domingo, 3 de maio de 2009

De uma extemporânea declaração presidencial

Em declarações à imprensa que, a princípio surpreenderam, pelo seu aparente caráter fora de propósito, o Presidente Luiz Ignacio Lula da Silva disse alto e bom som, a primeiro de maio, no Rio de Janeiro:
“Estou vendo agora a hipocrisia do salário na Câmara. Parece um escândalo: faça um levantamento da história da Câmara e veja se algum dia foi diferente ? Sempre foi assim, não sei por que as pessoas não têm coragem de assumir as coisas como elas são.”
Após a solenidade – segundo o noticiário da Folha de ontem – como se a observação acima não bastasse, voltou ao assunto:
“ Não acho correto, mas não acho um crime um deputado dar uma passagem para dirigente sindical ir a Brasília. Eu, quando era deputado, muitas vezes convoquei dirigentes da CUT, dirigentes de outras centrais para se reunirem com passagem do meu gabinete. Graças a Deus, nunca levei nenhum filho meu para viajar na Europa com passagem.”
Ao tomar conhecimento dessas assertivas, a primeira reação do cidadão será, no mínimo, de estranheza. Causa a qualquer um perplexidade que o Presidente, após manter-se em silêncio por tanto tempo, resolva dar opinião sem ser chamado sobre a situação no Poder Legislativo.
No entanto, provoca ainda mais espécie que as declarações assumam um viés totalmente ao arrepio da opinião pública. Hipocrisia, a farra das passagens ? Hipocrisia, a questão do salário dos congressistas ?
Dessarte, o Presidente rompe agora o seu mutismo – no que tange a Câmara e Senado – quando as duas Casas haviam, sob a pressão da sociedade, optado por um sensato recuo, diante do inopinado bom senso trazido aos senhores congressistas do baixo clero pela oportuna visita de fim de semana às próprias bases ?
Em toda esta estória, alguma coisa não fazia sentido. Por que o desgaste inútil de uma posição tão discrepante da manifestação inequívoca da sociedade civil, conforme expressa pela imprensa ? Se o Primeiro Mandatário da Nação não quisera associar-se às críticas contra os desatinos do Legislativo por matreirice política, qual a razão de vir agora com declarações atrasadas e na contramão da opinião pública ?
O espanto, contudo, não se prolongaria por muito. O mesmo jornal que transcrevera as aludidas declarações animou-se a juntar uma peça a outra, no tabuleiro político, e a alvitrar uma explicação para o tardio ingresso na liça.
Em visita ao Palácio da Alvorada na noite de quinta-feira, os presidentes da Câmara, Michel Temer, e do Senado, José Sarney, transmitiram aos ouvidos presidenciais um misto de desabafo e recado. Reclamaram que há três meses o Congresso só faz apanhar, enquanto o Executivo navega na aprovação popular. Nesse contexto, teriam acrescentado Suas Excelência que o elevado grau de insatisfação nas duas Casas ameaça explodir na forma de CPIs (como as da Petrobrás e do Dnit).
Se este recado houve – e sinceramente penso não diferir de muitos em desejar que seja apenas invencionice da imprensa – com que tipo de procedimentos estamos lidando ? Em que lugar este gênero de ameaça – para não escolher outra palavra – seria mais usual e verossímil ?
Talvez o pior de tudo não esteja na suposta explicação das ‘extemporâneas afirmativas’. O pior - e o mais triste - estaria na circunstância de que ela aparentemente surtiu efeito.

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