A situação na
Ucrânia continua a caracterizar-se pela insatisfação da opinião pública, diante
da opção pró-Rússia do Presidente, e as tentativas deste último de alternar
repressão com promessas inconclusas, a refletir-lhe o desejo de ganhar tempo e de jogar com a
diminuição do ardor nos protestos.
Ontem à noite a
sua polícia de choque forçou o avanço na Praça da Independência, posto que,
pelos inúmeros obstáculos colocados pelos manifestantes não terá logrado
afastá-los por completo dessa área central de Kiev. Alguns milhares de
testemunhas da liberdade ainda lá persistem.
Em reunião com a
‘ministra das relações exteriores’ da União Européia, Catherine Ashton, o
Presidente prometeu que “opositores presos nos protestos seriam libertados”.
Por outro lado, no encontro de “mesa redonda” com a trindade de ex-presidentes
– Leonid Kuchma, Leonid Kravchuk e Viktor Yushchenko – houve verdadeiro diálogo
de surdos, quando Viktor Yanukovych
asseverou que, ao contrário de aprofundar a opção Europa ocidental, ele não
abre quanto a restaurar as relações comerciais com a Rússia.
O discurso
pró-Rússia do Presidente – quando a revolta das ruas é justamente derivada da
maneira desabrida com que cortara os laços com Bruxelas – aponta para uma
diferença capital: enquanto a multidão e a oposição falam da perspectiva da
União Europeia, ele repisa, de forma inequívoca, posto que indireta, a sua dependência
do grande irmão do Norte. A pressão que sofre de Vladimir Putin é muito
clara, e a pergunta que paira no ar é se Yanukovych continuará a abraçar a
“opção russa” a ponto de exacerbar a oposição popular, que favorece a abertura
para a Europa e a democracia, por intermédio do acordo com Bruxelas.
A Ucrânia de
Yanukovych tem dívida de US$ 60 bilhões com a Rússia, mormente pelos contratos
de fornecimento de gás. Dessarte, a ‘proposta’ de Putin de que Kiev ingresse na
União Aduaneira é apenas o contrapeso da dependência energética, na qual a
Ucrânia beira a inadimplência.
Daí, essa
lógica de afogado de Yanukovych. Por mais que a aliança com o Kremlin seja detestada pela maioria da
opinião, ele persiste em declarações do tipo “nós não podemos conversar sobre o futuro sem falar em restaurar as
relações comerciais com a Rússia.”
Pressionado,
Yanukovych tenta conciliar o inconciliável, com a promessa de enviar a Bruxelas
nesta semana representantes para dialogar sobre novas condições financeiras
para o acordo comercial com a U.E. Diz a
respeito que pretende negociar com a UE apenas
sobre este ponto, mas não sobre a participação na União Aduaneira, que
permanece firme.
Politica e
ideologicamente, Yanukovych está muito mais próximo de gospodin Putin. Daí, a pressão deste último o forçaria a
tomar posições pró-Moscou, que já são de seu manifesto agrado. O problema de
Viktor Yanukovych parece ser, portanto, a população que enche ruas e praças de
Kiev, para manifestar a sua ligação com a União Europeia, Bruxelas, e tudo o
que isto significa em termos de escolha política pró-liberal.
Se pretende
seguir nesta linha, Yanukovych terá de depender sempre mais da via autoritária.
Ele a tem seguido de forma consistente, a começar pela judicialização da
disputa política (colocou a principal líder da oposição na cadeia, Yulia Timoshenko, valendo-se
de um dócil juiz). O problema de que segue tal caminho é o que fazer com o povo
? Se lograr a repressão por meio do aparato policial, como ficará a situação quando
das próximas eleições presidenciais ?
Como contornar
a manifesta indisposição popular com as opções do pró-russo Yanukovych? Pensará
acaso em mais uma eleição trucada, como a que originou a revolução laranja de
2004?
Se pensa em Ucrânia
democrática, como resolver a quadratura do círculo ? Terão alguma utilidade no capítulo os
conselhos do ex-KGB Vladimir V. Putin, na Rússia, e de Aleksandr Lukashenko, na Bielorússia ?
(Fonte: Folha de S. Paulo)
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