambos de abril, como ‘Tática Estadual’ na Colcha VI, e ‘Meio Ambiente entre perplexidade e descrença’, na Colcha IV.
No momento existe uma campanha coordenada contra o ambientalismo, com o objetivo de desfigurar e emascular a legislação existente. É uma hidra com muitas cabeças (Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura; Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura; Mangabeira Unger, Secretário de Assuntos Estratégicos; a bancada ruralista no Congresso; Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, etc.).
Tampouco será simples coincidência que nos últimos tempos assistimos a diversas iniciativas no Congresso e fora dele, contra o Código Florestal. No mesmo sentido, a aprovação pela Câmara da MP 452, que flexibiliza o licenciamento ambiental de estradas, e da MP 458, que trata da regularização fundiária na Amazônia.
Nota do Secretário do PT.
Diante desta ofensiva, Júlio Barbosa, secretário do PT de Meio Ambiente e Desenvolvimento, resolveu afinal intervir. Em nota, assinala que os ataques “tem como tropa de choque a bancada ruralista no Congresso Nacional” e “são liderados pelo ministro da Agricultura e o Secretário de Assuntos Estratégicos.” Visam à legislação ambiental, em particular ao código florestal, mas não se limitam a tanto.
Júlio Barbosa afirma: “Somos contra a regularização das terras a troca de nada. O grileiro ocupa terra que estava ocupada por um ribeirinho. É regularizar aquilo que os movimentos sociais na Amazônia repudiam. Tem gente que ocupou e que deveria estar na cadeia e não ter seu grilo regularizado.”
E o secretário ambiental do PT acrescenta oportuna observação, que ora semelha esquecida pelo governo de seu partido: “O PT (...) não pode ficar na contramão de sua própria história. As memórias de Chico Mendes, Paulo Vinhas, Margarida Alves e tantos outros que tombaram defendendo as causas ambientais não devem ser esquecidas”.
A par de Stephanes e Mangabeira Unger, critica também outro ministro. Trata-se de Carlos Minc, do Meio Ambiente, de quem se cobra posições mais firmes contra as ofensivas ao Meio Ambiente e à Amazônia.
A nota do Partido dos Trabalhadores assevera, por fim, que “o PT, seus parlamentares e o seu governo não podem passar para a história como os coveiros do desenvolvimento sustentável” (meu o grifo).
Entrevista do Ministro Minc à Folha
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Perguntado se a atual pressão se assemelha àquela que levou Marina Silva a pedir demissão, Minc disse que o paralelo não é perfeito, mas que o momento é difícil. Existe mobilização da CNA, com reuniões aterrorizando o pessoal. “Pegaram a agricultura familiar de massa de manobra para sustentar a demanda ruralista. Se isso se consolida, acabou.”
Minc, perguntado se o Presidente está sensibilizado com essa pressão, declarou : “O Presidente não se pronunciou sobre isso”. Nesse contexto, o Ministro se reportou aos seus esforços junto a agricultura familiar para construir uma aliança. Após referir seus contatos com a Contag, a Fetraf (ligada à CUT), e com o MPA (ligado ao MST), e com os ambientalistas (“todos os importantes”), afirma: “fizemos um pacto da agricultura familiar com os ambientalistas”. Não se trata, explicou, de um pacto contra as mudanças no código florestal, mas sim de aliança em torno de tratamento diferenciado para a agricultura familiar, ou seja entre 50 a 400 hectares, dependendo da região do país.
Cultivo da cana-de-açúcar no entorno do Pantanal. Questionado pela Folha quanto ao adiamento por Lula, há pelo menos seis meses, do anúncio do zoneamento da cana-de-açúcar, um compromisso de que o Brasil vai aumentar a produção de biocombustível sem dano ao meio ambiente. A dúvida existente seria permitir ou não a expansão do cultivo no entorno do Pantanal.
Minc respondeu: “Isso aí não é aceitável, eu não assino o zoneamento dessa forma.” Reportou-se em seguida às principais preocupações ambientalistas sobre o Brasil no exterior: a primeira é a Amazônia, a segunda, o biocombustível.
Licenciamento ambiental acelerado para rodovias. Minc respondeu: “Falei na Casa Civil que não tem acordo. Vou pedir ao Presidente que vete isso. Acho decurso de prazo para licenciamento ambiental indecente.”
E tem algo pior em curso no Congresso. Estávamos negociando as competências sobre licenciamento e, na última hora, houve uma interferência, não sei se de algum ministério. Uma mudança prevê que o Ibama só pode multar e embargar quem licencia. Traduzindo, significa só o seguinte: acabou a fiscalização na Amazônia, é o fim do trabalho do ministério.
