terça-feira, 5 de maio de 2009

Cancelamento de Visita do Presidente do Irã

Às vésperas de viagem à America do Sul, que incluiria visitas ao Brasil, Equador e Venezuela, o Presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, cancelou a sua vinda, sem que fosse divulgado o motivo. Os cancelamentos de visitas são ocorrências comuns na diplomacia, embora sejam bastante mais raras as anulações de última hora. Nesses casos, a regra de bom tom é de que se forneça um motivo, mesmo que muita vez revista índole ‘diplomática’.
A presença de Ahmadinejad no Brasil catalisara reação bastante negativa de amplos segmentos da sociedade nacional. Ao contrário da prática habitual, em que as visitas de chefes de estado e de governo estrangeiros a Brasília transcorrem na indiferença dos órgãos de imprensa e da opinião pública, o anúncio da vinda do presidente iraniano mereceu manifestações assaz generalizadas de repúdio e condenação.
Dado o caráter tolerante do povo brasileiro e a pouca importância em geral atribuída às solenidades oficiais em Brasília, as razões de reação tão inusitada devem ser procuradas nas características da personagem visitante. Ahmadinejad, ao contrário de seu antecessor, o ilustrado e moderado Mohamad Khatami, segue linha de radicalismo raivoso. Oriundo das camadas conservadoras e próximo do estamento clerical dominante, o populista Ahmadinejad não refuga os ítens polêmicos. Ao invés, ele os abraça com gosto, como, v.g., a negação do holocausto e os doestos não usuais em discursos oficiais.
Nesse contexto, foi há pouco que verberou de ‘governo racista’ a Israel, em solenidade em Genebra, o que causou a saída da sala de todos os representantes da União Européia. A missão brasileira presente, que incluía o Ministro da Igualdade Racial, Edson Santos – em uma das recentes descoordenações de nossa diplomacia – preferiu, de imediato, não manifestar qualquer discordância.
Dessa maneira, se se criara no Brasil ambiente desfavorável e até mesmo hostil à visita oficial de Ahmadinejad, não se afigura despropositado afirmar que o próprio presidente do Irã se encarregara de fomentar tal clima.
Aqui caberia um parêntese. Conquanto seja habitual designar a Ahmadinejad como ‘presidente’, na verdade, posto que eleito pelo povo, seria mais correto chamá-lo de ‘chefe de governo’, eis que não é a mais alta autoridade do Estado. Tal apanágio pertence com efeito ao Aiatolá Ali Khamenei, sucessor do Aiatolá Khomeini. Conquanto não escolhido pelo povo e sim por um colégio de mullahs, Khamenei, dentro do atual esquema constitucional, é o líder supremo, a que o presidente está submetido.
Aliás, apesar de ter parlamento e chefe de governo eleitos popularmente, o Irã pertence àquela grei das chamadas democracias adjetivadas. Na realidade, o Irã é um regime teocrático, onde os mullahs (clérigos) são mais iguais do que o comum dos mortais. Assim, até os candidatos ao respectivo Parlamento são filtrados pelo Conselho dos Guardiães, que, em representação do estamento xiita dominante, veta a candidatura ao sufrágio popular daqueles suspeitos ao regime.
Dadas as características idiossincráticas desse presidente iraniano, não me parece provável que a perspectiva de manifestações contrárias e o eventual constrangimento dos anfitriões hajam sido determinantes para o ‘adiamento’ algo intempestivo da visita programada.
Semelha mais crível a hipótese de que, diante de situação interna algo precária (censura do Chefe Supremo, iminência de uma eleição de resultado imprevisível), Ahmadinejad tenha preferido ficar em casa para melhor atender aos respectivos interesses.
A tentativa de sobrevivência política terá falado mais forte. Com isso lucrou o nosso Presidente a quem não seria decerto oportuna tal visita, por atrair uma exposição às luzes de incômoda e pouco atraente ribalta.

Um comentário:

Mauro disse...

Muito boa análise, embora creia que parte do adiamento deve-se sim ao medo de uma má recepção. Mas a estória mais interessante não é por que ele cancelou, mas por que o Brasil o convidou. Eu gostaria de conhecer a visão do blogueiro sobre isto. A desculpa de relações comerciais chega a ser insultuosa. Será que o Brasil pensa que fazer bravatas é a única maneira de mostrar independência e ganhar espaços?