quinta-feira, 21 de maio de 2009

Dos Jornais

O GLOBO 17.05.2009
21.05.2009

O JUDICIÁRIO E O CARRO OFICIAL

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou resolução sobre a utilização do carro oficial pelos senhores Juízes. Já causa espécie que o CNJ careça de intervir neste campo, pois pareceria óbvio a um leigo que o carro oficial não pode ser usado para passeios, idas ao supermercado, compras do cônjuge ou levar crianças a escola. O carro tem chapa branca – aliás,muitos já utilizam placas que não são suscetíveis de fácil identificação – justamente para que a sua função oficial e de serviço seja de público conhecimento.
Estranha, assim, que os senhores magistrados, sejam ministros de tribunais superiores, sejam desembargadores e juízes ordinários, precisem ser relembrados desta característica do carro oficial. Mais bizarra ainda é a tentativa em curso dos senhores desembargadores do Rio de Janeiro no sentido de eludir a regulamentação do CNJ.
Como se sabe, existem 180 desembargadores no Tribunal de Justiça do Estado. Cada um dos excelentíssimos senhores 180 desembargadores tem direito a um carro oficial, com motorista, e a trezentos litros por carro, o que perfaz para o TJ um total mensal de 54 mil litros de combustível.
Diante da resolução do CNJ, que detalha em trinta artigos o que é permitido e o que não é permitido fazer com os carros oficiais – inclusive proibição expressa de ser utilizado por parentes de magistrados - os inquietos desembargadores desejam tornar a coisa mais simples, através de lei a ser aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Assim, para contra-arrestar o que julgam intervenção na autonomia dos tribunais, os senhores magistrados querem que se aprove logo legislação estadual que deixará tudo como está.

O GLOBO 21.05.2009

DOS DELITOS E DAS PENAS

Já me referi neste blog ao Marquês de Beccaria, Cesare Bonesana, que renovou no século XVIII o Direito Penal com o seu livro Dos Delitos e das Penas. Dentro da ótica do século de luzes, procurou ele corrigir os inúmeros problemas então enfrentados pelo direito penal da época (processo secreto, tortura, desigualdade dos castigos segundo as pessoas, a desumanidade dos suplícios, combate à pena capital).
Ao examinar-se com cuidado a lista dos problemas daquela época, há de ficar, nos dias de hoje, a impressão de que as reformas preconizadas pelo Marquês de Beccaria carecem de detida análise na terra de Pindorama.
Infelizmente, na atualidade, faltam muitas coisas a corrigir do prisma de Beccaria, que é a partir dos direitos do réu. Quando se fala, v.g., de desigualdade de castigos segundo as pessoas, poderemos afirmar que tais privilégios não se aplicam ao Brasil ? Basta ver a impunidade que, na prática, desfrutam os senhores parlamentares, tanto federais, quanto estaduais, por força do foro privilegiado, para determinar que há muito ainda por fazer .
No entanto, também do prisma do Estado, existe em nosso país muito espaço para que um novo Beccaria se aventure a sugerir reformas na legislação penal, que atualmente virou um verdadeiro labirinto, em que o fio de Ariadne só serve para a fuga legal dos criminosos e o desvirtuamento da justiça.
Na crônica policial, resumo a seguir duas ocorrências, cuja alegada desimportância faz com que o jornal as noticie sob o mesmo título e em canto de uma página interna:
Menina de Oito Anos baleada na cabeça - dois assaltantes pularam o muro de residência particular em Rio Claro (a 232 km de São Paulo). No interior, renderam a babá e duas gêmeas de oito anos. Havendo disparado o alarme,um dos bandidos se assustou e atirou em uma das crianças. Baleada na cabeça, e transferida para o hospital Albert Einsteins, a menina se acha em estado grave.
Assalto em Barueri (grande São Paulo) - três pessoas morreram em consequência de assalto residencial. Pai, de 66 anos, e filho, de 21, foram baleados e faleceram, por causa dos ferimentos. A mãe do rapaz ao ver marido e filho atingidos, teve um infarto e morreu.
Comentário. Os nossos legisladores e o Ministério da Justiça deveriam ocupar-se de uma sistematização das normas penais no Brasil. A desordem presente é tal que equivale a anomia. De um lado existem disposições severas, mas de outro há uma série de normas que hábeis advogados utilizam, seja para reduzir a sentença (progressões de pena), transformar a pena de encarceramento a ponto de torná-la irreconhecível (saidas diurnas, com obrigação de retorno à noite) , ou para declarar a prescrição da pena.
A última intervenção do Supremo que declara somente admissível a prisão do réu quando a sentença passar em julgado equivale a uma quase impunidade, como tem ocorrido com assassinos confessos que continuam em liberdade. Com efeito, no Brasil, a permissividade é seletiva, em geral somente acessível a pessoas de posses que contratem bons advogados. A igualdade de todos perante a lei se torna deveras questionável, diante desse dédalo de leis e normas contrastantes, a par da especiosa e astuta utilização que pode ser feita de um código de processo penal bastante desatualizado.
Se não há carência de juízes e desembargadores em nossa terra – como a notícia acima exemplifica – a capacidade da justiça varia muito de acordo com o Estado.
Por fim, cabe a pergunta por que a União, por intermédio do Ministério da Justiça, não avoca a responsabilidade de atualizar o sistema penal no Brasil. A perdurar tal omissão, cresce a estranheza diante desta não-assunção de precípua e urgente responsabilidade.

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