Ao término, a Folha se referiu ao risco crescente de retrocesso na área ambiental, indicado pela Senadora e ex-Ministra Marina Silva.
O Ministro Carlos Minc disse: “A pressão é nesse sentido. (...) Vem em parte do setor econômico, em parte do Parlamento, e isso naturalmente repercute dentro do Governo. Eu tenho de fazer face a isso porque o governo assinou um plano de mudanças climáticas, que estipula metas. Sempre, quando chega eleição, PAC, obra, o afã produtivista faz parecer que é inexorável, mas é possível resistir.”
Entrevista de Vinod Thomas, diretor-geral do IEG (Grupo de Avaliação Independente) do Banco Mundial.
V. Thomas aponta a necessidade de investir em reforma na previdência, inovação tecnológica e preservação ambiental. “O Brasil tem uma vantagem enorme (sobre os demais Brics) em três áreas onde ele não está investindo ou está investindo mal. Veja a proporção entre gastos do governo em bens públicos divididos por bens privados, que incluem a Previdência. Bens públicos incluem infraestrutura, educação, ambiente, etc. Essa razão deveria ser alta, não baixa. O Brasil tem a razão mais baixa entre os Brics. O governo investe mais em coisas privadas – subsídios a capitais, crédito dirigido, previdência e gastos burocráticos – do que em coisas públicas. Em segundo lugar, está a inovação. Em inovação, patentes, ciência e tecnologia, o Brasil poderia ter uma vantagem, mas investe pouco. (...) A terceira é a área na qual o Brasil tem a maior força no mundo: recursos naturais. Não há dúvida de que esses recursos serão cada vez mais valorizados nos próximos 50 anos. O Brasil tem a razão mais favorável de terra, água e floresta per capita do que qualquer outro país, então deveria ser uma área na qual o país estivesse investindo, não destruindo ! Mas essa área tem uma dificuldade: ela depende da valorização global de recursos como o carbono de florestas. E o mercado para isso não está desenvolvido.
Se investir em terra, significar destruir floresta, você ganha de um lado e perde do outro. Se a coisa fica só na mão dos agentes privados locais, e não há direitos de propriedade, esses agentes explorarão a terra e destruirão a floresta. Se há direitos de propriedade e a valoração reflete o que o Brasil pode ganhar do global ao longo dos anos, o valor de cortar a floresta fica reduzido.
Há um cálculo comparando o valor de um hectare de pasto com um hectare de carbono: são US$ 200 contra US$10.000 por ano.
Perguntado se preservar é trocar dinheiro certo e saldo comercial positivo por uma possibilidade futura, Thomas respondeu: Na velha mentalidade, você precisava eliminar a floresta para criar gado. Hoje, temos evidências de que ambos podem coexistir em grandes extensões. Há exemplos na Amazônia colombiana. Mas se a situação ficar como está, os ganhos futuros pela preservação da floresta serão muito reduzidos, e o Brasil jogará fora a maior carta que tem, que é a mesma que a Escandinávia tinha, para se desenvolver de maneira dramática.
(Assim,) o Brasil pode ser melhor que a Suécia, porque a Suécia tem uma fração da floresta que o Brasil tem. No entanto, o Brasil precisa de três coisas que a Escandinávia teve: um, práticas sustentáveis de extração de madeira; dois, investir os ganhos no aumento do valor agregado da cadeia produtiva. (...) E três, mudança de pensamento, no sentido de achar que proteger florestas é desenvolvimento, em vez de pensar que você tem de eliminar os recursos naturais para se desenvolver.
A Folha aponta que em artigo Thomas critica o retrocesso da mudança da lei para permitir a pavimentação da BR-319, que corta extensa área preservada na Amazônia, sem estudo de impacto ambiental.
Em resposta à pergunta se a infraestrutura no Brasil ainda é feita com a mentalidade antiga, Thomas afirma que há espaço para fazer infraestrutura com sustentabilidade muito maior. Mas como nem a China, nem a Índia o fazem, ele usa o termo ‘liderança’: o Brasil poderia ser líder em combinar infraestrutura com preservação ambiental. O que se tem a ganhar com maior cuidado ambiental é muito mais no Brasil, do que na China ou na Índia. O planejamento ambiental faz mais diferença para o Brasil do que para esses países. A esse respeito, um bom exemplo seria empreender maiores esforços para combinar gado e floresta. O Brasil tem muito a ganhar. Na Índia e na China não sobrou muita coisa. (Continua amanhã)

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