quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Como nos tempos de Cabral

                                     

       O Cabral a que me refiro não é, por certo, esse nosso viajante Governador, o da turma do lenço, a quem o Rio, com justiça, hoje castiga em baixíssimos índices de aprovação, que refletem o descalabro nos transportes públicos de massa, na educação e saúde.
       Reporto-me a outro e muito bem conhecido, Pedro Álvares Cabral, o descobridor oficial da Terra de Santa Cruz que, por ordem de el-Rei D. Manuel, ancorou a frota de treze naus na baía de Porto Seguro.

      Teve aqui o seu banho de fama, rumando em seguida, para as brumas do esquecimento, nas bandas da Índia, com as especiarias e  miragens de império estendido muito além dos meios e população da heroica gente lusa que o Infante D. Henrique lançara no mar oceano.
      Por primeira vez na República, por que Luiz Inácio Lula da Silva – para sua honra – não ousou enveredar pelos caminhos chavistas das eleições, preferindo, ao invés de terceiro mandato, passar a faixa à companheira petista Dilma Rousseff.

      A reeleição – esta nova praga brasileira – fora inventada em má-hora pelo professor Fernando Henrique Cardoso, e até hoje, em todos os níveis da República, pagamos o amargo sobrepreço de corrupção e desgoverno que tal prática, tão antibrasileira, trouxe para prefeitos, governadores e presidentes.
      Dos dúbios critérios de Lula da Silva, há de escrever, com seu estilo distante e quiçá impessoal, esta amorfa entidade que chamam de História, cujas páginas surgiram por primeira vez nos circunstanciados relatos, por vezes cômicos, por vezes terríveis, mas quase sempre humanos, do mais insigne cidadão da hoje sepulta Halicarnasso. Assinale-se, por oportuno, que depois de décadas de relativo menosprezo, Heródoto, o pai da história, semelha superar o seu eterno rival, também grego, o ateniense Tucídides.

      Mas voltemos às realidades terrenas do ciclo de Lula da Silva. Após haver inventado, malgrado opiniões em contrário, a sua sucessora, cunharia a seguir o apelativo – para ele objetivo e não depreciativo – de poste, com que foi mimoseado o seu ex-Ministro da Educação, Fernando Haddad e a própria Mulher do Lula (como Dilma era conhecida no Nordeste). O fundador do P.T. não acha, de resto, pejorativo esse apodo, embora não creio todos tenham a mesma opinião.
       Já discuti e muito esse assunto, e não creio oportuno aqui aprofundá-lo. Basta apenas dizer – e com tristeza – que muito depõe contra o critério do eleitor ceder a outrem o critério de determinar quem deva e quem não deva ser eleito. Algum dia, o candidato será escolhido não por indicação, mas por mérito, proposta e folha corrida.

       Pensando bem, de 1500 para cá as coisas não mudaram tanto quanto parecem. Aos pobres e incautos indígenas que o acolhem na praia de Porto Seguro, e depois serão os perplexos assistentes da Primeira Missa, Cabral presenteia com miçangas e bugigangas, artefatos de discutível valia, mas que causam admiração aos índios pelo brilho, formato e consistência. Mais surpresos ainda ficariam pela indumentária da estranha gente, vinda não sabiam de onde.
          Apesar dos pífios resultados de quase três anos de mandato, beira o estarrecedor que o nível de aprovação da Presidente Dilma Rousseff se afaste dos baixios dos tempos das surpreendentes  passeatas de junho.

           Sem falar da inflação, que ela trouxe, com singular estouvamento, de volta, e que ora nos ronda, quase sempre estourando o teto dos índices em combate que mais parece a campanha dos exércitos derrotados da OKW nazista, em contínua retirada, que a patética linguagem dos comunicados não podia disfarçar.
          Para quem se diz desenvolvimentista, quanto açodamento e quanta trapalhada ! Os métodos são discutíveis – e os blogs já se detêm bastante no seu caráter irregular, no seu amadorismo e, sobretudo, no respectivo assistencialismo.

         Ao invés de obras de infraestrutura, na carência dos investimentos e na sua irregularidade, no portentoso ralo da corrupção – e, por falar nisso, que dizer da falta de saneamento básico em tantas cidades brasileiras – continuam no mercado as miçangas e as bugigangas que, como uma nêmesis, nos perseguem desde Cabral.
        Para quem se preocupa tanto com números, as estatísticas castigam já não digo no melancólico índice de crescimento negativo do PIB neste terceiro trimestre de 2013 de menos 0,5%. Em todo o governo Dilma, o crescimento do PIB fica em 2,1%, num parâmetro igual ao segundo mandato de FHC, mas não ao primeiro, no começo do Plano Real, que supera o dílmico índice com 2,4%.

       Somos a terra do impostômetro, do empreguismo público desvairado, da opção pelo consumo, com mais carros nas ruas, com escapamentos de terceiro mundo (faltam os controles vigentes no circuito Elizabeth Arden), e os lucros das feitorias vão para as combalidas matrizes no Primeiro mundo. O assistencialismo está aí no bolsa-família, já na segunda geração, e nos diversos mimos que artistas de segunda categoria anunciam, como descontos em eletrodomésticos.
       Por quanto tempo nos caberá a velha maldição de Cabral, como se permanecêssemos para sempre desvalidos. O que se precisa é de trabalho digno, higiene e saneamento (que trazem saúde), educação (que constrói a dignidade e o futuro). Falamos de estradas desde Washington Luís, JK as rasgou e construíu, e os pósteros permitiram a sua deterioração. Falamos de bom governo e se inventa a reeleição, que é a mãe da ubíqua corrupção e do desgoverno sistêmico.

      Que país e que governo temos, se quando os índices do IBGE começam a despencar, devemos agradecer que ainda dispomos de instituições de estado, que nos servem a verdade e não a subdesenvolvida patranha dos índices manipulados de Cristina, viúva de Kirchner.
      Na verdade, o que se carece é reinventar o Brasil. Agora, um morador de rua é o primeiro a ser castigado pelos excessos das passeatas de junho. Isso me relembra o infeliz que foi parar na cadeia por haver comido uma casca de árvore.

       De trabalho, dedicação e dignidade o Povo brasileiro não é pobre. Precisamos com urgência trazer estes singelos mas sinceros princípios para  Brasília e suas instituições tão afastadas da realidade brasileira. 
        Poderá alguém negar que a meta síntese de Juscelino se transmutou em cruel caricatura?

 

(Fontes subsidiárias:  Folha de S. Paulo,  O  Globo )

Nenhum comentário: